Distrito industrial abriga Vila Olímpica em Paris e vira bairro após os Jogos
Um novo bairro de uso misto e com baixo teor de carbono foi projetado pensando no futuro da cidade. As Olimpíadas são apenas um convidado temporário
Daqui a pouco mais de um mês, milhares de atletas vão se mudar para a Vila Olímpica construída nos subúrbios de Paris. Mas os prédios onde eles vão se hospedar durante os jogos também foram projetados com outro propósito: eles farão parte de um novo bairro sustentável.
Isso é o oposto do que aconteceu em Olimpíadas anteriores, quando as cidades deixaram para tentar resolver só depois o que iam fazer com as obras erguidas para os Jogos.
"Para nós, não é uma questão de reutilizar estruturas e transformá-las em moradias", diz a arquiteta e planejadora urbana Anne Mie Depuydt, fundadora da empresa de design UAPS, que atuou como coordenadora de uma seção da Vila Olímpica.
"Estamos fazendo de fato um novo bairro, mas nos asseguramos de que conseguiríamos adaptar os apartamentos os prédios de escritórios por dentro, para receber os atletas para a Olimpíada,", completa.
O novo bairro foi projetado para oferecer, no pós-Olimpíada, uma mistura bem variada de usos – imóveis para aluguel, apartamentos para venda, moradias para estudantes, escritórios e um andar térreo que terá cafés, restaurantes, lojas e outros serviços.
A área, um subúrbio próximo ao rio Sena, ao norte de Paris, é uma antiga zona industrial que precisa de boas moradias. "Esta é uma intervenção importante em um bairro bastante pobre e onde há muitas pessoas desempregadas", diz Depuydt.
Ao norte do Sena, dois quarteirões que acabaram de ser renovados agora se estendem até o rio, reconectando o bairro com a água. Uma nova estação de metrô será inaugurada em breve, junto com novas ciclovias.
A área que será usada para ônibus durante os Jogos Olímpicos está programada para se tornar um parque. No nível térreo, o futuro espaço de comércio será temporariamente usado para instalações médicas para os atletas.
Ao elaborar o projeto, os urbanistas pensaram tanto em seu uso futuro quanto na Olimpíada. Na seção em que Depuydt trabalhou, por exemplo, os arquitetos sabiam que precisavam abrigar três mil atletas, sendo dois em cada quarto.
Assim, em alguns apartamentos, eles precisaram adicionar paredes temporárias para criar outro quarto. Em alguns casos, foram instalados banheiros temporários. As cozinhas serão instaladas posteriormente. Quando a Olimpíada e a Paraolimpíada terminarem, os prédios vão precisar de mudanças relativamente pequenas, diz Depuydt.
Os prédios foram projetados para serem o mais sustentável possível, com uma construção que produz 50% menos emissões de gases de efeito estufa do que a construção padrão.
A UAPS criou um bairro novo, chamado Quinconce. Lá foi usada madeira em vez de aço em prédios menores e concreto com baixo teor de carbono em prédios mais altos. As fachadas são revestidas com cerâmica de baixo teor de carbono.
Os prédios vão usar pouca energia. Em vez de ar-condicionado convencional, eles contam com aquecimento e resfriamento geotérmico e estratégias de design passivo, como isolamento espesso e sombreamento cuidadosamente posicionado. Os mais altos têm painéis solares no telhado, que vão devolver a energia ao sistema elétrico.
A água será reaproveitada para o paisagismo do local. Um prédio experimental, com licença para testar uma tecnologia que ainda não é permitida pelas normas atuais, vai reciclar a água do chuveiro. Quando a descarga dos banheiros for acionada, os resíduos serão separados para que seja possível produzir amônia para fertilizante a partir da urina.
Uma minifloresta com 200 árvores, crescerá ao lado dos prédios. Nos telhados, jardins estão sendo plantados para servir de abrigo a aves migratórias.
No passado, as tentativas de reutilizar a infraestrutura olímpica muitas vezes deram errado. "Infelizmente, as Olimpíadas têm uma péssima tradição de criar ‘elefantes brancos’, ou seja, estádios e outros locais que ficam subutilizados após os Jogos e cuja manutenção é cara”, diz o cientista político Jules Boykoff.
Em alguns casos, os organizadores prometeram construir moradias sociais, mas não conseguiram cumprir, diz ele. Em Vancouver e Londres, “esses dois projetos acabaram sendo essencialmente estatizados, pagos pelos contribuintes. E as promessas de moradias sociais evaporaram diante das exigências do mercado”, diz ele.
É difícil prever qual será o destino desse novo bairro construído em Paris – Boykoff observa que há o risco de que a área se torne gentrificada e que alguns moradores antigos sejam desalojados, mesmo que as novas moradias incluam unidades a preços acessíveis.
Mas essa também pode ser a primeira vez que os Jogos Olímpicos vão contribuir para o desenvolvimento planejado de uma cidade, acelerando a construção de novas moradias projetadas, desde o início, de olho no futuro.