Quanto vale a humanidade? A (ir)responsabilidade de influenciadores na era dos tigrinhos

Eles aceitam associar sua imagem em troca da sedutora oferta de valores altíssimos para promover plataformas de jogos online

Crédito: Fast Company Brasil

Nayara Ruiz 3 minutos de leitura

"A gente aposta que você vai perder". Se fosse para criar uma tagline nua e crua do propósito das casas de jogos de azar, essa certamente seria uma boa frase.

A popularidade dessas jogatinas disfarçadas de retorno garantido tem parcela significativa no desserviço irresponsável por parte de influenciadores que associam sua imagem e a confiança das pessoas em troca da sedutora oferta de valores altíssimos para as publicações.

Nos vídeos que vemos nos perfis desses influenciadores, o saldo sempre se multiplica. Com uma aposta de R$ 12 é possível alcançar um saldo de R$ 2.868 de uma só vez. Acontece que eles não usam o aplicativo real do jogo. São plataformas demonstrativas, onde não há apostas com dinheiro envolvidas.

Os ganhos fáceis e rápidos, misturados à roletas coloridas e vibrantes, trilhas musicais estrategicamente pensadas para estimular o jogador e uma vasta cartela de jogos com visuais semelhantes, cheios de cédulas e moedas saltando em toda a tela, iludem os espectadores a acreditar que o sucesso está ao alcance de todos. E muitos apostam tudo o que têm (e não têm) na esperança de, como seus ídolos, ganharem muito dinheiro.

Os valores pagos aos influenciadores chegam a chocar. Uma criadora de conteúdo que se posicionou contra a essa prática revelou que as casas de apostas pagam em média R$ 30 mil por vídeo para criadores de conteúdo com cerca de 200 mil seguidores. Contratos de três a seis meses são comuns, com uma quantidade específica de posts a serem feitos. 

Tem também a garantia de ganho por novo jogador cadastrado na casa de aposta ou, até mesmo, em casos mais perversos: ganho em cima do prejuízo dos seguidores que perderem dinheiro depositado. A cada 10 pessoas convertidas que clicarem no link de cadastro, R$ 100 diretamente no bolso desses influenciadores.

Que a lógica de rede está corrompida pela dinâmica das plataformas sociais nós já sabemos. Mas é muito duro e triste acreditar que pessoas que conquistaram a atenção, a confiança e a admiração de tanta gente use isso sem consciência e responsabilidade sobre o impacto que causa na vida dessas vítimas.

Os influenciadores não usam o aplicativo real, e sim plataformas demonstrativas, onde não há apostas com dinheiro.

Vítimas, porque, no Brasil, os jogos de azar são caracterizados como contravenção penal, conforme estabelecido pelo Decreto-Lei nº 3.688, de 3 de outubro de 1941, a Lei de Contravenções Penais. Ela classifica como infração os jogos de azar em que o ganho ou a perda dependem da sorte.

Além de imoral, o jogo é ilegal. No entanto, importante ressaltar, não é crime. As contravenções penais são consideradas de menor gravidade e, portanto, as penas são geralmente menos rigorosas, como prisão simples (até um ano) e multa de baixo valor.

Por isso, é muito importante revisitar como estamos lidando com essa realidade cada vez mais disseminada. Os danos causados não são apenas financeiros, eles afetam a saúde mental e emocional.

Um relato angustiante de uma pessoa que perdeu R$ 160 mil e considerou acabar com a própria vida ou a tendência mais recente de influenciadores mirins promoverem esses jogos trazem a urgente necessidade de medidas práticas a serem implementadas imediatamente:

1. Regulamentação rigorosa: atualização das leis existentes para incluir as apostas online e definir claramente as responsabilidades das plataformas e dos influenciadores. O Maranhão sancionou uma, lei no final do ano passado, que proíbe a divulgação desses jogos por influenciadores digitais, estabelecendo multas pesadas para o descumprimento, que variam de R$ 10 mil a R$ 1 milhão.

2. Fiscalização eficaz: criação de órgãos reguladores específicos para monitorar e fiscalizar a promoção de jogos de azar nas plataformas digitais.

3. Políticas de conteúdo: as plataformas digitais devem estabelecer políticas claras contra a promoção de jogos de azar e implementar sistemas de monitoramento para derrubar esses conteúdos e garantir a conformidade.

4. Educação e conscientização: campanhas de conscientização sobre os riscos dos jogos de azar, direcionadas tanto ao público em geral quanto aos influenciadores.

5. Transparência dos influenciadores: exigir que os influenciadores divulguem claramente quando estão promovendo jogos de azar, incluindo os riscos envolvidos.

No fundo, todo mundo perde. Quem vende a si e sua moral perde sua humanidade e integridade. Quem acredita na promessa, perde saúde mental e financeira.

As plataformas compactuam com a propagação de atos criminosos e a sociedade fica com famílias desestruturadas, economia abalada e futuras gerações comprometidas.

No fundo, todo mundo perde – menos os jogos, que (vale lembrar) sempre ganham.


SOBRE A AUTORA

Nayara Ruiz é comunicadora social especialista em marketing digital e sócia da nAÇÃO, que atua em projetos de impacto social. saiba mais