A IA da Apple vai matar a criatividade humana, um prompt de cada vez

A Apple Intelligence poderia ter sido usada para reafirmar ainda mais o slogan “Think Different” da empresa. Em vez disso, a IA vai pensar por nós

Crédito: koya79/ iStock

Jesus Diaz 3 minutos de leitura

Em 1997, a Apple lançou seu slogan “Think Different”, que desafiava as pessoas a pensar diferente. O anúncio, que apresentava figuras como Albert Einstein, Bob Dylan e Mohammed Ali, posicionou a empresa como um bastião da criatividade, lutando contra o status quo. Ele incentivava todos a pensar de novas maneiras, ser ousados e ir contra a corrente.

No entanto, na semana passada, a Apple parece ter abandonado tudo o que este slogan representava ao apresentar a tão aguardada Apple Intelligence. Durante sua conferência anual, ela revelou uma visão desanimadora de um futuro dominado pela IA, deixando muitos criativos perplexos. Essa seria a revolução prometida pelo CEO da empresa, Tim Cook, neste ano?

A cada novo recurso de inteligência artificial anunciado, minha preocupação aumentava. Primeiro, o mecanismo de geração de imagens de IA, que garante que todos os usuários compartilharão as mesmas imagens genéricas no estilo do DALL-E.

Em seguida, as ferramentas alimentadas pelo ChatGPT, capazes de resumir páginas da internet, escrever e-mails e criar histórias de ninar para crianças, com ilustrações geradas por inteligência artificial. Por fim, uma ferramenta de IA para “limpar e corrigir automaticamente” sua caligrafia no iPad, tornando-a “mais bonita e uniforme”.

A Apple tinha nas mãos a chance de moldar a primeira experiência de milhões de pessoas com a IA, mas escolheu seguir a direção errada ao reproduzir todas as ideias de inteligência artificial já existentes, renomeando-as como Apple Intelligence e transformando seus sistemas operacionais em máquinas projetadas para padronizar comportamento e personalidades.

O CEO da Apple, Tim Cook, apresenta a Apple Intelligence na WWDC (Crédito: Apple)

A IA, sem dúvida, tem seus benefícios – e a Apple demonstrou alguns casos de uso potencialmente úteis para a tecnologia. Mas o que preocupa em relação a sua abordagem é o quanto ela contradiz exatamente aquilo que tornou a empresa especial.

Como apresentada, a Apple Intelligence tenta transformar o comum em irrelevante e descartável. Imagens geradas que se confundem com qualquer outra imagem de IA; histórias previstas estatisticamente por uma máquina; e-mails escritos automaticamente que ninguém lerá porque serão resumidos; caligrafia embelezada que deixa de ser realmente sua.

Este é o início de um pesadelo digno de “Black Mirror”, no qual as arestas ásperas da criatividade são polidas até ficarem lisas e sem vida.

A IA INEVITÁVEL

Apesar de tudo isso, é provável que a inteligência artificial funcione para a Apple. A empresa possui uma base de usuários gigantesca presa dentro de um jardim murado, e essas novas ferramentas de IA visam aumentar essa dependência. Além disso, a abordagem de buscar eficiência a todo custo é um reflexo da nossa sociedade. A mediocridade se tornou o novo padrão.

Só gostaria que, em vez de encontrar maneiras de confinar as pessoas em um mar tranquilo de consumidores clicando em telas, ela tivesse sugerido um novo caminho, no qual

o que preocupa em relação à abordagem da Apple é o quanto ela contradiz exatamente aquilo que tornou a empresa especial.

poderíamos usar a IA para nos libertar desse padrão. Este poderia ter sido o novo momento “pense diferente” da Apple. Em vez disso, a empresa quer usar a IA para pensar por nós.

Talvez, no futuro, vejamos um dispositivo que recupere parte do tempo que perdemos diariamente com nossos celulares. Talvez a Apple Intelligence se torne o sistema operacional que nos capacite a usar menos nossos dispositivos, permitindo-nos passar mais tempo pensando, criando e desfrutando de uma comunicação significativa.

A Apple deu uma pista sobre esse futuro com seus novos frameworks de IA que, supostamente, farão nossos aplicativos funcionarem em sincronia. Mas estamos muito, muito longe desse futuro.

Imagine se a Apple lançasse um novo comercial hoje. Provavelmente, ele seria um pouco diferente. Veríamos imagens genéricas, com uma narração alegre, mais ou menos assim:

“Isso é para os comuns, os conformistas, os seguidores. Aqueles cuja cor favorita é bege. Aqueles que seguem as regras e se conformam. Você pode acreditar em tudo, depois retuitar ou não, ninguém vai ler, afinal. A única coisa que não pode fazer é ignorar. Esta é a humanidade. E, enquanto alguns podem vê-la como chata, nós vemos alvos fáceis com carteiras cheias de dinheiro. Pessoas loucas o suficiente para pensar que podem mudar o mundo com frases e desenhos gerados por uma máquina são aquelas que comprarão nossos produtos.”

(Corta para o logotipo e o slogan da Apple).


SOBRE O AUTOR

Jesus Diaz fundou o novo Sploid para a Gawker Media depois de sete anos trabalhando no Gizmodo. É diretor criativo, roteirista e produ... saiba mais