Por que limpar a pegada de carbono da criptografia é importante
A tecnologia blockchain está chegando com tudo, mas há alguns obstáculos em seu caminho. Um deles é seu enorme impacto sobre o clima. Basta observarmos a mineração de criptomoedas. Os sistemas de pagamento por meio desses ativos financeiros digitais costumam ser o referencial mais amplamente utilizado para determinar como são feitos os registros na base de dados blockchain. Contudo, já se sabe que as criptomoedas estão contribuindo cada vez mais significativamente para intensificação do efeito estufa.
À medida que essa indústria cresce, o congresso norte-americano vem finalmente discutindo sua regulamentação. Em dezembro do ano passado, o Capitólio realizou sua primeira sessão sobre o assunto. E no último dia 20 de janeiro uma audiência no Comitê de Energia e Comércio da Câmara, intitulada Cleaning Up Cryptocurrency: The Energy Impacts of Blockchains (Limpando a Criptomoeda: Os impactos Energéticos da Blockchain, em português), reuniu executivos de mineração e dados, um professor de tecnologia e um ex-funcionário do Tesouro para debater a questão de todos os lados.
No centro do debate, pairam duas perguntas: por que a criptomoeda consome tanto carbono e como podemos diminuir esse seu apetite?
A seguir, contextualizaremos essas questões.
O PROBLEMA
Há muita conversa girando em torno das “provas de trabalho”, que se referem ao mecanismo de consenso para muitos blockchains, incluindo aqueles usados nos principais tokens de criptografia, Bitcoin e Ethereum. A prova de trabalho funciona quando os mineradores de criptomoedas – ou qualquer pessoa com um supercomputador – correm para resolver quebra-cabeças matemáticos complexos, que exigem grandes reservas de poder de processamento. Esse processo de passar alguns dados através de uma fórmula a fim de produzir um resultado chama-se hashing, e os quebra-cabeças que esses computadores estão resolvendo codificam o próximo “bloco” do blockchain – ou seja, um conjunto de transações verificadas que serão inscritas no livro digital.
Essa é uma informação muito valiosa, pois o livro-razão controla a quantidade de criptomoedas que entra na carteira digital de cada titular. Mas o cerne das finanças descentralizadas é que não há nenhuma entidade toda poderosa supervisionando essas transações, como uma câmara de compensação corporativa. Em vez disso, esse poder está nas mãos do público, que coletivamente mantém o registro do blockchain por meio de software de código aberto. A integridade desse sistema depende de um consenso em massa de 51% ou mais da rede – quanto mais pessoas fizerem hash, melhor. O incentivo, por sua vez, é financeiro: o primeiro a produzir um bloco correto e endossado por consenso é recompensado com um grande pagamento em criptomoedas. No início deste mês, o prêmio para os mineradores de Bitcoin vencedores equivalia a aproximadamente US$ 270.000, distribuídos a cada 10 minutos.
Com tanto dinheiro em jogo, a criptomoeda está sobrecarregando os mineradores – o que também significa a necessidade de mais supercomputadores funcionando a todo vapor. Uma estimativa coloca as emissões totais de carbono da mineração de Bitcoin e Ethereum em 2021 em 78,8 milhões de toneladas, o equivalente à fumaça de escapamento de 15,5 milhões de carros na estrada.
Há também o problema do lixo eletrônico: como essa corrida entre mineradores exige ferramentas mais rápidas e poderosas, eles estão substituindo e destruindo seus equipamentos antigos, o que gera cerca de 30.700 toneladas por ano de lixo digital.
AS SOLUÇÕES POSSÍVEIS
Prova de participação: outro mecanismo de consenso, chamado de “prova de participação”, autentica o blockchain deixando uma pegada de energia muito menor. Usado por rivais do Bitcoin, como Cardano, Solana e o nascente Ethereum 2.0, a “prova de participação” também envolve uma rede de pessoas competindo para cunhar o próximo bloco de transações. Chamados de validadores, eles competem “apostando” sua própria criptomoeda em troca dos direitos. A seleção de vencedores é algorítmica e pseudoaleatória, mas tem a ver com quem colocou mais moedas por mais tempo. Outros validadores verificam, então, os blocos dos vencedores – e se corresponderem ao consenso de 51% da rede, eles recebem os pagamentos; se não o fizerem, suas apostas são cortadas como punição.
Sem a obscura solução de quebra-cabeças, a prova de participação é mais rápida e consome menos energia do que a prova de trabalho. No entanto, isso não significa que encontramos uma alternativa fácil.
Ao contrário do espírito das finanças descentralizadas (DeFi), a “prova de participação” tende à centralização em que, teoricamente, uma entidade – ou pessoa – repleta de criptomoedas poderia moldar o blockchain sozinho. Os defensores da prova de trabalho, por outro lado, afirmam que ela é o único mecanismo de verificação de blockchain testado em batalha: só em Bitcoin, ela garantiu mais de US$ 1 trilhão em ativos. Ironicamente, sua natureza de consumo de energia é fundamental: o incrível poder de computação necessário impede que os invasores monopolizem a rede de hash e verifiquem blocos inválidos.
ENERGIA MAIS VERDE
A demanda insana de energia das provas de trabalho pode ser perversamente benéfica – ao menos é isso o que argumentaram executivos de empresas relacionadas à mineração de criptomoedas no Congresso. Eles defendem que a mineração exigiria o cultivo de recursos sustentáveis como energia solar, hidrelétrica e eólica. Um deles, inclusive, argumentou que a mineração poderia oferecer um consumo básico para geradores de energia renovável que, de outra forma, não seriam capazes de vender na capacidade de produção, e mencionou que na Califórnia, em 2020, a produção de painéis solares excedeu a demanda o suficiente para alimentar 1 milhão de watts por 171 anos. A mineração também poderia aproveitar os subprodutos de energia que atualmente são desperdiçados, como as chamas de gás do petróleo de perfuração, que algumas sondas já estão explorando. Além disso, a atividade de mineração nos Estados Unidos já se agrupou em regiões com energias renováveis de baixo custo, como o Texas, onde as turbinas eólicas são abundantes, e o estado de Washington, com sua ampla energia hidrelétrica.
É claro que a questão é muito mais profunda e confusa do que isso. E, naturalmente, a audiência no Congresso mal arranhou a superfície dela.
Mesmo assim, esses debates são um bom sinal de que a criptomoeda está seguindo o caminho para as regulamentações e reformas necessárias.