Rede Djassi quer aumentar a taxa de sucesso dos afroempreendedores
Fernando Cabral, fundador da Rede Djassi, que promove o programa Afropreneurs Fellowship, fala sobre o trabalho junto a black founders
Na segunda edição do Web Summit Rio, entre as startups que participam do evento, 22% são lideradas por pessoas negras. A Rede Djassi está trabalhando para que, em pouco tempo, essa porcentagem seja muito maior.
A iniciativa, que tem como missão promover e apoiar black founders na construção de startups de tecnologia e inovação, está trazendo 25 empresas brasileiras lideradas por pessoas negras para o evento. Metade delas, lideradas por mulheres.
Os fundadores da Djassi são os irmãos Fernando e Rudolphe Cabral. Nascidos em Guiné Bissau, os dois moraram em Portugal e atualmente vivem no Reino Unido, trabalhando como empresários e investidores.
Em sua passagem pelo Web Summit Rio 2024, Fernando falou com a Fast Company Brasil. Confira.
FC Brasil – Como funciona o programa Afropreneurs Brasil Fellowship?
Fernando Cabral – Afropreneurs Brasil Fellowship é nosso programa global, que tem sua primeira edição no Brasil. Temos três objetivos: aumentar a presença, a visibilidade e a taxa de sucesso de afroempreendedores ou black founders em palcos globais, em grandes eventos, em programas de aceleração, ligados à tecnologia e à inovação.
Presença é a parte mais básica. É estar nesses espaços. Visibilidade é estar nos palcos, fazendo pitches, como qualquer outro empreendedor ou startup. Taxa de sucesso tem a ver com preparação. Pessoas de grupos sub-representados têm outros bloqueios. Por exemplo, pensar “eu não pertenço a esses lugares, somos poucos, será que posso mostrar minha cultura?”.
Quanto mais grupos diversos houver, olhando para problemas diversos, mais problemas resolvidos teremos.
A taxa de sucesso tem a ver com uma preparação muito rigorosa, para que esses empreendedores cheguem bem a esses espaços, que cheguem em comunidade e que, quando cheguem, o ambiente seja favorável para ter sucesso.
Ao todo são 10 semanas. As primeiras quatro são intensivas de preparação. Depois tem a semana em que vamos para o terreno. É esta aqui no evento. As próximas cinco semanas são de lessons learned.
Oferecemos coaching estratégico. As empresas estão em estágios diferentes e definimos o road map de cada uma. Depois tem ainda o networking, com os fellows da África e da Europa. Uma vez fellow, estamos ligados. Vamos preparar o primeiro encontro global da Djassi.
FC Brasil – Poderia dar alguns exemplos de startups brasileiras que estão no programam e que merecem atenção?
Fernando Cabral – Temos sorte de ter no programa startups maravilhosas. No grupo, há diversidade de indústrias – ao todo, são 16 – diversidade regional, de gênero. Vou citar algumas startups não por serem melhores, mas por terem propostas de valor ousadas: Denga Love, um app de relacionamento para pessoas negras, que chamamos de “cupido”; Biolinker, uma biotech liderada pela cientista Mona Oliveira; e o Traz Favelas.
FC Brasil – Em entrevista à Fast Company Brasil, Maitê Lourenço, fundadora da Black Rocks, citou um estudo da Kauffman Fellows que identificou que startups fundadas por pessoas negras devolvem 3,3 vezes o investimento feito, enquanto grupos homogêneos devolvem 2,5 vezes. O que você tem a dizer para investidores que buscam startups para investir?
Fernando Cabral – Para responder, vou dar um passo para trás. Por que existem startups? Por que existe inovação? Para resolver problemas reais. Quanto mais grupos diversos houver, olhando para problemas diversos, mais problemas resolvidos teremos. Quanto mais grupos sub representados existirem, mais soluções e mais inovação teremos.
Por serem grupos sub-representados, eles resolvem problemas muito específicos. Problemas que têm dor. Aqui não tem privilégio de criar startup porque sou filho de pai rico, fui a Harvard e tenho o luxo de criar uma startup e brincar por cinco anos com a empresa. Estes grupos sub-representados estão comprometidos a resolver problemas reais.
O retorno financeiro é maior por vários motivos. Quando o investidor, um VC [fundo de investimento], chega a essas startups, costuma ser em um estágio avançado. Elas já criaram uma base de clientes, já estão trabalhando há muito tempo, já estão bem preparadas. Isso faz com que os negócios sejam mais robustos.
FC Brasil – Por que ainda vemos pouco conteúdo em festivais de tecnologia que abordam a inovação a partir da perspectiva do Sul Global? O que é preciso fazer para promover o acesso de pessoas negras a ambientes de inovação e tecnologia?
Fernando Cabral – Os eventos são o reflexo da sociedade. Tem a ver com usar o mesmo sistema. Tratar desses temas não é fácil, é ousado. Alguns eventos vão correr mais risco, aqueles que não pensam que esses grupos são nichos isolados. No Brasil, pelo menos 56% da população é negra. Se tivermos palcos com essa temática, não é nicho. Precisamos testar outros modelos.
As escolas são grandes indicadores de diversidade nos mercados. Se sou investidor das escolas mais conhecidas, meu grupo de amigos vem dessas escolas. Quando crio meus negócios, vou dar preferência a pessoas que conheço.
Se chegar aqui e disser que estudei em Harvard, muda tudo. Imagine que você tem 20 minutos para fazer um pitch. Se você for um investidor e não tiver referências sobre mim, vai passar 15 minutos só tentando entender qual é o meu contexto. É diferente se começo dizendo que venho da favela X. O investidor não conhece aquela realidade.
Para dar mais acesso, precisamos de dados para mapear quais são os maiores desafios para esse acesso e buscar soluções a partir disso – inclusive com políticas públicas – e, depois, mensurar resultados.
FC Brasil – Descolonizar a imaginação é fundamental para construir um futuro mais próspero. De que forma a Rede Djassi está contribuindo para essa descolonização da imaginação?
Fernando Cabral – Essa é a melhor pergunta que me fizeram nos últimos anos. A colonização não foi só uma questão visível. Foi mental, social. Colonização começa na forma como abordamos esses temas. A Djassi África aborda esses temas a partir de uma perspectiva muito aberta. Não pedimos licença. Nós chegamos e fazemos.
Esse processo começa com a descolonização de quem desenha esses programas e com a forma como eles são feitos. Temos que mudar esses estereótipos e dizer que nós podemos fazer. Nós pertencemos. Ninguém disse que um povo ou determinada pessoa, por sua cor ou gênero, é inferior à outra. Temos todos os mesmo direitos.