“Salinização”: mais um item na lista de problemas que ameaçam o planeta

Você deve conhecer o ciclo da água e o do carbono. Mas existe também o ciclo do sal, e os seres humanos estão causando um desequilíbrio nele

Créditos: Andrii Leonov/ NASA/ Unsplash

Talib Visram 4 minutos de leitura

Geralmente, pensamos no sal como o ingrediente que dá sabor às batatas fritas e à pipoca. Mas seu uso vai muito além disso. Ele é um componente essencial no tratamento de água e no degelo de estradas. Também está presente em uma variedade de produtos domésticos e industriais, desde cosméticos até fertilizantes. Globalmente, são produzidas 300 toneladas de sal por ano.

Mas essa quantidade é simplesmente demais para o meio ambiente suportar. Embora o sal esteja naturalmente presente na natureza, emergindo gradualmente de rochas oceânicas profundas, os seres humanos estão interferindo nesse equilíbrio.

Devido à nossa crescente demanda, estamos liberando uma quantidade excessiva de sal no ar, no solo e no mar, o que poderia se tornar uma “ameaça existencial”, como aponta um novo estudo. Esse delicado equilíbrio que existe há milênios é conhecido como ciclo natural do sal.

O sal se infiltra no lençol freático, tornando a água excessivamente salgada para consumo, especialmente para pessoas que precisam manter uma dieta com restrição de sódio.

O sal emerge naturalmente na superfície da Terra por meio de processos geológicos. À medida que as rochas se desgastam, liberam íons de sal no solo. Parte desses íons é absorvida por plantas e organismos, enquanto outra é levada para rios e, por fim, chega nos oceanos. Além disso, o sal também entra na atmosfera através da maresia.

Esse processo é importante, uma vez que tanto nós quanto as plantas e os animais dependemos do sal. Como explica Sujay Kaushal, professor de geologia da Universidade de Maryland, que liderou o estudo, “basicamente, somos um sistema elétrico controlado por sais”, desde os batimentos cardíacos até os sinais nervosos.

O solo necessita do sal para aglutinar suas partículas, enquanto as plantas precisam de pequenas quantidades para auxiliar no metabolismo e na síntese de clorofila. Mas o excesso de sal pode causar problemas.

AMEAÇA À SEGURANÇA ALIMENTAR

Com base em dados de diversas fontes – incluindo os anuários minerais do Serviço Geológico dos EUA e registros globais de medições de salinidade e composições de rios –, os pesquisadores descobriram que a atividade humana está afetando o ciclo natural do sal, acelerando seu aparecimento na superfície.

Isso ocorre devido à mineração para a produção de alimentos e outros produtos; ao despejo de resíduos de tratamento de água; à irrigação na agricultura; e à chuva ácida causada pela poluição, que aumenta a taxa de erosão das rochas. “Tudo isso acelera a geração de sal na superfície da Terra”, explica Kaushal.

Crédito: Jan Van Der Wolf/ Pexels

A concentração de sal no ambiente está atingindo níveis elevados e o solo e os organismos não conseguem absorver toda essa quantidade. Muitas espécies essenciais não conseguem sobreviver com o excesso de sal. Essas mortes alteram a biodiversidade e podem levar ao surgimento de espécies invasoras, como o caniço-de-água – plantas altas e densas que estão tomando conta de áreas costeiras.

Além disso, o zooplâncton, uma espécie oceânica crucial que regula as algas, é extremamente sensível a ele, e a diminuição de sua população pode desestabilizar as cadeias alimentares.

A salinização está transformando terras agrícolas em improdutivas e ameaçando a segurança alimentar. Relatórios anteriores indicaram que cerca de 833 hectares de terras já foram afetados – uma área equivalente a quatro vezes o tamanho da Índia. Acredita-se que metade de todas as terras agrícolas no Uzbequistão seja infértil devido ao excesso de sal.

UM PROBLEMA QUE TENDE A CRESCER

Além de tudo isso, a salinização é prejudicial à saúde humana. Ela se infiltra no lençol freático, tornando a água excessivamente salgada para consumo, especialmente para pessoas que precisam manter uma dieta com restrição de sódio.

E não é apenas o sal de cozinha, ou cloreto de sódio: outros sais à base de cálcio e magnésio também estão sendo liberados na produção de materiais de construção e fertilizantes. “É como um coquetel químico de diferentes sais de diferentes fontes”, descreve Kaushal. “Não sabemos quais serão os efeitos da mistura de íons.”

Embora seja um tema ambiental menos estudado em comparação a outros, a salinização provavelmente tem aumentado ao longo das últimas décadas. Kaushal descobriu que era um problema já há 20 anos, quando publicou um estudo anterior.

A concentração de sal no ambiente está atingindo níveis elevados e o solo e os organismos não conseguem absorver toda essa quantidade.

No entanto, ele afirma que, se o problema não for controlado, pode se tornar uma crise permanente – o que é a direção para a qual estamos caminhando, já que o mercado global de sal deve crescer 43% até 2030.

Kaushal espera que seu estudo aumente a conscientização sobre a crise, talvez incentivando novas políticas, da mesma forma que a conscientização sobre a chuva ácida resultou em políticas mais rigorosas para mitigar a poluição do ar. “Esperamos que as pessoas reconheçam o sal como um agente de mudanças globais”, diz ele.

Além disso, o pesquisador espera que uma maior conscientização leve ao desenvolvimento de novas formas de tratar a água e irrigar terras agrícolas. Ele observa que cerca de 44% do sal usado nos Estados Unidos destina-se ao degelo de estradas, cerca de 20 toneladas por ano – e as mudanças nos padrões climáticos podem aumentar a demanda.

Usar menos transporte individual (um objetivo mais amplo em termos de ação climática) pode ajudar a reduzir o uso do sal, assim como alternativas sustentáveis para o degelo, como o suco de beterraba, que algumas cidades já estão adotando.


SOBRE O AUTOR

Talib Visram escreve para a Fast Company e é apresentador do podcast World Changing Ideas. saiba mais