Verão no Rio: entre sal, sol, turismo e segregações
“Rio 40 graus, cidade maravilha purgatório da beleza e do caos.” Em 1992, Fernanda Abreu cantava uma das músicas que passou a povoar o imaginário carioca e nacional quando se fala em Rio de Janeiro.
Porém, parece que o que mais marcou a lembrança popular foram as altas temperaturas de verões intensos e gostosos. Talvez pelo fato de o purgatório e o caos não serem distribuídos de maneira igualitária, numa cidade tão potente quanto partida.
Anos antes, outra produção audiovisual marcante foi disponibilizada ao público. Era a reportagem “Os pobres vão à praia”, episódio que foi ao ar pelo "Documento Especial", da Rede Manchete.
O programa abordava temas de interesse público (e questões polêmicas também) com vieses de jornalismo e, por vezes, sensacionalismo. No capítulo “Os pobres vão à praia”, mostrava a trajetória de pessoas empobrecidas e de bairros considerados periféricos até a praia. Expunha também as dificuldades no que diz respeito ao transporte público e superlotação.
Mas, para além disso, mostrava as opiniões de moradores da zona sul do Rio de Janeiro, com relação ao compartilhamento das areias e águas salgadas cariocas com moradores de outras regiões. Um depoimento ganhou notoriedade quando, em 2015, o episódio foi republicado na internet e redes sociais.
Uma jovem dizia: “é sujeira você pegar uma pessoa que mora em Ipanema, uma pessoa bem-vestida, legal, que tem educação e colocá-la na praia no meio de um monte de gente que não tem educação, que vá dizer grosseria, que vai comer farofa com galinha. Vai matar as pessoas de nojo.”
A jovem era Angela Moss que, quase 30 anos depois, foi a público reconhecer o caráter elitista de sua fala e salientar que não comungava mais desta visão de mundo e da sociedade.
Porém, tanto Rio 40° quanto “Os pobres vão à praia” refletem os dilemas de uma cidade que é cartão postal do Brasil e que arrecadou cerca de R$ 124 milhões (segundo a Secretaria Municipal de Turismo) provenientes do setor de turismo, entre janeiro e junho de 2023.
não se faz turismo no Rio de Janeiro sem a população que comumente tem sido excluída dos pontos turísticos.
E que, ao mesmo tempo, se vê debatendo novamente o acesso às praias entre 2023 e 2024 a partir da Operação Verão, que surgiu com o objetivo de coibir a violência no entorno das praias do Rio de Janeiro mas que, na verdade, mascara a segregação social, espacial e racial que assola a cidade desde sua fundação.
Para além das belezas naturais como praias, cachoeiras e vegetação, o que torna o Rio de Janeiro tão frutífero para o ramo do turismo é o seu povo. Sua história, forjada em movimentos políticos “oficiais”, como o fato de ter sido capital do Brasil entre 1763 e 1960. Mas também em movimentos políticos não considerados oficiais, como os dos capoeiras, quitandeiras e sambistas que sustentaram as insurreições culturais numa cidade febril.
O fato é que não se faz turismo no Rio de Janeiro sem a população que comumente tem sido excluída dos pontos turísticos.
Não há visitação no Cristo Redentor sem os agentes de limpeza que, em sua maioria, vêm de regiões periferizadas. Não há praia de Ipanema, Copacabana ou qualquer outra sem as centenas de vendedores, barraqueiros, garis e demais profissionais que fazem as praias cariocas serem bem mais do que sal e sol.
O que ocorre é que esses corpos costumam ser bem quistos nestes espaços apenas para servir. E não para usufruir do turismo, lazer, entretenimento e descanso que a localidade costuma proporcionar para outros perfis de consumidores e visitantes.
A expectativa do mercado turístico é que os números relativos à arrecadação do setor continuem em ascensão, já que em 2022 o ramo atingiu a marca de R$ 176 milhões gerados.
Em contrapartida, a expectativa dos movimentos sociais, movimentos negros e indivíduos que não costumam se ver nos cartões postais, é que quem acende e apaga as luzes desta cidade também passe a ser convidado a sentar à mesa na hora do banquete.