Justiça dos EUA decide se redes sociais são obrigadas a moderar conteúdo
Com as eleições presidenciais se aproximando nos EUA, decisão da Suprema Corte do país terá grandes implicações nos discursos online
As autoridades do governo norte-americano estão subindo o tom contra as big techs. O presidente Joe Biden acusou publicamente o Facebook de “matar pessoas” ao permitir a disseminação de desinformação sobre vacinas, enquanto membros de sua administração têm pressionado as plataformas para remover postagens questionáveis “o mais rápido possível”.
Durante o governo Trump, o então presidente criticou repetidamente as gigantes da tecnologia por supostamente censurar conservadores e chegou a ameaçar processá-las por parcialidade – uma ameaça que se concretizou após ele deixar o cargo.
Juristas chamam esse tipo de pressão – que muitas vezes se sobrepõe à legislação – de “persuasão moral”. Mas quando essa pressão deixa de ser um simples apelo populista e passa a ser uma tentativa inconstitucional do governo de cercear a liberdade de expressão?
Nesta segunda-feira, a Suprema Corte do país vai analisar um caso que aborda essa questão diretamente. O caso “Murthy v. Missouri” surgiu de uma ação movida pelos procuradores-gerais dos estados de Missouri e Louisiana, juntamente com um grupo de usuários de redes sociais.
A pressão governamental sempre foi um problema para as empresas de tecnologia.
Os autores alegam que autoridades censuraram seus discursos sobre vacinas contra a Covid-19, uso de máscaras, fraudes na eleição de 2020 e uma série de outros assuntos, pressionando as plataformas a remover suas postagens.
A decisão do tribunal terá “amplas implicações para o discurso público online”, conforme analisa Jennifer Jones, advogada do Instituto Knight da Primeira Emenda, da Universidade de Columbia. “Ela determinará onde deve ser traçada a linha entre persuasão e coerção”.
A questão central do caso não é se a administração Biden violou os direitos de liberdade de expressão das empresas de tecnologia ao moderar o conteúdo. Trata-se de saber se o governo efetivamente as transformou em agentes de censura, orientando-as a remover conteúdo específico e as ameaçando caso não o fizessem.
LEGITIMIDADE DA PRESSÃO GOVERNAMENTAL
A administração Biden argumenta que os funcionários do governo devem ser livres para “informar, persuadir e criticar” e que, ao fazer isso, estão apenas fornecendo informações às empresas privadas. O fato de as donas das plataformas às vezes concordarem com essas solicitações não as torna agentes do Estado, segundo a Casa Branca.
“Do contrário, toda campanha de conscientização pública bem-sucedida ou uso do púlpito presidencial criaria uma ação estatal”, escreveu em nota.
Por outro lado, os advogados de Missouri, Louisiana e dos usuários de redes sociais defendem que esse argumento “subverte a Primeira Emenda” da Constituição dos EUA (que garante a liberdade de expressão) e afirmam que, embora o governo tenha o direito de se expressar livremente, “não pode pressionar e coagir empresas privadas a censurar cidadãos comuns”.
A decisão do tribunal terá amplas implicações para o discurso público online e vai determinar onde deve ser traçada a linha entre persuasão e coerção.
Para a indústria, as possíveis consequências do caso são enormes. A pressão governamental sempre foi um problema para as empresas de tecnologia, que muitas vezes se veem obrigadas a tomar decisões sobre conteúdo que não fariam de outra forma. Mas, até agora, elas tiveram liberdade para fazê-lo.
Afinal, apenas o governo tem o poder de violar a liberdade de expressão dos cidadãos. Mas, se a Suprema Corte determinar que as decisões de conteúdo das plataformas podem, às vezes, ser consideradas uma ação do Estado, como alegam os autores, isso imporia uma quantidade insustentável de responsabilidade a essas empresas privadas.
Como diversos grupos da indústria de tecnologia argumentaram em um documento enviado ao tribunal, essa lógica faria com que as plataformas fossem “atingidas de ambos os lados” – pressionadas pelas agências governamentais e depois processadas por sua conformidade.
“Tal regra desviaria o foco dos funcionários do governo cujas ações poderiam ter violado a Primeira Emenda, que é onde o foco deveria estar”, diz o documento.
PERSUASÃO VERSUS COERÇÃO
Estabelecer uma distinção entre persuasão e coerção será fundamental para o caso, de acordo com Jones. No entanto, apesar de algumas decisões recentes de tribunais inferiores, a Suprema Corte ainda não definiu claramente o que constitui coerção, deixando uma vasta área cinzenta aberta para interpretação.
A verdade é que, embora os estados autores da ação tenham tentado enquadrar os esforços do governo para influenciar o discurso online como um ataque contra conservadores, ambos os lados são culpados de pressão moral.
Os autores da ação alegam que autoridades do governo censuraram seus discursos, pressionando as plataformas a remover suas postagens.
Assim como os democratas têm pressionado as plataformas para remover discurso de ódio e desinformação, os republicanos têm pressionado o Facebook para remover páginas que incitam violência contra legisladores republicanos e para acabar com a verificação de fatos em postagens antiaborto.
As constantes queixas dos conservadores sobre a suposta censura tecnológica são, por si só, uma forma de pressão moral: tentar forçar empresas privadas a publicar discursos que, de outra forma, elas suprimiriam.
Em um ambiente onde praticamente todas as decisões das plataformas se tornam altamente politizadas, legisladores de ambos os lados do espectro político se acostumaram a fazer ameaças diretas – embora frequentemente vazias – às gigantes da tecnologia. Agora, a Suprema Corte decidirá até que ponto podem chegar essas ameaças.