O que acontece com a imagem corporal no metaverso
Hoje em dia, é quase impossível navegar por sites e redes sociais sem se deparar com menções ao metaverso. E agora esse mundo virtual – que dá acesso a experiências inimagináveis – está mais próximo do que nunca.
Isso porque, no passado, nossos esforços para construir mundos como este eram apenas focados nas tecnologias de AR e VR, deixávamos de lado as economias digitais que seriam cruciais para atrair usuários. Era como se estivéssemos construindo um carro sem motor ou combustível. Mas com as criptomoedas e os NFTs o cenário está mudando. Esses ativos digitais não apenas oferecem novas formas de comprar produtos virtuais, mas também promovem um novo conjunto de experiências interativas com o potencial de tornar as redes sociais como conhecemos hoje em algo do passado.
No entanto, se há uma coisa que aprendemos com as gigantes da web 2.0, como Snap e Instagram, é que os efeitos prejudiciais destas plataformas são particularmente mais nocivos para meninas e mulheres.
De fato, uma pesquisa interna do Facebook revelou que 32% das adolescentes relataram que, quando se sentiam mal com seus corpos, o Instagram as fazia sentir pior. E o que é ainda mais alarmante é que quanto mais tempo passam nas redes sociais, maior a probabilidade de ter ideações suicidas, aumentando os índices de suicídio.
À medida que o metaverso ganha cada vez mais relevância e vira parte do nosso zeitgeist, questões de identidade e imagem corporal precisam estar no centro das discussões. Seria possível criar uma nova estrutura que empodere as mulheres e que acabe de vez com as armadilhas das redes tradicionais?
COMO A WEB 2.0 FALHOU COM MULHERES E MENINAS
Com quase 29 milhões de seguidores no Instagram, a modelo e autora Emily Ratajkowski é o tipo de influenciadora que a maioria das pessoas queria ser. No entanto, ao publicar sua recente coletânea de textos, My Body, Ratajkowski relata a conturbada relação de explorar sua própria aparência para impulsionar suas redes.
“Durante grande parte da minha vida, eu me via como uma pessoa esperta, que entendia o que precisava fazer”, ela escreve. “Compreendi que possuia um ativo, algo que o mundo valorizava, e me sentia orgulhosa de ter construído uma vida e uma carreira com meu corpo. Todas as mulheres são objetificadas e sexualizadas em algum nível, então pensei: já que é algo inevitável, farei do meu jeito. Eu acreditava que estava me empoderando ao escolher fazê-lo.”
Ela admite: “A influência e o status que conquistei só me foram concedidos porque apelei aos homens”.
Ratajkowski – uma das influenciadoras mais bem sucedidas do mundo — ainda cai nas mesmas armadilhas que todas as meninas e mulheres: acreditar na falsa promessa de poder que supostamente ganhariam ao mercantilizar seus corpos.
As redes sociais que usamos hoje incentivam isso e tornam esse pensamento mais comum para milhões de mulheres, fazendo com que repliquem o comportamento de influenciadoras como Ratajkowski. Além disso, o conceito de economia dos criadores – a noção de que plataformas digitais podem possibilitar o crescimento financeiro –, hoje, nada mais é do que uma forma de gaslighting. Ele faz com que artistas deixem de ganhar a vida com suas obras e sua criatividade e os tornam escravos do mercado, em busca de curtidas e comentários; eliminando o pensamento independente e incentivando-os a postar conteúdos que reforcem padrões e ideias pré-estabelecidas.
Para as mulheres, isso é particularmente nocivo. A mensagem machista que nos é passada, de que ter um corpo perfeito é a coisa mais importante, nos impede de ser vistas como algo diferente de objetos. O fato de sermos artistas, educadoras, construtoras e líderes muitas vezes é ofuscado pela busca constante de aprovação nessas comunidades digital.
Para que criemos um metaverso que nos empodere, precisaremos de ferramentas e iniciativas que promovam a não conformidade. Mas, visto que nosso modelo de redes sociais atual recompensa mulheres por se sexualizarem com influência e dinheiro, uma outra pergunta precisa ser respondida: como nos libertar disso e construir um metaverso que não perpetue essa narrativa destrutiva de hoje?
