No que a inteligência humana ainda é capaz de superar a inteligência artificial

A curiosidade, a inteligência emocional e a capacidade de aprender com os erros podem nos dar uma grande vantagem sobre a IA

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Eric Markowitz 4 minutos de leitura

Em 1928, o cientista escocês Alexander Fleming retornou de suas férias de duas semanas e percebeu que havia cometido um grande erro. Na pressa para sair de folga, ele deixou uma pilha de placas de Petri em sua mesa. Quando começou a limpá-las, algo incomum chamou sua atenção: um mofo havia se formado ao redor das bactérias em uma delas.

Ao examinar mais de perto, Fleming fez uma descoberta surpreendente. O mofo não estava apenas crescendo – ele estava inibindo ativamente a disseminação das bactérias. Essa observação levou o cientista a se perguntar se o mofo poderia ser usado para combater infecções.

Nas semanas seguintes, seus experimentos com essa substância levaram ao desenvolvimento da penicilina, revolucionando o tratamento de doenças infecciosas e salvando mais de 500 milhões de vidas ao longo do último século.

Essa história improvável da origem da penicilina ilustra a importância da criatividade humana, mesmo na era da inteligência artificial. No ano passado, os temores de que a IA possa acabar com muitos dos empregos de hoje aumentaram consideravelmente. O FMI, por exemplo, divulgou que até 40% dos empregos estão em risco devido à tecnologia.

Isso levanta uma questão fundamental: se o poder computacional da IA generativa continuar a crescer, o cérebro humano ainda terá vantagem em alguma área? A resposta pode estar na história de Fleming: a capacidade de cometer erros e aprender com eles é uma fonte de inovação.

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A falibilidade humana, em vez de ser uma desvantagem, é um trunfo quando se trata de criatividade. É nossa capacidade de abraçar a aleatoriedade, a sorte e a flexibilidade que muitas vezes leva a avanços.

Enquanto a IA é excelente em eficiência e poder computacional, os humanos são processadores de informações lentos e, às vezes, ineficientes. Mas o que nos falta em velocidade, ganhamos em liberdade – a capacidade de ignorar a sabedoria convencional em busca da originalidade.

O potencial para grandes inovações é impulsionado por uma mistura de culturas e experiências humanas únicas.

Tomemos como exemplo os investimentos financeiros. Não há dúvida de que a IA se tornará muito mais capaz do que qualquer indivíduo em processar e interpretar grandes quantidades de dados da indústria e das empresas. E poderá até reagir mais racionalmente do que um humano durante períodos de volatilidade no mercado.

Mas, nos investimentos – assim como em muitas outras áreas –, um melhor desempenho muitas vezes depende de um pensamento não convencional e de ir contra a corrente. Na verdade, conforme as ferramentas de IA se tornam mais eficientes em coletar informações e dados, mais importante se torna a intuição humana.

E isso vale para outras áreas, como o jornalismo: embora a inteligência artificial possa tornar o processo de apuração mais eficiente, simplesmente reproduzir comunicados de imprensa de empresas e compilar dados existentes não renderá nenhum prêmio de jornalismo.

Dedicar tempo, conversar com fontes, ir pessoalmente até o local muitas vezes é necessário para chegar às raízes mais profundas de uma história. Um jornalista pode, por exemplo, detectar um tique nervoso ou ler certos sinais visuais de um CEO cauteloso, o que pode inspirá-lo a investigar mais a fundo. Ou talvez um encontro com uma fonte possa deixá-la confortável o suficiente para compartilhar informações sensíveis.

conforme as ferramentas de IA se tornam mais eficientes em coletar informações e dados, mais importante se torna a intuição humana.

A importância de habilidades como estas – como compaixão, inteligência emocional, sensibilidade intercultural e pensamento estratégico – está aumentando. No mínimo, elas se tornarão cada vez mais raras em um cenário dominado por sistemas de IA. A tecnologia ainda não é capaz de interpretar dinâmicas sociais complexas.

Consideremos conceitos como arte e felicidade. Por um lado, sim, a inteligência artificial será capaz de regurgitar grandes quantidades de informações sobre os artistas e cineastas mais famosos do mundo. Ela saberá a receita de cada prato já criado. E terá o poder computacional para conhecer todas as músicas que existem.

Mas será que saberá como é passear pelos vastos salões do Louvre? O gosto de uma comida caseira? Será capaz de entender a emoção de ver um músico no palco cantando para milhares de fãs?

Crédito: Fabio Motta/ Prefeitura do Rio

Este é o ponto principal, considerando que vários estudos associam a felicidade a uma maior capacidade de gerar novas ideias. Simone Ritter, que estuda a relação entre o cérebro e a criatividade humana, descobriu em um estudo de 2017 que ouvir músicas “alegres” pode levar a um pensamento mais criativo.

Para aqueles que estão preocupados com a IA, a solução talvez seja se apoiar nas características que nos tornam humanos. O potencial para grandes inovações – desde o Renascimento italiano até a invenção da internet – é impulsionado por uma mistura de culturas e experiências humanas únicas.

Isso nos dá uma enorme vantagem – pelo menos por enquanto.


SOBRE O AUTOR

Eric Markowitz é diretor de pesquisa na Nightview Capital. saiba mais