Quanto vale a humanidade? A (ir)responsabilidade de influenciadores na era dos tigrinhos
Eles aceitam associar sua imagem em troca da sedutora oferta de valores altíssimos para promover plataformas de jogos online
"A gente aposta que você vai perder". Se fosse para criar uma tagline nua e crua do propósito das casas de jogos de azar, essa certamente seria uma boa frase.
A popularidade dessas jogatinas disfarçadas de retorno garantido tem parcela significativa no desserviço irresponsável por parte de influenciadores que associam sua imagem e a confiança das pessoas em troca da sedutora oferta de valores altíssimos para as publicações.
Nos vídeos que vemos nos perfis desses influenciadores, o saldo sempre se multiplica. Com uma aposta de R$ 12 é possível alcançar um saldo de R$ 2.868 de uma só vez. Acontece que eles não usam o aplicativo real do jogo. São plataformas demonstrativas, onde não há apostas com dinheiro envolvidas.
Os ganhos fáceis e rápidos, misturados à roletas coloridas e vibrantes, trilhas musicais estrategicamente pensadas para estimular o jogador e uma vasta cartela de jogos com visuais semelhantes, cheios de cédulas e moedas saltando em toda a tela, iludem os espectadores a acreditar que o sucesso está ao alcance de todos. E muitos apostam tudo o que têm (e não têm) na esperança de, como seus ídolos, ganharem muito dinheiro.
Os valores pagos aos influenciadores chegam a chocar. Uma criadora de conteúdo que se posicionou contra a essa prática revelou que as casas de apostas pagam em média R$ 30 mil por vídeo para criadores de conteúdo com cerca de 200 mil seguidores. Contratos de três a seis meses são comuns, com uma quantidade específica de posts a serem feitos.
Tem também a garantia de ganho por novo jogador cadastrado na casa de aposta ou, até mesmo, em casos mais perversos: ganho em cima do prejuízo dos seguidores que perderem dinheiro depositado. A cada 10 pessoas convertidas que clicarem no link de cadastro, R$ 100 diretamente no bolso desses influenciadores.
Que a lógica de rede está corrompida pela dinâmica das plataformas sociais nós já sabemos. Mas é muito duro e triste acreditar que pessoas que conquistaram a atenção, a confiança e a admiração de tanta gente use isso sem consciência e responsabilidade sobre o impacto que causa na vida dessas vítimas.
Os influenciadores não usam o aplicativo real, e sim plataformas demonstrativas, onde não há apostas com dinheiro.
Vítimas, porque, no Brasil, os jogos de azar são caracterizados como contravenção penal, conforme estabelecido pelo Decreto-Lei nº 3.688, de 3 de outubro de 1941, a Lei de Contravenções Penais. Ela classifica como infração os jogos de azar em que o ganho ou a perda dependem da sorte.
Além de imoral, o jogo é ilegal. No entanto, importante ressaltar, não é crime. As contravenções penais são consideradas de menor gravidade e, portanto, as penas são geralmente menos rigorosas, como prisão simples (até um ano) e multa de baixo valor.
Por isso, é muito importante revisitar como estamos lidando com essa realidade cada vez mais disseminada. Os danos causados não são apenas financeiros, eles afetam a saúde mental e emocional.
Um relato angustiante de uma pessoa que perdeu R$ 160 mil e considerou acabar com a própria vida ou a tendência mais recente de influenciadores mirins promoverem esses jogos trazem a urgente necessidade de medidas práticas a serem implementadas imediatamente:
1. Regulamentação rigorosa: atualização das leis existentes para incluir as apostas online e definir claramente as responsabilidades das plataformas e dos influenciadores. O Maranhão sancionou uma, lei no final do ano passado, que proíbe a divulgação desses jogos por influenciadores digitais, estabelecendo multas pesadas para o descumprimento, que variam de R$ 10 mil a R$ 1 milhão.
2. Fiscalização eficaz: criação de órgãos reguladores específicos para monitorar e fiscalizar a promoção de jogos de azar nas plataformas digitais.
3. Políticas de conteúdo: as plataformas digitais devem estabelecer políticas claras contra a promoção de jogos de azar e implementar sistemas de monitoramento para derrubar esses conteúdos e garantir a conformidade.
4. Educação e conscientização: campanhas de conscientização sobre os riscos dos jogos de azar, direcionadas tanto ao público em geral quanto aos influenciadores.
5. Transparência dos influenciadores: exigir que os influenciadores divulguem claramente quando estão promovendo jogos de azar, incluindo os riscos envolvidos.
No fundo, todo mundo perde. Quem vende a si e sua moral perde sua humanidade e integridade. Quem acredita na promessa, perde saúde mental e financeira.
As plataformas compactuam com a propagação de atos criminosos e a sociedade fica com famílias desestruturadas, economia abalada e futuras gerações comprometidas.
No fundo, todo mundo perde – menos os jogos, que (vale lembrar) sempre ganham.