“A fotografia vive”, diz fotógrafo francês que registrou foto de Gabriel Medina

Jerome Brouillet conta sobre a jornada até a consagração nas Olimpíadas e, em tempos de IA, fala sobre a importância do olhar humano

Crédito: Jerome Brouillet/ AFP

Camila de Lira 11 minutos de leitura

O mar transformou o hobby de Jerome Brouillet em uma profissão séria. Depois de 10 anos de muitos caldos na água, sol no rosto e ondas impossíveis, o francês alcançou seu momento de glória nas Olimpíadas.

Se você não está lembrando do nome dele no quadro de medalhas do surfe, tudo bem. Ele não foi medalhista, nem competiu. Jerome é o fotógrafo responsável pelo clique de Gabriel Medina flutuando nas ondas de Teahupoo.

"É a prova de que a fotografia ainda vive", afirma o francês, de 38 anos, em entrevista à Fast Company Brasil. Mais do que isso, a foto é a prova de que a fotografia é viva. Não só o clique dependeu da experiência de Jerome como surfista e fotógrafo, como também do filtro crítico do editor de imagem da AFP, Andrew Caballero Reynolds.

Foi Reynolds quem aprovou a imagem entre centenas que retratavam a prova de Gabriel Medina. Uma imagem que o fotógrafo classifica como uma "pegada artística".

Conhecedor profundo das ondas de Teahupoo, Jerome usa sua experiência no surfe – e no skate, no ciclismo, na vela – no olhar para as imagens. Antes de chegar no Taiti, a fotografia era apenas um hobby, um hábito que vinha atrelado ao amor pelos esportes ao ar livre e ao mar.  

Estar no pico dos principais campeonatos de surfe impulsionou o francês a perseguir a fotografia profissional. Foram seis anos (e alguns caldos e lentes estragadas pelo sal) até seu trabalho chegar à capa de uma revista de surfe, em 2021. "Fui do barco dos fundos para a fileira da frente nas baterias de campeonato", conta.

No momento, Jerome vive a onda de aplausos e reconhecimento. No futuro, quem sabe para onde o vento vai levar? Se tem uma coisa que ele sabe fazer é seguir o fluxo.

Confira a entrevista completa:

FC Brasil – Você tirou uma das fotos mais icônicas das Olimpíadas, que chegou à marca de mais de um milhão de curtidas no Instagram. A imagem virou capa de caderno no Brasil. Passado o hype dos jogos olímpicos, qual o sentimento agora?

Jerome Brouillet – É um vortex de emoções. Já passei por várias, desde ficar grato até assustado com toda a atenção que estou recebendo. Estou absolutamente emocionado. Em poucos dias, a [cerveja] Corona me contatou e eu vim para Paris para tirar fotos com o Gabriel Medina. Não estava preparado para isso!

Ainda não estou rico. Essa foto não me deixou milionário! Mas me abriu novas oportunidades inimagináveis.

Crédito: Corona/ Divulgação

O mais importante é poder ser respeitado e reconhecido como fotógrafo. Não fiz curso de fotografia. Para mim, era difícil sentir a legitimidade de que sou um fotógrafo sem esse background.

Uma coisa é a sua família e seus amigos elogiarem suas fotos. Outra são profissionais da área, que eu uso como referência para os meus trabalhos, elogiando. Tem pessoas me pedindo dicas de quais lentes estou usando. Isso é fantástico!

FC Brasil – O que te deixou receoso em relação à repercussão da foto?

Jerome Brouillet – As mídias sociais podem ser bem rudes e duras nesses momentos. Estava com muito medo de passar por uma onda de comentários negativos. Tive até dificuldade para dormir nesses dias. A rapidez com que tudo viralizou, seria fácil de desandar. 

Para a minha surpresa, não foi o que aconteceu. Todos estão sendo muito gentis, inclusive me marcando nas fotos, me dando créditos. Tem pessoas me defendendo, falando que não é uma foto falsa e mostrando o momento que captei. É como se eu tivesse um time de apoiadores!

FC Brasil – Você é de Marselha, no sul da França, mas mora no Taiti há 10 anos. O que o fez ir para lá?

Jerome Brouillet – Minha namorada era parteira e tinha morado no Tahiti por dois anos. Ela sempre falava sobre o quanto queria morar lá novamente. Tanto que não teve dúvidas quando recebeu uma proposta de trabalho temporário por lá.

O mais importante é poder ser respeitado e reconhecido como fotógrafo.

Ela trabalharia por três meses e o nosso combinado era que eu ficaria esse tempo com ela, surfando e aproveitando o Taiti. Depois, voltaríamos para a França. 

