A descoberta do hidrogênio subterrâneo vai nos livrar dos combustíveis fósseis?

Ainda não está claro se o hidrogênio subterrâneo é uma solução de baixo carbono ou uma distração climática

réditos: Peter Schreiber Media/ alexey_ds/ iStock

David Waltham 4 minutos de leitura

O hidrogênio tem tudo para desempenhar um papel fundamental no processo de nos livrarmos dos combustíveis fósseis. Ele pode ser utilizado para abastecer trens, aviões e veículos pesados, além de ser uma alternativa de baixo carbono ao carvão e uma opção para o aquecimento de residências.

As últimas pesquisas geológicas indicam que é perfeitamente possível encontrar suprimentos baratos e abundantes de hidrogênio natural bem debaixo dos nossos pés – embora ainda haja um longo caminho a percorrer antes de conseguirmos avaliar o quanto essas "minas de ouro" de hidrogênio serão úteis.

As diferentes maneiras de obter hidrogênio seguem um esquema de nomenclatura informal, baseada em cores. Atualmente, a maioria dos nossos suprimentos é de hidrogênio "cinza", produzido a partir do gás natural. O hidrogênio cinza não contribui em nada para reduzir o impacto climático dos combustíveis fósseis, porque produz dióxido de carbono como um produto residual que é jogado na atmosfera.

No entanto, quando esses resíduos são capturados e enterrados, o que é conhecido como “hidrogênio azul”, já é um grande avanço. No curto prazo, isso vai permitir um crescimento rápido da produção de hidrogênio, além de ser relativamente favorável ao clima.

No futuro, usaremos o excesso de eletricidade de parques solares e eólicos para realizar a eletrólise – a decomposição elétrica da água em hidrogênio e oxigênio, dos quais ela é composta.

Crédito: Dreamstime

Atualmente, esse hidrogênio conhecido como "verde" é mais caro do que o azul e ainda não é amplamente explorado. Mas isso está mudando rapidamente à medida que os governos de todo o mundo buscam maneiras de incentivar o seu uso.

Agora, surgiu uma nova cor de hidrogênio: o dourado (também conhecido como hidrogênio branco). O hidrogênio dourado é um gás de ocorrência natural que fica preso em bolsões sob o solo – da mesma forma que o petróleo e o gás natural. 

A questão é: será que algum desses depósitos (que vêm sendo encontrados em todo o mundo) será grande o suficiente para compensar o custo das perfurações, dos oleodutos e de outros recursos necessários para extrair o hidrogênio?

O HIDROGÊNIO DA NATUREZA

Os geólogos já sabem há muito tempo que o hidrogênio é produzido no subsolo pela reação química de rochas ricas em ferro com a água, ou quando a água se decompõe pela exposição a minerais radioativos.

Porém, como as moléculas de hidrogênio são pequenas e leves, elas atravessam facilmente as rochas e escapam para a atmosfera. Por isso, presumia-se que os depósitos subterrâneos naturais do gás fossem pequenos e raros. Assim, não se faziam muitas tentativas de encontrá-los.

Fonte: David Waltham

Agora, porém, os geólogos estão começando essa investigação, e grandes quantidades de hidrogênio natural estão aparecendo em todos os lugares. Em outubro de 2023, pesquisadores do Centro Nacional de Pesquisa Científica da França descobriram um reservatório particularmente grande de hidrogênio natural na bacia de carvão de Lorraine, no nordeste do país. 

O reservatório pode conter 250 milhões de toneladas de hidrogênio subterrâneo. Reservatórios menores foram encontrados na Espanha e por toda a Europa, bem como no Mali, na Namíbia, no Brasil, nos EUA e em muitos outros países. 

PRÓS E CONTRAS

Ainda há muito a aprender antes de ser possível determinar se o "hidrogênio dourado" realmente pode ter um impacto significativo na transição para o abandono dos combustíveis fósseis.

Os geólogos precisam entender melhor como e onde o gás hidrogênio se forma, como ele migra para os locais onde fica preso e quanto tempo permanece lá antes de vazar ou de ser consumido por microrganismos.

Mas há benefícios claros na exploração dessa fonte de energia de baixo custo e baixo impacto. A ciência e a tecnologia necessárias são semelhantes àquelas já utilizadas pelas empresas de petróleo e gás, o que permite a redistribuição de empregos, recursos e conhecimentos.

Isso ajudaria a lançar a "economia do hidrogênio" como parte de uma estratégia para deter as mudanças climáticas. Isso será válido ainda que os depósitos sejam limitados e, portanto, apenas um paliativo enquanto desenvolvemos capacidade suficiente de gerar eletricidade renovável para tornar o hidrogênio verde mais viável.

Mas também há desvantagens. A exploração de depósitos naturais de hidrogênio poderia ser usada como desculpa para não se cumprir a meta de reduzir imediatamente as emissões de gases de efeito estufa. Já vimos algo parecido acontecer com a captura e o armazenamento de carbono. 

será que algum desses depósitos será grande o suficiente para compensar o custo para extrair o hidrogênio?

Outro problema é que a exploração do hidrogênio pode, acidentalmente, levar a novas descobertas de combustível fóssil. Afinal, é muito difícil dizer se uma possível "armadilha" subterrânea contém petróleo, gás natural, hidrogênio ou apenas água salgada. Se um possível campo de hidrogênio acabar contendo petróleo bruto, como vamos garantir que ele não será extraído?

A grande questão, porém, é a seriedade com que devemos encarar o "hidrogênio dourado". Será que ele é uma mera distração superestimada, mas de aplicação muito limitada? Ou será que ele vai nos proporcionar um caminho mais fácil para um futuro com baixo teor de carbono?

A verdade, provavelmente, está em um meio termo entre esses dois extremos.

Este artigo foi republicado do The Conversation sob uma licença Creative Commons. Leia o artigo original.


SOBRE O AUTOR

David Waltham é professor de geofisica na Royal Holloway University of London. saiba mais