O problema (e a solução) da indústria da comunicação é a comunicação

Comunicar é uma das oportunidades para mudar a forma como se faz seleção de agências no mercado publicitário

Crédito: skodonnell/ iStock

Graziela Di Giorgi 6 minutos de leitura

A motivação para escrever “O Efeito Iguana” (publicado no Brasil em 2015) foi o de entender o motivo pelo qual os líderes de marketing não aprovam as ideias mais criativas das agências de publicidade – enquanto  a criatividade das agências é o atributo mais valorizado pelo marketing (cliente da agência).

O livro explora a diferença entre o que falamos e o que realmente fazemos, sob o ponto de vista da economia comportamental. Por um lado, os vieses criam barreiras à inovação e a melhores decisões. Por outro, ajudam a tomar consciência sobre o que fazer para mudar.

Ou seja, só entendendo como pensamos podemos mudar como agimos. Este é o princípio da terapia e, por isso mesmo, ilustra a nossa condição humana (indo além do marketing, ainda que inspirada por ele).

Mas, sobretudo, o livro me tornou uma observadora das relações cliente-agência. Comecei a desenvolver esta ponte entre marcas e agências, sendo uma consultora para os dois lados.

Quando o projeto envolve ambos os lados, como acontece nos processos de seleção de agência (ou concorrência, quando o líder de marketing ou a empresa decide mudar sua agência), passo a assumir o papel de terapeuta, mediando o diálogo (ou a falta dele) nas relações cliente-agência.

A IMPORTÂNCIA DA CRIATIVIDADE

Quando, em um processo de concorrência, há uma demanda para que a agência desenvolva uma campanha, é quando me vejo neste papel de mediação. Em um destes diálogos, assumo a função de informar ao marketing, por exemplo, quanto custa para uma agência participar em uma concorrência tradicional (o processo que pede uma campanha).

Os clientes não sabem e ficam surpresos quando comunico a exorbitante cifra média de R$ 400 mil por concorrência* que cada agência investe. Mas o que é mais surpreendente é entender o poder dessa informação (tão desconhecida para além do mundo isolado das agências).

um modelo mais justo, saudável e sustentável tem a ver com um equilíbrio de forças que supõe uma relação de parceria.

Comunicar é uma das oportunidades para mudar a forma como se faz concorrência no mercado. Porque essas práticas são resultado dos vícios que, por anos, foram sendo incorporados e enraizados.

Ao dizer a um cliente o que implica pedir uma campanha e peças criativas a uma agência em uma concorrência, ele se sente mais aberto a um novo processo que não implique em investimento. Então, o ponto fundamental é a maneira como olhamos para este problema.

Voltando àquelas entrevistas, e movida pela curiosidade de entender o porquê não se aposta em criatividade, apesar de desejá-la, eu até consigo compreender por que a concorrência virou essa especulação criativa generalizada.

Só que, ao mesmo tempo, lembro dos nossos vieses de decisão. E que um processo dessa natureza acaba não oferecendo as variáveis mais reais para uma decisão mais assertiva. Simplesmente porque, com frequência, a campanha solicitada tem que ser derivada a freelancers, já que a equipe da agência está ocupada com seus clientes.

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Outra variável que não ajuda é o fato de a agência ter que apostar, às cegas, em uma ideia que parece ser o que aquele cliente precisa. A concorrência com produção criativa acaba, na verdade, por oferecer as melhores variáveis para o cliente escolher uma agência de publicidade pelos motivos errados.

A capacidade criativa da agência sempre será importante, mas ela já é comprovada na etapa anterior, a de credenciais. Portanto, ao selecionar as três agências finalistas, elas já passaram por esse crivo e, para a etapa final, o objetivo já não é (ou não deveria ser) o de avaliar sua qualidade técnica criativa, mas sim o de entender com quem prefere trabalhar – tanto o cliente com a agência quanto a agência com o cliente.

Esse ponto é fundamental porque um modelo mais justo, saudável e sustentável tem a ver com um equilíbrio de forças que supõe uma relação de parceria. A escolha da nova relação é feita pelos dois lados.

CULTURA E TALENTO

Portanto, a etapa final de um processo mais equilibrado não deveria estar focada em medir como a agência faz uma campanha para um potencial cliente (que se desconhece), mas sim em simular relações reais de trabalho e ver com quem se prefere resolver problemas.

Negócios são feitos por pessoas e entender a conexão que se tem com determinados grupos oferece as variáveis reais para uma decisão assertiva.

A concorrência com produção criativa acaba, na verdade, por oferecer as melhores variáveis para o cliente escolher uma agência de publicidade pelos motivos errados.

O outro ponto a ser considerado é a cultura, um reflexo da forma como se trabalha. É muito curioso, mas neste modelo de Chemistry Meeting, que criei e já faço há 10 anos – e renomeio agora como Human Pitch Sessions –, as regras do jogo estão claras desde o início, tanto para o time de marketing quanto para as equipes das agências finalistas.

As dinâmicas e os tempos são os mesmos, mas o surpreendente é ver como cada cultura expressa sua forma de trabalhar. Nenhuma é igual a outra – e essa é a riqueza desse formato, porque permite avaliar a relação que mais oferece conexão. Porque mostra o que se faz, não o que se diz, ou apresenta (voltando ao início).

O processo é também mais sustentável para as agências, já que não tem custos de produção e permite que sua equipe (real) conheça o cliente com quem pretende trabalhar. Ao identificar essa conexão entre cultura e talento, a relação tem mais chance de ser saudável, produtiva e de longo prazo.

DECISÃO BILATERAL

Um processo pode ser visto como um indício de como uma relação será. Se a intenção é de parceria, o processo deve evidenciar isso. E exemplifico com uma história.

Há alguns anos, ao finalizar o processo para uma grande empresa de energia no Brasil, a equipe de marketing me ligou sugerindo comunicar o resultado de uma forma diferente. Estavam tão animados com a possibilidade da nova relação que queriam surpreender a equipe da agência com a decisão que eles haviam tomado.

A surpresa constava em um carro de Fórmula 1, seu famoso piloto que o dirigia até a agência, levando uma garrafa de champanhe e uma carta. Mas o mais relevante não era nem o carro, nem o piloto, nem o champanhe, nem a carta em si mesma, mas o que estava escrito nela:

“Vamos juntos nesta jornada?”

Esta pergunta convidava a uma decisão bilateral – se a agência também aceitava o desejo de parceria, mais do que uma decisão unilateral do cliente. É isso que representa um trabalho de parceria, quando se respeita e entende que um trabalho depende dos dois lados, não apenas de um (sim, a resposta da agência foi sim). 🙂

Este artigo é um convite para fazer mais do que falar. Só é possível mudar algo com a consciência de que algo deve ser mudado.

Vamos juntos?

* Valor calculado na reunião com o GAN (Grupo de Atendimento e Negócios), ao considerar o investimento de 1.542 horas, distribuídas por diretores, gerentes, coordenadores e assistentes das áreas de criação, atendimento, planejamento, mídia, BI e produção, assumindo um valor médio de R$ 200/ hora, além de investimento de R$ 100 mil em pesquisa e produção externa.


SOBRE A AUTORA

Graziela Di Giorgi é fundadora da consultoria Human/Rise. saiba mais