Mapa da inovação: o que levou o Brasil de volta ao ranking dos 50 países mais inovadores do mundo
País volta à lista após 12 anos, mas precisa mais do que investimentos, políticas públicas e unicórnios para ter um ambiente favorável a negócios disruptivos
O Brasil é o 49º país mais inovador do mundo, de acordo com o Global Innovation Index (IGI), da Organização Mundial de Propriedade Intelectual (WIPO, na sigla em inglês).
A melhora dos indicadores internacionais das universidades brasileiras, bem como a alta em pedidos de marcas registradas e o aumento no valor de mercado dos unicórnios (startups avaliadas em ao menos US$ 1 bilhão) verde-e-amarelos influenciaram a volta do país ao ranking dos 50 países mais inovadores, situação que não acontecia desde 2011. A notícia, no entanto, não é motivo só de comemoração, e sim de mais trabalho pela frente.
Criado em 2007, o IGI mensura a potência dos ecossistemas de inovação de 132 economias. Para compor o índice, a WIPO se vale de dois grandes pilares da inovação: os insumos (chamados inputs) e os resultados (os outputs).
Na primeira parte, entram números como o investimento em venture capital, a quantidade de formandos em cursos de engenharia, matemática e ciências, a qualidade do ensino universitário e o aporte em pesquisa e desenvolvimento.
Na segunda, são contabilizados o volume de pedidos de patente, quantas são as empresas abertas, a avaliação do valor (valuation) das companhias de tecnologia e a quantidade de domínios online.
Nos últimos cinco anos, o Brasil subiu cinco posições no ranking, mas, para especialistas, segue abaixo do potencial inovador da 10ª economia mundial. Ou seja, antes de comemorar a volta do país ao top 50, é preciso analisar o que gerou esse movimento.
O Brasil foi o 19º país que mais investiu em educação em proporção do Produto Interno Bruto (PIB), segundo o IGI. No ano passado, estava na 20ª posição.
De acordo com Guilherme Pereira, diretor dos cursos de MBA e de inovação do Centro Universitário FIAP, parte do que puxou o Brasil para cima foram as universidades – os grandes espaços de pesquisa e desenvolvimento do país.
A Universidade de São Paulo (USP) assumiu o primeiro lugar no principal indicador de melhores universidades da América Latina e do Caribe, o ranking QS. No ranking QS Mundial, a USP subiu 30 posições, indo para a 85ª melhor do mundo.
A Universidade de Campinas (Unicamp), a Universidade Estadual de São Paulo (Unesp) e a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) também ficaram no top 10 da América Latina. O produto de pesquisa das universidades brasileiras também foi fator preponderante: as obras de pesquisadores brasileiros foram as 23ª mais citadas no mundo acadêmico.
O Brasil foi o 19º país que mais investiu em educação em proporção do Produto Interno Bruto (PIB), segundo o IGI. No ano passado, estava na 20ª posição. E, em 2011, quando o país atingiu a sua melhor marca no IGI, estava em 44º lugar no quesito investimento em educação.
“Não tem segredo, as três formas de aumentar a inovação do país são educação, educação e educação”, diz Kenneth Corrêa, professor do MBA da FGV focado em inovação e inteligência artificial.
Ainda existem pontos a melhorar, como mostra o IGI. Usando como base as avaliações do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA), o Brasil está em 68º lugar no desempenho dos estudantes. Além disso, o país é o 90º quando se trata do volume de graduandos em cursos de ciência e engenharia.
EMPREENDEDORISMO PARA ALÉM DOS UNICÓRNIOS
Pesaram a favor do Brasil a participação digital do mercado nacional, bem como a quantidade de serviços online oferecidos pelo governo. Em ambos indicadores, o país se junta aos 15 primeiros da tabela.
Segundo Pereira, tais números mostram que o público brasileiro está mais acostumado a usar ferramentas online e, portanto, mais apto a usar produtos e serviços com interface tecnológica.
Do outro lado da balança, o ambiente institucional para negócios e empreendedorismo deixa a desejar na área de “aportes” em inovação. O país fica em 118º lugar num ranking de 132 países quando o assunto são políticas, cultura de empreendedorismo e ambiente propício para fazer negócios. O fato contrasta com um ponto forte do Brasil no IGI: A avaliação dos seus unicórnios.
Segundo o índice, os 16 unicórnios brasileiros representaram 1,9% do PIB em 2023. O valor de mercado dessas empresas foi destaque positivo no pilar de resultados da inovação.
Para Corrêa, é preciso "colocar um asterisco" nesse número, uma vez que a maioria dos unicórnios brasileiros contabilizados no índice tem produtos voltados para o público interno. E o mercado consumidor brasileiro é o oitavo maior do mundo.
O IGI mostra que, quando se trata da criação de aplicativos móveis, códigos próprios e programação, o país está abaixo do 40º lugar. Já no quesito colaboração entre áreas de pesquisa e desenvolvimento (P&D) de universidades e da indústria, o Brasil fica em 78º do ranking.
“Existem poucos pesquisadores em empresas e poucas empresas investindo em projetos inovadores, disruptivos. O empresariado brasileiro é conservador em termos de inovação. Não dá para ficar na conta das startups”, afirma o professor da FIAP.
o público brasileiro está mais acostumado a usar ferramentas online e, portanto, mais apto a usar produtos e serviços com interface tecnológica.
Para Rafael Costa, diretor para o Brasil do FI Group, há um problema para mensurar e rastrear inovação no ecossistema brasileiro, principalmente dentro de grandes empresas. “Antes de se preocupar com o índice internacional, o mercado brasileiro tinha que se perguntar: a gente sabe o que é inovação?”, indaga.
Mesmo em novas companhias, a inovação não é o fator que inspira alguém a empreender. Dados do Global Entrepreneurship Monitor (GEM) do Brasil mostram que 59,9% dos brasileiros querem ter um negócio próprio.
No entanto, mais de 80% das novas empresas criadas por aqui são motivadas pela escassez de empregos. “O ambiente tem que ser referencial para o empresário e, talvez, não seja um ambiente mais compelido à inovação”, analisa Pereira.
AS LETRAS PEQUENAS DO ÍNDICE
Uma das formas mais tradicionais para medir a inovação em um país é a quantidade de patentes pedidas. O Brasil está em 51º lugar quando se trata de porcentagem de patentes e PIB.
Tanto a regulamentação de patentes como a cultura brasileira, que vê o registro mais como uma proteção de mercado do que como instrumento de inovação, são atritos para fazer este indicador decolar. “Se a gente seguir com as regras atuais de patente, o Brasil vai chegar no máximo ao 30º lugar de economia global mais inovadora”, diz Costa.
Antes de se preocupar com o índice internacional, o mercado brasileiro tinha que se perguntar: a gente sabe o que é inovação?
Na área de tecnologia – especificamente em inteligência artificial, máquinas e equipamentos –, a maior parte dos pedidos de patente é feita por empresas estrangeiras.
De acordo com estudo feito pela Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), apenas 10% dos pedidos de registro desse segmento feito no Brasil foram apresentados por empresas e universidades residentes do país.
Do outro lado, o número de trademarks, ou registro de marcas, subiu, levando o país a ser o 13º maior do mundo em quantidade de marcas registradas – um comportamento influenciado pelas redes sociais e pelo ambiente digital.
O número não significa que as marcas criadas estão ligadas diretamente à inovação, mas mostra que há apetite para as empresas irem além da prestação de serviços.
Mesmo com todos os desafios, em um ponto os especialistas concordam: o Brasil voltou ao top 50 de economias mais inovadoras para ficar. E tem as ferramentas para subir de posição.