Elon Musk e outros bilionários querem colonizar Marte. É uma péssima ideia
Levar nossa sociedade falha para outros planetas significaria apenas replicar nossos erros, fracassos e atos de crueldade em uma escala muito maior
Recentemente, Elon Musk atualizou os planos da SpaceX para levar a humanidade a Marte. O objetivo foi resumido no título de sua apresentação, “Tornando a vida multiplanetária” (“Making life multiplanetary”, no original). Mas, a meu ver, a colonização espacial é uma péssima ideia.
As ambições e os intermináveis comentários de Musk – principalmente detalhes técnicos sobre testes de voo e atualizações de veículos – são parte de uma tendência maior de empreendedores que apoiam a colonização espacial. Parece que todo bilionário quer ser aquele que irá transformar a humanidade em uma raça interplanetária.
Enquanto Musk investe tudo na SpaceX, Jeff Bezos e Richard Branson lançaram suas próprias empresas de exploração espacial, Blue Origin e Virgin Galactic, respectivamente. Colonizar o espaço se tornou a nova obsessão dos ultrarricos.
Mas levar nossa sociedade profundamente falha para outros planetas apenas significaria replicar nossos erros, fracassos e atos de crueldade em uma escala muito maior.
Se considerarmos os efeitos que nós, humanos, tivemos em nosso planeta atual e nas várias formas de vida com as quais o compartilhamos – incluindo nós mesmos –, a humanidade não parece exatamente uma espécie exemplar.
É claro que Musk e seus contemporâneos não veem as coisas dessa maneira. Ele, por exemplo, acredita que temos a obrigação moral de espalhar e preservar “a luz da consciência”, de preferência “antes da Terceira Guerra Mundial”. Em outras palavras, antes de sermos extintos.
Bezos argumenta que é inevitável que a população humana continue a aumentar e, à medida que isso acontece, nossos recursos limitados terão que ser divididos entre um número maior de pessoas. Colonizar o espaço é a suposta solução para isso, pois permitiria que a sociedade continuasse a crescer sem ser limitada pela escassez de terra ou de outros recursos.
Outra vertente de apoio à colonização espacial envolve o altruísmo eficaz (AE) e um de seus subprodutos filosóficos,
Parece que todo bilionário quer ser aquele que irá transformar a humanidade em uma raça interplanetária.
o longotermismo. Para resumir brevemente, o AE diz que a escolha mais ética é aquela que traz o maior bem, muitas vezes de forma quantificável: salva mais vidas, cria mais felicidade, reduz mais o sofrimento, etc.
O longotermismo também se baseia nessa ideia, mas adiciona a dimensão de um futuro muito distante. Se a humanidade continuar crescendo, então no futuro haverá um número muito maior de humanos do que existem atualmente.
Se a nossa responsabilidade é fazer o máximo de bem possível, então o mais ético é fazer coisas que tenham um impacto positivo nessas pessoas do futuro distante.
O problema é que essas ideias são todas baseadas no pressuposto de que a vida é inerentemente boa. Mas, olhando para o estado do nosso mundo, não creio que podemos contar com isso.
Atualmente, estima-se que quase um bilhão de pessoas vivem na extrema pobreza, sobrevivendo com menos de US$ 2,15 por dia. Temos pelo menos cinco grandes confrontos militares em curso envolvendo 30 países, da guerra civil em Mianmar até o conflito Israel-Palestina. E a lista continua.
O sofrimento causado pelo homem se multiplica quando incluímos animais na conta. Forçamos cães a lutar entre si, fazemos cavalos correr até a morte e prendemos elefantes em zoológicos. Realizamos experimentos sádicos em mais de 115 milhões de animais por ano.
Além disso, criamos e abatemos 80 bilhões de animais terrestres e trilhões de animais marinhos todos os anos para alimentação em fazendas industriais – enormes instalações que confinam animais em condições de tortura para produzir carne, ovos e leite baratos.
Replicar essas situações em outros planetas seria um erro. Há poucas evidências de que essas injustiças vão acabar e de que novas não surgirão. Até acabarmos com esses abusos, mais humanos podem muito bem significar mais sofrimento
Pode-se argumentar que não estamos nem perto de colonizar Marte e, portanto, não é um problema com o qual precisamos nos preocupar. Mas só porque algo pode não acontecer, ou é pouco provável que aconteça, não significa que não devemos tomar medidas para impedi-lo.
Musk e seus seguidores parecem estar claramente motivados. Um investidor em tecnologia espacial recentemente escreveu no X/ Twitter: “não queremos mais estar aqui. Vamos embora na primeira oportunidade, não importa o quão difícil possa ser”.
Deveríamos acreditar na sua palavra e não dar a eles essa oportunidade – pelo menos, não até arrumarmos nosso próprio quintal.
A humanidade poderia ter mudado muitas coisas para melhor, mas não o fizemos, porque somos uma sociedade profundamente falha. Mesmo hoje, não conseguimos chegar a um consenso de que as mudanças climáticas estão acontecendo, muito menos sobre o que fazer a respeito.
Se a humanidade colonizar outros planetas da forma que Musk quer, seremos uma espécie de câncer se espalhando pela galáxia. Não somos o centro do universo. Precisamos entender isso.