Conflito no Oriente Médio mostra como o X perdeu espaço como fonte de notícias
Houve um tempo em que o Twitter era o lugar ao qual todos recorriam quando acontecia algo no mundo – mas agora é como se o atual conflito não existisse
Nos últimos 15 anos, o Twitter foi uma fonte confiável de informações e contexto durante eventos marcantes, como o bem-sucedido pouso de emergência do voo 1549 da US Airways no rio Hudson; a operação para capturar e matar Osama bin Laden; a identificação de Muammar Gaddafi; os ataques terroristas na boate Bataclan,em Paris; e a invasão russa à Ucrânia em 2014 – e novamente em 2022. Sempre havia algum especialista pronto para explicar o que estava acontecendo.
Mas, quando militantes do Hamas mataram centenas de israelenses em ataques aéreos e terrestres, e Israel respondeu matando centenas de palestinos, a plataforma – que, sob a liderança de Elon Musk, foi rebatizada de X –, nos primeiros dias ficou na mesma, como se nada tivesse acontecido. A menos que você seguisse as pessoas certas e ignorasse a aba “Para Você”, cujas publicações são recomendadas por algoritmos.
“Nos últimos 15 anos, para os jornalistas, o ponto forte do Twitter era a possibilidade de ouvir as pessoas diretamente envolvidas nos eventos”, diz Matt Walsh, diretor da Escola de Jornalismo, Mídia e Cultura da Universidade de Cardiff, no Reino Unido. “Isso tornou o processo de coleta de informações – encontrar e verificar fontes de notícias de última hora – muito mais simples.”
“Hoje, quando tento acompanhar algum conflito em curso no Twitter, não consigo encontrar informações”, afirma Helen De Cruz, professora de filosofia na Universidade de Saint Louis.
O próprio Musk contribuiu ativamente para a desinformação nas fases iniciais do conflito atual, incentivando os usuários a seguir contas que espalham fake news.
Ela atribui a culpa a Elon Musk, que assumiu o controle do Twitter há um ano. “Muitas vezes me perguntei quais [recursos] no novo X/ Twitter de Musk o levariam ao declínio”, diz a professora, sugerindo que a guerra entre Israel e o Hamas serviu como um grande alerta para aqueles que não perceberam o quanto a plataforma havia perdido sua utilidade.
O antigo sistema de verificação que o Twitter costumava usar para identificar pessoas notáveis – como jornalistas verificados – foi destruído com a implementação da opção de pagamento no início da administração Musk, tornando mais difícil encontrar fontes de notícias confiáveis.
“Agora, você praticamente precisa usar a lógica reversa”, relata De Cruz. “Se vejo um selo azul, imediatamente penso que não vale a pena ouvir a fonte e preciso de alguma evidência que me convença do contrário.”
MUDANÇAS TIVERAM EFEITO REVERSO
O próprio Musk contribuiu ativamente para a desinformação nas fases iniciais do conflito atual, incentivando os usuários a seguir duas contas conhecidas por espalhar fake news, sendo pelo menos uma delas abertamente antissemita.
Para Walsh, o antigo sistema de verificação oferecia benefícios reais para o usuário médio. “Isso acontecia porque o algoritmo promovia o trabalho de jornalistas interessados em produzir notícias confiáveis”, explica.
“Quando destacavam contas úteis, os usuários podiam seguir as fontes primárias por si mesmos. Não era um sistema perfeito, mas os benefícios superavam as desvantagens”, analisa. Mas as mudanças implementadas pelo bilionário alteraram para pior o significado de “verificado”.
“Apesar da intenção declarada de Musk de promover o jornalismo cidadão, a guerra no Oriente Médio mostrou a fragilidade de sua abordagem”, acrescenta Walsh. “Contas com selos azuis agora são incentivadas a produzir desinformação e propaganda para maximizar o engajamento e, assim, aumentar a monetização.”
Além disso, a remoção das manchetes de links externos – supostamente para evitar que as pessoas saiam da plataforma e acessem outros sites – agravou ainda mais o problema. “Remover as manchetes tornará a plataforma menos útil para muitas pessoas”, observa De Cruz.
o antigo sistema de verificação oferecia benefícios reais para os usuários porque o algoritmo promovia o trabalho de jornalistas interessados em produzir notícias confiáveis.
Vários pesquisadores acreditam que o Twitter se mostrou inadequado para a tarefa. “Era apenas uma questão de tempo até que a plataforma enfrentasse um evento de importância global. Previsivelmente, ela falhou em quase todas as medidas em termos de atuar como uma fonte confiável de notícias de última hora”, afirma Steven Buckley, professor de mídia e comunicações na City University of London.
“Contas verificadas e sem expertise promovidas pelo algoritmo transformaram a plataforma em um esgoto de desinformação e informações enganosas”, lamentou. O X/ Twitter não respondeu quando procurado.
Embora Musk queira manter as pessoas na plataforma e evitar que os usuários busquem a mídia tradicional (que ele repetidamente sugere não ser confiável) para se informar, alguns consideram que as mudanças implementadas tiveram o efeito oposto. “Tive que recorrer à CNN, "The Guardian" e alguns outros veículos de notícias”, afirma De Cruz.