Taylor Swift e greve dos roteiristas revelam como funcionam algoritmos de redes sociais

Os feeds das mídias sociais são projetados para capturar sua atenção, independentemente da relevância concreta das notícias

Crédito: Vincentas Liskauskas/ Unsplash

Aarushi Bhandari 5 minutos de leitura

Neste semestre, tenho iniciado minhas aulas de sociologia pedindo aos alunos que compartilhem alguma notícia quente que tenham ouvido. Na terça-feira, 26 de setembro, eles estavam alvoroçados com a participação da cantora Taylor Swift no jogo do Kansas City Chiefs no domingo seguinte.

Swift e Travis Kelce, jogador do Chiefs, deixaram o Arrowhead Stadium juntos no conversível dele, confirmando os rumores de um possível namoro. Como estudiosa da economia da atenção, não fiquei propriamente surpresa. Muitos dos meus alunos adoram as músicas de Taylor Swift, e essa história dominou as principais plataformas de mídia social.



Mas fiquei surpresa quando descobri que nenhum aluno tinha ouvido falar que o Writers Guild of America (que reúne dois sindicatos representantes dos roteiristas de televisão e cinema nos Estados Unidos) havia chegado a um acordo com a Alliance of Motion Picture and Television Producers (AMPTP), depois de uma greve de quase 150 dias.

Esse acordo histórico contempla aumentos salariais significativos, melhorias na assistência médica e no suporte previdenciário e – algo inédito nos dias de hoje – proteções contra o uso de inteligência artificial para a criação de roteiros.

Mas, nas plataformas de mídia digital, o fim da greve dos roteiristas acabou ficando encoberto por manchetes e comentários sobre a dupla de celebridades. Para mim, essa dissonância é um exemplo perfeito de como funciona o ecossistema de mídia digital. 

Crédito: Damian Dovarganes/ AP

É lógico que as plataformas de notícias e mídias sociais promovem algumas histórias e narrativas em detrimento de outras. No entanto, esse caso em particular é fascinante, porque a AMPTP representa alguns dos conglomerados de mídia que divulgam notícias diretamente.

Por exemplo, a CNN é propriedade da Warner Bros. A Discovery também é membro da AMPTP. Mas, no momento em que escrevo este artigo, a CNN.com exibe três manchetes sobre a greve e oito sobre Taylor Swift no jogo do Chiefs.

CONCENTRAÇÃO DE FONTES

O livro "Manufacturing Consent" (Engenharia do Consentimento), de Edward Herman e Noam Chomsky, de 1988, descreve o problema da propriedade da mídia por conglomerados. De acordo com essa teoria, interesses poderosos controlam as narrativas, em parte, por meio da propriedade das fontes de notícias.

Há uma imprensa livre nos EUA, mas Herman e Chomsky argumentam que as notícias que chegam às pessoas comuns tendem a ser filtradas por um conjunto de suposições que se alinham aos interesses ideológicos das corporações de mídia e de seus anunciantes: manter o status quo econômico e estimular o consumismo.

Atualmente, nos EUA, seis conglomerados possuem e controlam 90% dos meios de comunicação

Segundo dados do Pew Research Center, a maioria dos norte-americanos obtém suas notícias de fontes online. Com essa mudança, os estudiosos adaptaram o modelo de propaganda de Herman e Chomsky para explicar como funcionam os ecossistemas de mídia social.

A função dos algoritmos é o foco principal das pesquisas em andamento sobre fake news e sua influência sobre as massas no universo online. O trabalho da socióloga Ruha Benjamin mostra que os algoritmos são codificados de acordo com os preconceitos de seus desenvolvedores.

Outros estudos mostram que as críticas sobre os vieses algorítmicos são suprimidas pelas plataformas de mídia digital corporativa por meio de estratégias como o shadow-banning, que se refere ao banimento secreto de usuários sem o conhecimento deles.

Esses algoritmos determinam o que será tendência em sites como o X (ex-Twitter), por exemplo. Isso, por sua vez, influencia as tendências em outras plataformas, como as pesquisas do Google.

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Os resultados de tendências do Google mostram um enorme aumento nas consultas de pesquisa sobre Travis Kelce desde 20 de setembro. Comparativamente, a vitória do movimento dos roteiristas de Hollywood recebeu pouquíssima atenção.

A enorme diferença de interesse entre esses assuntos serve como exemplo de algoritmos que apoiam os trending topics  (assuntos mais comentados) em detrimento de outros conteúdos de interesse jornalístico.

A função dos algoritmos é o foco principal das pesquisas sobre fake news e sua influência sobre as massas no universo online.

Outro foco importante do modelo de propaganda para a mídia social é a publicidade direcionada.

Diferentemente do que faziam seus antecessores na televisão, as empresas de mídia social usam big data para conhecer melhor as preferências dos usuários e mostrar anúncios personalizados. Essa estratégia inclui técnicas de marketing de guerrilha, como as empregadas por várias empresas depois da aparição de Swift.

Por exemplo, a Liga Nacional de Futebol Americano mudou sua bio no X para "NFL (versão da Taylor)". As vendas da camisa de Kelce dispararam nos poucos dias após a aparição de Swift no jogo do Chiefs.

MÍDIA CORPORATIVA E QUESTÕES TRABALHISTAS

A tímida cobertura da greve dos roteiristas se encaixa em um padrão histórico mais longo de tensão entre os movimentos trabalhistas e a mídia corporativa nos EUA. Em muitos casos, os conglomerados de mídia têm apresentado narrativas desproporcionalmente negativas sobre greves e atividades sindicais.

as empresas de mídia social usam big data para conhecer melhor as preferências dos usuários e mostrar anúncios personalizados.

Quando não cobre questões trabalhistas de forma desfavorável, a mídia corporativa tem um histórico de ignorar e minimizar essas questões. A meta-análise da cobertura da mídia feita pelo estudioso de comunicações Jon Bekken registrou quedas substanciais na cobertura de questões trabalhistas pelos principais veículos a partir da década de 1990.

Mas essa dinâmica histórica está começando a mudar. O crescente apoio do público aos sindicatos e à ação dos trabalhadores tornou difícil ignorar as correntes mais ativas do sindicalismo norte-americano em diversos setores, desde a Starbucks  até os trabalhadores do ramo automotivo. 

Apesar do domínio das empresas de mídia e dos algoritmos tendenciosos, os movimentos trabalhistas conseguiram garantir o apoio do público, o que mostra que o público está mais consciente dos interesses dos trabalhadores.

Portanto, em meio a essas tensões, uma notícia quente sobre Taylor Swift, e que ainda reúne o universo do futebol americano, é um presente para os executivos da mídia.

Este artigo foi republicado do "The Conversation" sob uma licença Creative Commons. Leia o artigo original.


SOBRE A AUTORA

Aarushi Bhandari é professora assistente de sociologia na Davidson College. saiba mais