Quem define quais doenças são prioridade para a pesquisa de novos remédios

Os futuros lucros desempenham um papel significativo na hora da escolha

Créditos: Maksim Tkachenko/ sanjeri

C. Michael White 4 minutos de leitura

Remédios e vacinas revolucionaram a saúde, reduzindo drasticamente o número de mortes por doenças e melhorando a qualidade de vida. Mas como pesquisadores, universidades, hospitais e a indústria farmacêutica decidem para quais doenças desenvolver medicamentos?

No meu trabalho na Escola de Farmácia da Universidade de Connecticut, avalio a eficácia e a segurança de diferentes opções de tratamento para ajudar médicos e pacientes a tomar decisões informadas. Vários fatores influenciam a escolha das áreas nas quais pesquisadores e empresas farmacêuticas concentram seus esforços na descoberta de medicamentos.

O financiamento acelera o ritmo das descobertas científicas necessárias para criar novos tratamentos. Os principais financiadores de pesquisa, como os institutos nacionais de saúde, a indústria farmacêutica e fundações privadas, foram os responsáveis por patrocinar estudos sobre condições comuns, como doenças cardíacas, diabetes e distúrbios mentais.

Uma terapia inovadora ajuda milhões de pessoas, e uma pequena margem de lucro por dose gera ganhos substanciais. Assim, pesquisas sobre doenças raras deixaram de ser financiadas adequadamente por décadas, porque ajudariam menos pessoas e os custos de cada dose teriam que ser muito altos para gerar lucro.

O financiamento acelera o ritmo das descobertas científicas necessárias para criar novos tratamentos.

Questões sociais emergentes ou oportunidades também podem afetar o financiamento disponível para o desenvolvimento de medicamentos para certas doenças. Durante a pandemia de Covid-19, o financiamento da operação Warp Speed levou ao desenvolvimento de vacinas em tempo recorde.

Além disso, campanhas de conscientização, como o desafio do balde de gelo, podem ajudar a levantar dinheiro para pesquisas. Esta campanha viral nas redes sociais arrecadou quase US$ 90 milhões em financiamento de 2014 a 2018, o que levou à descoberta de cinco genes ligados à esclerose lateral amiotrófica e novos testes clínicos.

COMO ABORDAR O DESENVOLVIMENTO DE REMÉDIOS

Avaliar possíveis tratamentos e desenvolver medicamentos para testes em humanos pode levar muitos anos. Após identificar um alvo biológico potencial, os cientistas usam triagem de alto desempenho para avaliar centenas de compostos químicos. Em seguida, modificam os mais promissores para aumentar seus efeitos ou reduzir sua toxicidade.

Quando esses compostos apresentam resultados fracos em laboratório, as empresas geralmente interrompem o desenvolvimento caso a receita potencial da nova droga seja menor do que o custo estimado para melhorar os tratamentos.

As empresas podem cobrar mais por remédios que reduzem drasticamente mortes ou deficiências do que por aqueles que apenas aliviam sintomas. E os pesquisadores são mais propensos a continuar trabalhando em medicamentos com maior potencial para ajudar os pacientes.

O desenvolvimento de medicamentos é orientado pelas prioridades de seus financiadores, sejam eles governos, fundações ou a indústria farmacêutica.

Para obter aprovação da FDA (agência do governo norte-americano que regulamenta alimentos e remédios), as empresas precisam mostrar que o medicamento traz mais benefícios do que malefícios.

Às vezes, os pesquisadores conhecem bem uma doença, mas a tecnologia disponível é insuficiente para produzir um medicamento.

Por exemplo, sabia-se que a anemia falciforme resultava de um gene defeituoso que faz com que as células da medula óssea produzam glóbulos vermelhos com má formação, causando dor intensa e coágulos sanguíneos. Mas não havia uma maneira de corrigir o problema ou contorná-lo com os métodos existentes.

No entanto, no início dos anos 1990, descobriu-se que as células bacterianas possuem um mecanismo para identificar e editar DNA. Usando isso como modelo, pesquisadores desenvolveram uma tecnologia chamada CRISPR para identificar e editar sequências genéticas no DNA humano.

Crédito: Deposiphotos

Essa tecnologia avançou a ponto de os cientistas conseguirem localizar com sucesso o gene defeituoso em pacientes com anemia falciforme e editá-lo para produzir glóbulos vermelhos que funcionam normalmente.

A anemia falciforme foi um dos focos principais desta tecnologia porque é causada por um único problema genético. Além disso, era uma doença interessante na qual investir, pois afeta 100 mil pessoas nos EUA e é cara para a sociedade, causando muitas hospitalizações e dias perdidos de trabalho.

O FUTURO DA PESQUISA FARMACÊUTICA

O desenvolvimento de medicamentos é orientado pelas prioridades de seus financiadores – sejam eles governos, fundações ou a indústria farmacêutica. Com base no mercado, as empresas e os pesquisadores tendem a estudar doenças altamente prevalentes com consequências sociais devastadoras, como o Alzheimer e o transtorno por uso de opioides.

As empresas podem cobrar mais por remédios que reduzem mortes ou deficiências.

Mas o trabalho de grupos de defesa e fundações pode aumentar o financiamento de pesquisa para outras doenças e condições específicas. Políticas como a Lei de Medicamentos Órfãos (que concede, entre outras coisas, exclusividade de mercado para novos remédios contra doenças raras) também criam incentivos para a descoberta de tratamentos para doenças pouco comuns.

No entanto, em 2021, 51% dos gastos com pesquisa de medicamentos nos Estados Unidos foram destinados a apenas 2% da população.

Como encontrar um equilíbrio entre fornecer incentivos para o desenvolvimento de terapias milagrosas para algumas pessoas em detrimento de muitos é uma questão com a qual pesquisadores e formuladores de políticas públicas ainda estão lidando.


SOBRE O AUTOR

C. Michael White é professor de prática farmacêutica na Universidade de Connecticut. saiba mais