UMA SEGUNDA CHANCE PARA CONSTRUIR NOSSA CULTURA DIGITAL
É quase impossível pensar em identidade no metaverso sem pensar no personagem Aech, do romance futurista Jogador Nº 1. O autor Ernest Cline apresenta Aech, um avatar masculino branco no OASIS (nome do metaverso ficcional). Não demora muito para que Cline revele no livro a verdadeira identidade do personagem: uma mulher negra chamada Helen Harris. Aech, então, explica o motivo de ter escondido seu gênero e raça: pelo mesmo motivo que sua mãe – para não sofrer discriminação.
A mensagem de Cline é bastante clara: embora o romance se passe em 2045, os aspectos mais nefastos de nossa estrutura social – machismo e racismo – permanecem no metaverso. O mundo virtual apenas oferece diferentes paisagens e localizações aos usários, todo o resto é um reflexo da nossa sociedade.
No entanto, a possibilidade de escolher e modificar nossa aparência física não afetará apenas a maneira como somos vistos por outros, ou nos permitirá estar em conformidade com os ideais de beleza dominantes, ela também afetará a maneira como nos enxergamos. Em 2007, um grupo de pesquisadores de Stanford descobriu que a forma como os usuários escolhem e customizam avatares em um mundo simulado influencia seu comportamento no mundo real. Usuários que escolheram avatares altos no metaverso, por exemplo, começaram a apresentar um comportamento mais agressivo fora dele. Esse chamado “Efeito Proteus” mostra que a maneira como nossos corpos são representados no ciberespaço, sem dúvida, afetará a forma como agimos em nossas vidas cotidianas. Sejam esses impactos positivos ou negativos, será algo inédito.
A identidade – e todas as suas nuances – é vital para a experiência humana. Nossa percepção de nós mesmos e dos outros (e maneia como ela influencia nossa compreensão de poder e valor) dita o nosso modelo de sistema social ao designar quem tem e quem não tem autonomia, controle e acesso. Em outras palavras, a solução para nossas desigualdades sociais não está na possibilidade de modificar nossa aparência. Somos mais do que apenas corpos.
Para que uma verdadeira mudança aconteça, precisaremos reconhecer que nosso modelo se tornou ultrapassado e que precisamos de um novo. Assim, seremos capazes de construir a meta-sociedade que todos merecemos: uma que é promove liberdade e dá autonomia a todos, não importa qual seja sua raça, sexualidade ou gênero.
CONSTRUINDO UM METAVERSO QUE EMPODERA A TODOS
Nosso mundo virtual ainda está sendo construído e o futuro da nossa sociedade está em grande parte nas mãos de quem o constrói. No entanto, ao contrário do Facebook, o metaverso é uma plataforma que pode ser moldada por todos nós, desde a maneira como escolhemos nossos avatares dentro dele até a própria estrutura de seu código.
Uma das principais diferenças entre a web 2.0 e a web 3.0 é que esta nos permite ser mais do que meros usuários. Nela, podemos ser colaboradores e proprietários dos espaços digitais onde passamos tanto tempo. Podemos participar ativamente de sua governança e da maneira como eles são criados, controlados e transformados ao longo do tempo.
Se o metaverso for construído com a descentralização como fundamento, teremos uma chance muito maior de garantir que a inclusão e o empoderamento estejam presentes em sua estrutura. Este ciberespaço verdadeiramente aberto será muito diferente das nossas redes sociais atuais onde vivemos à mercê de algoritmos controlados poucos.
Nele, uma real economia dos criadores ter início. Os usuários poderão ganhar a vida engajando um pequeno número de fãs que estão dispostos a investir neles, em vez de basear suas carreiras em curtidas e na esperança fugaz de parcerias com marcas. Mulheres terão a oportunidade de se engajar em ambientes que as valorizem por quem são como indivíduos, não apenas pela edição perfeita de suas fotos.
Essa governança democrática fará com que todos possam ser artistas da maneira que desejarem, o que significa que todos serão livres e poderão ajudar a moldar o metaverso – e, por meio do Efeito Proteus, também a realidade física – a fim de promover uma verdadeira transformação social.