Cory Doctorow: onde as tech companies erraram e o que dá para consertar

O escritor e ativista apresenta um argumento contundente para reduzir o tamanho das grandes empresas de tecnologia

Crédito: The7Dew/ iStock

Wilfred Chan 4 minutos de leitura

Há duas décadas, o jornalista e escritor Cory Doctorow lidera uma luta pública contra leis restritivas de direitos autorais, contra plataformas tecnológicas detentoras de monopólios e contra o capitalismo de vigilância. Mas o maior desafio de tentar incentivar uma rebelião contra os gigantes da tecnologia não é apenas o fato de eles serem poderosos, mas também de suas táticas serem muito chatas.

"É exatamente porque essas coisas são tão chatas que são tão perigosas", escreve o prolífico autor e ativista em seu último livro, "The Internet Con: How to Seize the Means of Computation" (A Internet como engano: como tomar posse dos meios de computação, em tradução livre). "Esse superpoder permite que eles escondam todos os tipos de coisas horrorosas por trás das letras miúdas."

As empresas eram obrigadas a competir inventando produtos, e não comprando pessoas que inventaram produtos. 

O talento de Doctorow está em dar vida a essas batalhas políticas obscuras de modo que, ao final do livro – que reúne as lições de seus 20 anos nas trincheiras da internet – ele espera que estejamos "prontos para a ação" para desmantelar a aborrecida distopia das big techs.

A Fast Company conversou com o escritor e ativista de sobre como ele acredita que podemos fazer isso e por que ele se inspira no arquiconservador economista Milton Friedman. Para maior clareza, esta entrevista foi reduzida e editada. 

Fast Company – Em seu novo livro, você argumenta que décadas de tentativas de transformar as big techs em "tecnologia com mais qualidade" fracassaram, e que é hora de reduzir o tamanho dessas empresas. Houve algum momento decisivo em que percebeu que o setor precisava de uma mudança sistêmica? 

Cory Doctorow Foi mais um processo do que um ponto de inflexão. Houve uma época em que o setor de tecnologia podia ser descrito como um grupo de "empresas rápidas", certo? Elas usavam a interoperabilidade que está latente em toda tecnologia digital e visavam especificamente os pontos problemáticos que das empresas que dominavam o mercado.

Crédito: Britta Pedersen/ Getty Images

Se as empresas dominantes estivessem ganhando dinheiro com publicidade, elas criavam bloqueadores de anúncios. Se estavam ganhando dinheiro cobrando margens gigantescas pelos discos rígidos, elas criavam discos rígidos mais baratos.

Com o passar do tempo, passamos de uma internet em que as empresas de tecnologia protegiam mais ou menos os usuários para uma em que elas entraram em acordo para arrancar o máximo possível desses usuários. Não temos mais empresas rápidas; temos gigantes pesados.

Nosso trabalho como ativistas é dispor de boas ideias espalhadas por aí, de modo que, quando a crise vier, o impossível possa se tornar inevitável.

À medida que essas empresas se tornaram mais concentradas, elas conseguiram conspirar e convencer os tribunais, os órgãos reguladores e os legisladores de que era hora de se livrar desse tipo de interoperabilidade, da engenharia reversa que era uma característica da tecnologia desde o início, e entrar em uma nova era, na qual ninguém poderia fazer nada em uma plataforma de tecnologia que seus acionistas não aprovassem.

Uma era na qual o governo deveria intervir usando os tribunais para punir qualquer um que discordasse. Foi assim que chegamos ao cenário em que estamos hoje.

Fast Company – Isso nos leva ao argumento principal de seu livro: que precisamos de intervenção política para permitir que mais pessoas possam exercer a "interoperabilidade adversária" contra os gigantes da tecnologia de hoje. Mas será que, se isso acontecer, esses rebeldes poderão se tornar os novos monopolistas?

Cory Doctorow Basta olharmos para a história: até o momento em que paramos de aplicar a lei antitruste,

passamos de uma internet em que as empresas de tecnologia protegiam os usuários para uma em que elas entraram em acordo para arrancar o máximo possível desses usuários.

as empresas de tecnologia eram bastante competitivas. E isso acontecia porque elas eram compostas principalmente por pequenas empresas, que estavam proibidas de comprar umas às outras. Elas eram obrigadas a competir inventando produtos, e não comprando pessoas que inventaram produtos. 

Se restaurássemos essas condições sob as quais a tecnologia precisava se manter ágil, continuar a ser dinâmica e não podia formar esses laços de solidariedade que lhes permitiram dominar os reguladores, é plausível supor que voltaríamos a ter a tecnologia que tínhamos antes. 

Fast Company – Concordo com você que precisamos de novas regulamentações. Mas pode ser difícil fazer com que as pessoas se interessem por esse debate. Como podemos engajá-las?

Cory Doctorow De modo geral, só nos preocupamos com essas coisas quando já é tarde demais. A questão dos gases de efeito estufa só deixa de ser algo abstrato quando sua casa está pegando fogo, mas o ideal seria que nos preocupássemos com isso muito antes.

Descobrir como fazer com que as pessoas entendam esse assunto antes que seja tarde demais é realmente complicado. Foi a isso que dediquei minha vida. 

Gosto de roubar a melhor ideia que meu pior inimigo já teve. Milton Friedman, o arquiteto da revolução neoliberal e o responsável por toda a nossa desgraça, afirmava que, em tempos de crise, as ideias podem passar da periferia para o centro em um piscar de olhos.

Nosso trabalho como ativistas é dispor de boas ideias espalhadas por aí, de modo que, quando a crise vier, o impossível possa se tornar inevitável. A boa e a má notícia é que aqui, no século 21 digital, estamos vivendo um grande excesso de crises. E, nesse mundo em crise, há muitas oportunidades para exigirmos algo melhor.


SOBRE O AUTOR

Wilfred Chan é jornalista em Nova York e escreve para o jornal The Guardian e a revista New York Magazine, entre outras publicações. saiba mais