200 anos depois do mau gosto dos vitorianos, Rihanna resgata a moda para grávidas

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Serena Dyer 5 minutos de leitura

Há um momento durante a gravidez em que muitas mulheres abandonam seu guarda-roupa habitual e passam a usar roupas para gestantes. Mas, sejamos sinceras: são peças nada atraentes e que fazem com que deixemos de lado nossas preferências estéticas e gosto pessoal em prol do conforto. Esse é o caso para muitas grávidas, mas não para Rihanna, que trouxe um frescor para a moda gestante e ganhou a atenção do mundo.

Desde o anúncio de sua gravidez, em janeiro, ela dispensa as tradicionais calças com elástico e vestidos largos. Em vez disso, está usando a moda como uma plataforma para celebrar, exibir e abraçar as mudanças em seu corpo. Fez questão de não esconder a gravidez usando peças que deixam sua barriga à mostra, combinadas com roupas justas e que ressaltam suas curvas.

Com croppeds, jeans de cintura baixa e até mesmo retirando o forro de um vestido Dior para mostrar e celebrar sua barriga, Rihanna apresentou ao mundo um novo conceito de moda para gestantes e lançou um novo olhar sobre o corpo grávido.

DISFARÇANDO A GRAVIDEZ

Seja através de espartilhos ou de moletons folgados, a cintura das mulheres sempre foi fortemente policiada, sobretudo, durante a gravidez. Por isso, na maioria das vezes, as roupas para gestantes tentam, a todo custo, disfarçá-la. É bastante comum encontrar dicas de moda para grávidas com técnicas para esconder a barriga ou ensinando maneiras de aproveitar ao máximo todas as peças sem graça às quais nos limitam.

Crédito: Kevin Mazur/ GettyImages/ Fenty Beauty by Rihanna

Socialmente, a gravidez é tratada como um período de transição para as mulheres – um momento de abandono do apelo sexual da feminilidade e de aproximação de uma maternidade quase imaculada. 

A moda em si é fundamental para a construção da identidade de mulheres jovens. Mas, quando se trata de gestantes, sem dúvida, falta criatividade. Com peças sem graça que tentam esconder o corpo em vez de celebrá-lo, elas silenciam as peculiaridades, o estilo e a individualidade de cada mulher, limitando-as ao papel de mãe. Ser uma mãe sexy ou, acima de tudo, uma grávida sexy como Rihanna, desafia essa imposição binária de feminilidade.

Os responsáveis pela difusão dessa visão conservadora sobre o corpo feminino foram os vitorianos, “juízes” da moralidade na Inglaterra do século XIX. Seus valores morais limitavam as mulheres a um papel meramente doméstico e seu valor na sociedade era atribuído com base em sua pureza e submissão.

Os valores morais da era vitoriana limitavam as mulheres a um papel meramente doméstico.

Essa moral cristã influenciou até como a moda para gestantes era retratada, com eufemismos como “para jovens matronas” ou “para senhoras recém-casadas”. Em uma cultura puritana, onde o sexo era visto como algo que as mulheres “suportavam” com o objetivo exclusivo de se tornarem mães, a gravidez era uma constante lembrança do “pecado” necessário para ter filhos. Tratada como imprópria, sequer era retratada de forma direta na literatura médica. Mesmo nessa área, o assunto era abordado por eufemismos.

No entanto, para muitas mães, as taxas alarmantes de mortalidade infantil e o grande risco de aborto espontâneo faziam com que a gravidez fosse mais temida do que celebrada, sobretudo nos estágios iniciais. Resultava na perda de liberdade e poder sobre seus próprios corpos, assim que a gestação fosse publicamente anunciada. Quando se tornava visível, a mulher poderia perder o emprego, ser excluída de eventos sociais e confinada em casa. Portanto, escondê-la significava proteger sua independência.

Infelizmente, esse conservadorismo do século XIX influencia a moda para gestantes até hoje.

CELEBRANDO A GRAVIDEZ

A recusa de Rihanna de aderir à moda tradicional para grávidas se tornou o centro das discussões recentemente. Críticos classificaram suas escolhas como indecentes e disseram que ela estava “nua demais”, com sua barriga, na maioria das vezes, totalmente à mostra ou sob franjas ou tecidos transparentes.

Suas escolhas celebram a realidade do corpo grávido. Como ela disse à Vogue:

"Meu corpo está fazendo coisas incríveis agora, e não vou ter vergonha disso. É algo para se comemorar. Por que deveríamos esconder a gravidez?"

Assim como Beyoncé fez em 2017, a cantora de Barbados assume a posição de uma deusa moderna da fertilidade, cujo corpo deve ser venerado e celebrado, não escondido.

Mas, surpreendentemente, esse estilo e hábito de celebrar a barriga grávida também era popular entre os Tudors (casa real de origem galesa que governou o Reino da Inglaterra durante os séculos XV e XVI) e entre os georgianos (que reinaram entre 1714 e 1830).

Talvez uma das tendências que mais ressaltou a gravidez foi uma moda do ano de 1793, que consistia em usar enchimento sob o vestido, criando a ilusão de uma barriga maior. Embora seu propósito tenha sido contestado diversas vezes, na época era descrita como uma forma de imitar a gravidez.

Pintura de Marcus Gheeraerts, o Jovem, "Retrato de uma mulher em vermelho", 1620 (Crédito: Tate Modern)

Antes do século 19, a gestação era celebrada, retratada em quadros e refletida na moda. De 1580 a cerca de 1630, as “pinturas de gravidez” tornaram-se cada vez mais populares e passaram a ser vistas como um subgênero desta arte. O "Retrato de uma mulher de vermelho", de Marcus Gheeraerts, o Jovem, pintado em 1620, é um excelente exemplo dessa tendência.

Rihanna rompe com as noções vitorianas misóginas e absurdas de decência feminina que a sociedade insiste em reproduzir.

Em abril de 1793, um jornalista do The Sun narrou em um artigo: “estava de pé na loja de um de meus conhecidos quando uma gentil jovem entrou e pediu um enchimento. O homem então perguntou-lhe qual o tamanho: ela respondeu, cerca de seis meses”. As mulheres, ao longo da história, celebraram o poder e a beleza da gravidez.

Há algo bastante revigorante nas escolhas fashion de Rihanna. Ela rompe com as noções vitorianas misóginas e absurdas de decência feminina que a sociedade de hoje ainda insiste em reproduzir. Não se trata apenas de um novo horizonte para mulheres grávidas, mas sim de um ato feminista que nos liberta e nos possibilita vestir, exibir e experimentar nossos corpos da maneira que acharmos melhor, não importa como sejam.

A moda é uma grande parte de como expressamos nossas identidades, e a maternidade não deveria apagar quem somos. Então, se você está grávida, por que não abraçar algo um pouco mais ousado, um pouco mais a sua cara?


SOBRE A AUTORA

Serena Dyer é professora de história do design e cultura material na Universidade de Montfort. saiba mais