5 perguntas para Ariel Nobre, diretor executivo do Observatório da Diversidade na Propaganda
Não há pessoas trans na liderança de agências de publicidade brasileiras. No cargo de CEO, 8% são negros e pardos. Só 15% são mulheres, sendo que apenas 1% é de mulheres negras. A falta de diversidade se reflete nas histórias que chegam para o público. Mas, e se o poder da publicidade fosse usado para mudar esse cenário?
Ariel Nobre está lutando para isso. O diretor-executivo do Observatório da Diversidade na Propaganda (ODP) faz conexões com agências para aumentar a representatividade do setor de dentro para fora. "A propaganda entra na casa das pessoas. A boa propaganda entra no coração das pessoas", afirma.
O ODP é uma associação de 29 agências de publicidade que tem como objetivo acelerar a inclusão de grupos minorizados no setor. Este ano, a entidade realizou o Censo de Diversidade das Agências Brasileiras, colocando em números o tamanho do desafio. Além disso, o Observatório firmou um objetivo para 2029: fazer as agências representarem o Brasil em termos de gênero, raça e orientação sexual nas agências.
Mais do que uma batalha de indicadores, a luta de Nobre é para que a publicidade ajude o Brasil a deixar de ser o país com maior número de assassinatos de pessoas trans no mundo. O executivo é um homem trans que entendeu na pele como a propaganda pode mudar vidas. Foi graças a um comercial que sua mãe passou a chamá-lo pelo seu nome.
Nobre tem muitas faces além de executivo do mercado de publicidade: é poeta, escritor e diretor. Em 2015, lançou o curta “Preciso Dizer que Te Amo”. Em 2023, fez a ação “14 cartas para 14 líderes”, na qual enviou manuscritos sobre a realidade da pessoa trans no Brasil para líderes da indústria.
Ele mesmo só está aqui graças a uma carta de despedida, escrita de próprio punho, quando cogitou tirar a própria vida. Ao escrever, se deu conta de que ainda tinha muito para viver e mudou o rumo de sua história. Nesta entrevista à Fast Company Brasil, Nobre fala sobre a sua jornada, sonhos e projetos.
FC Brasil – O Observatório da Diversidade na Propaganda tem a meta de estabelecer uma representação proporcional de diversidade do país nas maiores agências brasileiras até 2029. Como pretendem chegar lá?
Ariel Nobre – A intenção do ODP é estimular a cooperação entre os líderes da nossa indústria, criando um ambiente favorável para a inclusão de grupos subrepresentados nas agências.
Na prática, o Observatório investe em programas de letramento regulares para CEOs de agências, na promoção de encontros entre os líderes de recursos humanos, talent acquisition e de grupos de diversidade das empresas.
Nossa organização também fará, de forma regular, a medição e parametrização de dados do mercado, para que o retrato da indústria seja proporcional à realidade brasileira.
FC Brasil – O Censo de Diversidade das Agências Brasileiras, lançado em abril, mostra uma profunda diferença na proporção entre homens cis brancos e pessoas negras em cargos de liderança. Quais transformações estruturais precisarão acontecer para que a liderança se torne diversa?
Ariel Nobre – Especificamente sobre a representatividade de gênero em cargos de liderança, não podemos negar o avanço da igualdade entre homens e mulheres em cargos C-Level nos últimos 40 anos. Ela é notória.
Trabalho para poder dizer que a propaganda brasileira se tornou diversa, mais criativa e próspera.
Mas essa "igualdade", percebida a olhos nus, ainda é branca. E daí vem o dado mais chocante do censo: apenas 1% da liderança feminina em agências, hoje, é negra. Mudar essa porcentagem exige mais de um agente transformador.
O Observatório se soma a outras iniciativas internas do mercado e fará tudo para orquestrar, com o poder público e com a sociedade, as medidas que viabilizem este avanço. Ademais, precisamos olhar para a comunidade trans, melhorar nossos dados e agir de forma conjunta e intencional.
FC Brasil – A publicidade tem capacidade de despertar desejo, moldar comportamentos, lançar tendências. Como as propagandas afirmativas podem ajudar o Brasil a sair do topo da lista de países que mais matam pessoas trans no mundo?
Ariel Nobre – A propaganda entra na casa das pessoas e a boa propaganda entra no coração das pessoas. Nossa indústria faz a manutenção do imaginário dos brasileiros. Hoje, esse imaginário ainda diz que é ruim ser trans, que é vergonhoso ter um filho/a trans.
A gente ainda está fazendo uma transição cultural da vergonha para o orgulho. A propaganda brasileira tem capacidade para liderar essa transição tão necessária.
FC Brasil – Você dirigiu o filme “Preciso dizer que te amo”, lançado em 2018. É um documentário que explora a resiliência e a luta de jovens trans contra o suicídio. Que histórias ainda quer contar? E quais quer ver se tornando realidade?
Ariel Nobre – Quando fiz “Preciso dizer que te amo” contei um pouco da minha história, compartilhei com o mundo a minha perspectiva de vida. É como se o documentário tivesse aberto um espaço único para que eu me representasse.
A próxima geração depende do caminho que a gente percorrer.
Agora, com o ODP, estou abrindo outra portinha, para mais gente entrar e encontrar aqui um espaço para contar suas próprias histórias.
Trabalho incansavelmente para, daqui a uns cinco anos, poder dizer que a propaganda brasileira se tornou diversa, mais criativa e próspera. Mas quero fazer isso com mais pessoas trans comigo.
FC Brasil – Você costuma escrever cartas. Neste ano, mandou 14 para líderes brasileiros de agências, para alertar sobre o que está acontecendo com a população trans. Se pudesse escrever uma carta para um jovem profissional trans, que está começando agora no mercado, o que diria?
Ariel Nobre – Eu diria que às vezes fica tudo ruim, mas que é bom continuar mesmo sem ter clareza das perspectivas. Que a esperança se refaz no caminho quando você menos espera. E que esta carta pode soar um pouco triste, mas não é.
É bom insistir, é bom continuar. A próxima geração depende do caminho que a gente percorrer. A minha é a primeira a se declarar abertamente como homens trans. Portanto não temos referências passadas, nem políticas públicas de suporte, mas temos uma enorme responsabilidade nesse investimento comunitário.
Mesmo que a gente não colha os frutos agora, vale a generosidade de plantar.