A era da nostalgia e dos remakes: o que está por trás do “saudosismo”?

Millennials e GenZs são mais vulneráveis aos apelos nostálgicos e mais propensos a buscar a sensação reconfortante que esses conteúdos proporcionam

Créditos: Universal Pictures/ Paramount Pictures/ Netflix

Selma A. Purac 4 minutos de leitura

Se você é um millennial ou um membro da geração Z e está sintonizado na atual mania de reboots, refilmagens, sequências e prequels, pode estar sentindo um pouco de fadiga da nostalgia e se perguntando: já não passamos por isso antes?

Desde a refilmagem de "Meninas Malvadas" até as sequências de "Megamente" e "Moana", o entretenimento popular parece estar enraizado na (re)fabricação da memória. E a prática de aproveitar memórias afetivas do passado para lucrar tem um nome: apelo à nostalgia.

A palavra nostalgia vem do grego nostos, que significa "volta ao lar", e algos, que significa "dor". Em outras palavras, a palavra nostalgia se refere à forma específica de dor sentida quando tentamos, mas não conseguimos, voltar para casa. Nostalgia é saudade de casa.

Quando nos envolvemos com mídia nostálgica, estamos, essencialmente, nos envolvendo com conteúdos que tentam "nos levar para casa" – que pode representar a infância, quando não éramos sobrecarregados com os problemas da vida adulta, ou um tempo em que tudo era (aparentemente) mais simples. O passado é visto como um refúgio do presente caótico.

Crédito: Paramount Pictures

Como Dorothy em "O Mágico de Oz", estamos batendo os calcanhares dos sapatos vermelhos e murmurando "não há lugar como o lar." Mas, como a própria palavra implica, não podemos voltar para casa.

SAUDADE DE CASA... E DO LUCRO

No dia 15 de maio, foi lançado o trailer do filme "Wicked". Seria mais um capítulo na saga do apelo à nostalgia? O filme é estrelado por Ariana Grande, uma figura que provavelmente desperta memórias nostálgicas naqueles que a viram pela primeira vez cantando e dançando em programas infantis. Mas a tendência do apelo à nostalgia não está restrita aos millennials e à geração Z.

Afinal, "Wicked" é a adaptação de um musical da Broadway de 2003, que por sua vez foi uma adaptação de um romance de 1995. Esse livro foi uma releitura baseada no clássico filme de 1939, "O Mágico de Oz", que foi adaptado do romance original de L. Frank Baum, de 1900. Além dessas obras mais notáveis, houve inúmeras outras releituras, remakes e revivals desde 1900.

Crédito: Universal Pictures

"Wicked" ilustra como a nostalgia tem sido uma estratégia da indústria cultural. Afinal, há uma lógica financeira em reciclar produtos, histórias e estilos já bem-sucedidos. Mas, se parece que a repetição do passado é mais intensa hoje, é porque há uma razão: as plataformas digitais tornam essa tendência mais presente para os usuários, especialmente os mais jovens.

Poucas horas após seu lançamento, o trailer de "Wicked" já havia circulado e sido reciclado na internet, sendo objeto de comentários e discussões, rapidamente percorrendo uma estrada digital de tijolos amarelos através do YouTube, do Twitter (atual X), do Instagram e do TikTok.

O orçamento de marketing do filme é projetado para garantir que ele se torne inescapável para qualquer pessoa online. É essa estratégia comercial em grande escala que ajuda a amplificar a onipresença da nostalgia hoje.

A fadiga nostálgica aguda que você pode estar sentindo está baseada no fato de que os millennials e a geração Z são os principais consumidores desse tipo de conteúdo digital.

ALÍVIO TEMPORÁRIO

Sabemos que a nostalgia pode oferecer alívio em tempos estressantes. Um estudo mostrou que, durante os primeiros dias da Covid-19, a nostalgia foi uma das ferramentas usadas para combater a solidão.

Em seu livro "Past Forward", o psicólogo Clay Routledge explica que a nostalgia pode agir como um exercício de conexão social: a mídia nostálgica enfatiza sua conexão com um passado coletivo e de preferências compartilhadas, podendo, portanto, reduzir o sentimento de isolamento.

"Stranger Things", da Netflix

Se você pertence a essas gerações, provavelmente passou pela fase de isolamento social durante a pandemia em seus anos formativos. Juntam-se a isso a ameaça da crise climática, sempre presente, e as pressões adicionais de saúde mental decorrentes do aumento do engajamento digital, além de sentimentos agudos de solidão.

Com tudo isso, faz sentido buscar uma fuga do presente se refugiando no passado – o desejo figurativo de "voltar para casa" é lógico e normal.

No entanto, respaldados por corporações bilionárias, os profissionais de marketing sabem que você – e outros membros das legiões de millennials e GenZs propensas à ansiedade – são particularmente vulneráveis aos apelos nostálgicos e mais propensos a buscar o bálsamo reconfortante oferecido por esse tipo de conteúdo.

NO PRESENTE

A nostalgia, em si, não é ruim, mas precisamos lembrar que tendemos a experimentá-la conforme foi repaginada para nós como ficções atraentes, em vez de realidades alcançáveis. Às vezes, ansiar pelo passado pode resultar em insatisfação com o presente.

"Um Tira da Pesada 4" (Crédito: Netflix)

O sentimento de dor está embutido na própria palavra: nostalgia é saudade – um conceito que evoca doença e enfermidade. Com isso em mente, se seu engajamento nostálgico resulta de uma decepção com o presente, use essas emoções negativas para motivar mudanças. E esteja sempre atento às forças que tentam explorar suas emoções nostálgicas para ganho próprio.

Em vez de se perder em devaneios saudosistas, pergunte-se o que há no passado idealizado que tanto te atrai e como você pode alcançar algo comparável no presente. Esse processo de reflexão pode permitir que você melhore o aqui e agora, em vez de buscar refúgio no passado. Afinal, até Dorothy voltou para o Kansas como uma pessoa mudada.


SOBRE A AUTORA

Selma A. Purac é professora assistente de estudos de mídia na Universidade Western. saiba mais