Efeito Hello Kitty: de onde vem o conceito de “fofura”, afinal?
A gatinha mais famosa do mundo transformou a cultura kawaii em um fenômeno global, mas a fofura é um movimento milenar
Teriam os gatos sido sempre assim tão fofos?
Uma nova exposição na Somerset House, em Londres, tenta responder esse mistério desvendando a ascensão e permanência da fofura na cultura contemporânea.
Intitulada simplesmente intitulada "Cute" (fofo em inglês), a exposição exibe centenas de pelúcias, furbies, robôs-babás, cartas de Pokémon, filhotes de robô, Tamagotchis, casinhas de boneca, estatuetas kawaii e, claro, uma coleção de gatos. O ponto alto é uma instalação da Hello Kitty, para marcar o 50º aniversário da marca.
Nas últimas cinco décadas, a Hello Kitty, produzida pela empresa japonesa Sanrio, passou de uma imagem em uma bolsa para um império de US$ 89 bilhões, com uma lista imensa de celebridades entre seus seguidores e até um evento dedicado a ela, realizado em Los Angeles.
A personagem icônica – que parece um gato, mas não é – já apareceu em todos os acessórios imagináveis, de anéis cravejados de cristais Swarovski a malas e lentes de contato.
Segundo a curadora da mostra de Londres, Claire Catterall, que desenvolveu a exposição, a Hello Kitty é "a principal embaixadora da fofura", mas a fofura teria se espalhado mesmo sem ela.
O conceito de "fofo" antecede a Hello Kitty em pelo menos uns mil anos. Uma das primeiras descrições remonta ao Japão do século 11, quando a escritora e dama da corte Sei Shōnagon escreveu uma coleção de ensaios sobre os tipos de pequenos e encantadores detalhes que a cultura kawaii eventualmente promoveria.
Claro, levaria centenas de anos para o culto da fofura se tornar mainstream. Para Catterall, o movimento começou no século 19, com o advento das técnicas de produção em massa, que permitiram a reprodução rápida e barata de imagens.
Ao mesmo tempo, duas coisas aconteceram: por um lado, muitos bichos deixaram de ser "animais de trabalho" e se tornaram animais de estimação; por outro, as taxas de mortalidade infantil começaram a diminuir. De repente, tanto gatos quanto bebês, que não eram vistos como particularmente encantadores antes, tornaram-se o auge da fofura.
Avance 200 anos e a internet impulsionou a fofura a um patamar estratosférico, cheio de emojis fofos, memes fofos e filtros fofos no TikTok. Hoje, a "cultura fofa" tornou-se um fenômeno global, mas ainda carece de uma estética global.
"Em um nível muito básico, diferentes culturas acham diferentes animais fofos", explica Catterall. "No Reino Unido, a fofura é considerada muito infantil; no Japão, não é, e muitas pessoas integram a fofura a suas vidas."
Sem dúvida, existem os clichês: quando alguma coisa entra nessa categoria, geralmente é fofa, de olhos grandes, peluda e muito parecida com a mascote da exposição, vestida com arco-íris.
Vários estudos relacionam a atração por bebês ou bichos com olhos grandes e bochechas rechonchudas a um desejo inato de protegê-los.
Mas o espectro da fofura é muito mais amplo. Um animal fofo pode ser triste (como Ió, o burrinho da turma do ursinho Pooh); pode ser feio (como E.T.); pode até ser violento (como o anime Gloomy Bear).
Às vezes, a fofura é usada para evocar paz, como os cones de trânsito Hello Kitty usados para fazer com que os carros diminuam a velocidade próximo a obras em estradas, no Japão.
Outras vezes, pode ser usada para disfarçar uma mensagem decididamente não fofa, como os brinquedos de pelúcia em forma de pílula que a Purdue Pharma usou como isca na promoção do OxyContin – um analgésico opioide que vem causando uma epidemia de overdose de drogas nos EUA.
A fofura e o consumismo estão tão intimamente relacionados, diz Catterall, que marcas já foram flagradas criando pelúcias que parecem tristes para que as pessoas as comprem para lhes dar carinho.
Mas, para Catterall, o verdadeiro poder da fofura é que ela não é nem positiva, nem negativa. É um conceito onde cabem o bem e o mal e, portanto, pode quebrar essa dualidade bom/ ruim.
"A maioria das pessoas acha que a fofura é apenas uma estética de consumo. Espero que a exposição mostre que ela é algo incrivelmente ambíguo e estranho, e que também pode ser poderosa e libertadora.”