Festival Feira Preta: um case de negócio social brasileiro
Tudo começou com um sonho que se transformou em case e grande potência da economia criativa. Em minha caminhada, sempre escuto que minha história serve de inspiração para quem está começando a empreender.
Recebo com muita alegria esses comentários, além de entendê-los também como elogio. E gosto de lembrar que também a minha jornada começou influenciada pelo impacto de importantes referências na minha vida, sobretudo mulheres.
Em 2002, em um momento difícil tanto profissional quanto pessoal, enquanto tentava reintegrar-me ao mercado após alguns meses de desemprego, decidi experimentar um setor completamente novo: uma feira de rua. O que surgiu como uma necessidade urgente e imediata se transformou em um negócio promissor.
Aqui, aproveito para ressaltar a importância da rede de apoio que tive. Na época, associei-me a uma amiga que era do ramo do cinema e, juntas, decidimos organizar feiras e mercados alternativos de rua. Enquanto ela vendia pastéis, eu comecei vendendo minhas próprias roupas, criando assim o Brechó da Troca.
Comecei a trocar peças com outras mulheres para expandir meu acervo, que se diferenciava em tamanhos. O sistema de troca era simples e o Brechó da Troca circulava por feiras e mercados alternativos de rua com uma estrutura básica de araras e mesas de suporte para a venda de acessórios.
No entanto, durante uma dessas feiras, enfrentamos um arrastão e perdemos parte de nossa mercadoria. Foi nesse momento que decidimos criar nossa própria feira, com nossa identidade, a identidade negra.
A Vila Madalena, um bairro artístico e boêmio em São Paulo, foi o local escolhido, pois concentrava casas noturnas de black music e tinha uma forte influência da cultura negra e norte-americana. Ali, encontramos a oportunidade de empreender em algo que refletisse nossa cultura e história.
A partir daí, nossa estratégia era trabalhar em dois segmentos: primeiro, atuar em todas as expressões artísticas, valorizando e disseminando a cultura; segundo, promover o empreendedorismo, reunindo em um único espaço empreendedores que se identificassem com uma estética negra, oferecendo roupas, acessórios, maquiagens, objetos de decoração, livros e obras de arte.
Começamos a mapear e coletar informações sobre expositores que seguissem essa linguagem estética e os convidamos a participar da Feira Preta. Na primeira edição, cerca de 40 expositores ofereceram produtos voltados para esse conceito.
Vou falar de novo: a Feira Preta ocupava uma praça de pequeno porte na Vila Madalena e acomodava 40 empreendedores. Hoje, estamos às vésperas da 22ª edição do agora Festival Feira Preta, um evento que vai ocupar mais de 200 mil metros quadrados do Parque Ibirapuera nos dias 3, 4 e 5 de maio.
Um grande evento que leva e apresenta a um público amplo as múltiplas expressões da criatividade negra, reunindo as principais tendências afro-contemporâneas em entretenimento, música, moda, design, arquitetura, literatura, artes visuais, gastronomia, workshops e diálogos criativos, entre outros.
QUAIS ESTRATÉGIAS ADOTAMOS NESSA JORNADA?
Gerimos o Festival Feira Preta com base nos quatro pilares conceituais da economia criativa: criação, produção, distribuição e consumo. O evento se destaca na distribuição e consumo de arte, produtos e serviços criados por pessoas negras, proporcionando um espaço para revelar essas potencialidades criativas.
Além disso, estamos atentos aos grandes movimentos do país nas áreas de inovação, tecnologia, economia criativa e afroempreendedorismo. Essa abordagem nos permitiu avançar na trajetória do empreendedorismo negro, transformando a necessidade em oportunidade em um mercado que abrange mais da metade da população brasileira.
QUAL O IMPACTO ECONÔMICO, SOCIAL E CULTURAL DO FESTIVAL?
Ao promover a inclusão econômica da população negra por meio do estímulo ao empreendedorismo, o modelo de festival foi pioneiro em integrar cultura e comércio baseados na identidade afro-brasileira.
Observamos dois movimentos: o primeiro, relacionado ao público participante, que se inspirou para empreender e criou marcas para atender a demanda de consumo. O segundo, envolvendo públicos de outras localidades, que adotaram o modelo para suas regiões, impulsionando outros empreendedores locais.
Se tem uma coisa que minha jornada como mulher negra brasileira me ensinou é que eu precisaria criar o mundo a que queria pertencer.
Hoje, o festival opera como um modelo de governança compartilhada, envolvendo a iniciativa privada, o estado, o público e os empreendedores, todos contribuindo para sua continuidade. É uma engrenagem que requer todas as peças para funcionar.
Quando comecei, enfrentei resistência das empresas em apoiar um evento com um nome que remetesse a questões raciais. Muitas sugeriram que eu alterasse o nome para algo como "Feira Étnica". No entanto, hoje as empresas estão interessadas em investir nesse segmento, compreendendo o potencial da diversidade não apenas socialmente, mas também do ponto de vista de marketing.
ONDE ESTAMOS?
Ao longo dos últimos 20 anos, o Festival Feira Preta atraiu mais de 250 mil pessoas, contou com a participação de sete mil artistas e envolveu 3000 empreendedores do Brasil e da América Latina.
Nas edições online de 2020 e 2021, registrou um total de mais de 65 milhões de visualizações. Em termos de impacto econômico, o festival movimentou mais de R$ 15 milhões por meio das vendas de produtos e serviços de afroempreendedores.
Na última edição, em 2022, participaram 260 empreendedores expondo seus produtos e serviços. Mais de 600 pessoas compareceram para assistir a filmes produzidos por pessoas negras no cinema Petra Belas Artes. Além disso, foram criados mais de 500 postos de trabalho.
Mais de 40 mil pessoas desfrutaram de uma programação diversificada ao longo do mês de novembro e início de dezembro, distribuída por várias regiões da cidade de São Paulo.
O Festival Feira Preta tem deixado um legado significativo na sociedade, transcendendo seu papel como simples entretenimento. Além disso, desencadeou um movimento de emancipação econômica e fortalecimento da autoestima, contribuindo para a construção da chamada "identidade preta".
À medida que as pessoas se reconhecem como parte da comunidade negra, procuram produtos, serviços e experiências que atendam às suas especificidades, gerando um impacto que se estende por todo o Brasil e até mesmo por países da América Latina.
Além disso, o evento é um dos programas integrantes da plataforma PretaHub, que anualmente desenvolve iniciativas de apoio à criatividade e ao empreendedorismo negro no Brasil – e também gera dados sobre essa população e esse ecossistema.
Este ano, com o tema "Ser Feliz é a Nossa Revolução'', a 22ª edição contará com diversas atrações, além de uma extensa programação de atividades, entre workshops, intervenções artísticas e painéis.
A novidade é o modelo freemium, baseado na criação e disponibilização de espaços gratuitos e pagos. Além do espaço tradicional, com serviços de empreendedores, palestras e oficinas gastronômicas, a festividade também levará para o Parque do Ibirapuera, em São Paulo, shows de grandes nomes da música brasileira, como Preta Gil com Majur, Luedji Luna, Dona Onete com Lia de Itamaracá, Àttoxxá com Larissa Luz, Tasha e Tracie com MC Luana e Duquesa.
a Feira Preta ocupava uma praça na Vila Madalena e acomodava 40 empreendedores. Agora o Festival Feira Preta vai ocupar mais de 200 mil m² do Parque Ibirapuera.
Além disso, o evento contará com festas dos principais festivais negros de outros estados como o Psica (PA), Batekoo (BA), Bronx (RS), Latinidades (DF) e rodas de samba como Cacique de Ramos, Quintal dos Pretos, Resenha da Nala, Sambadela (o samba da Thelminha) e blocos afros como Zumbiido, Ilê Aye e Ilu Obá.
O evento é apresentado por Doritos, Budweiser, Mercado Livre, Seda e Mercado Pago, com patrocínio de VIVO e Beats. Juntas, as marcas se uniram ao evento com o intuito de possibilitar uma experiência enriquecedora para o público, sobretudo no que diz respeito à cultura, ao social e à economia criativa preta.
Se tem uma coisa que minha jornada como mulher negra brasileira me ensinou, sobretudo em um tempo-espaço muito diferente dos dias de hoje, é que eu precisaria criar o mundo a que queria pertencer. E o Festival Feira Preta, para mim e para as mais de 50 mil pessoas que levamos aos eventos, é isso.
Um lugar onde podemos ser quem desejamos, coexistir sem medo e nos reconhecermos felizes, prósperos, criativos e abundantes. Um lugar de felicidades coletivas que eu convido todo mundo que está lendo aqui a conhecer. Bora?