Quando cheguei lá, me apaixonei pelo mar, pelo lugar, pelas pessoas. Tudo parecia surreal: as montanhas, as ilhas, as ondas. Não teve como, tínhamos que ficar ali. Nada mais fazia sentido. E lá estamos, há 10 anos. São os três meses mais longos da minha vida.

FC Brasil – Quais eram os planos, você queria ser fotógrafo?

Jerome Brouillet – Na verdade, não. Fotografia era um hobby, uma paixão. Eu tinha uma câmera esportiva que levava para tirar fotos de amigos e familiares. Às vezes usava para nos filmar surfando.

Em Marselha, gerenciava uma empresa distribuidora de produtos esportivos. Uma marca de capacetes para skatistas. Era bastante próximo desse público e dos esportes. Eu mesmo sou praticante dessas atividades ando de skate, de bicicleta, faço windsurf, surfo, velejo. Quando fui para o Taiti, queria me manter próximo desse mundo. A fotografia juntou tudo isso. 

FC Brasil – Como foi o processo para você se tornar fotógrafo profissional e assinar capas de revistas de surfe?

Jerome Brouillet – Tudo começou por causa de Teahupoo. Quando ia surfar na região, aproveitava para tirar muitas fotos. Depois passei a ir nos campeonatos que aconteciam lá. Existem outros profissionais fantásticos nesse esporte, não queria me impor a eles só porque morava ali. Comecei tímido.

No primeiro ano em Teahupoo, na verdade, eu perdi dinheiro. Tinha que pagar o barco para chegar nos picos que fazem as competições. Ia para os lugares sem ter contrato firmado, apenas para tirar fotos do campeonato. E, principalmente, porque sou apaixonado por surfe.

Nos primeiros anos, passei dias no sol para ter poucas fotos aproveitadas para venda. Eu colocava no meu Instagram, com esperança de que aquele espaço servisse como portfólio. Foram alguns anos até conseguir os primeiros contratos. Seis anos para conseguir a minha primeira capa de revista especializada!

Eu brinco que comecei tirando as fotos do campeonato lá do último barco e, com os anos, cheguei para a fileira de barcos da frente, com agências de imagens internacionais, como a AFP. 

FC Brasil – Quais os desafios de tirar fotos no mar?

Jerome Brouillet – Muitos! Fotografar em Teahupoo, especificamente, significa brigar com os elementos da natureza o tempo todo. Tem a chuva, tem o sol queimando o seu rosto e o equipamento. Tem água salgada entrando nas lentes da câmera. Ou borrando, alterando o foco. Tem que equilibrar tudo isso. E sem tomar caldo!

Crédito: Jerome Brouillet/ AFP

Teahupoo não tem comparação, cada vez que vou lá é uma atmosfera diferente. Você consegue tirar fotos completamente distintas em dois dias. As ondas mudam, a luz muda.  É um dos meus lugares favoritos, porque não tem como se entediar. 

FC Brasil – Quando você teve a certeza de que a fotografia era o caminho certo a seguir?

Jerome Brouillet – Na verdade, não foi por conta de fotos de surfe, mas de mountain biking. Um antigo cliente francês me falou de um projeto de fotografar mountain biking em alguns lugares na Polinésia Francesa e na Nova Zelândia. Para ele, eu era perfeito para o trabalho porque não era um fotógrafo ruim e também não era um ciclista ruim. 

Foi transformador fazer esses trabalhos. Filmei, fotografei, carreguei equipamento, fiz ciclismo. Fiz um pouco de tudo. Foi uma aventura que deu muito certo. Ali, subindo a montanha das ilhas Marquesas, entendi que estava fazendo a coisa certa. 

FC Brasil – Além da imagem do Gabriel Medina que viralizou, qual a fotografia do seu portfólio que mais gosta?

Jerome Brouillet – Esta que tirei em 2021, do surfista Matahi Drollet, que se tornou capa da "Surf Session", uma revista francesa especializada. Essa foi uma das maiores ondas de Teahupoo, o Matahi tinha demorado oito horas esperando por ela. Foi minha primeira capa. 

Tirei a foto com ângulo aberto, assim como a do Medina, para captar toda a grandiosidade da onda, que era realmente gigante. A ideia é propor para o espectador ver tudo o que é possível da onda: desde o tubo até onde o surfista sai. Normalmente, as fotografias esportivas são em close.

Mas, quando vi o tamanho dessa onda, percebi que tinha que dar essa visão ampliada. Para o surfista foi uma onda especial, para os locais foi um momento especial e, para mim, acabou sendo também.

FC Brasil – Um ponto que chama atenção nos seus trabalhos é a proximidade que tem com a paisagem. Qual a sua relação com a natureza e com o mar?

Jerome Brouillet – Minha família tem um pequeno veleiro em Marselha. Dei os primeiros passos dentro do barco. Cresci no mar. Minhas primeiras memórias de infância envolvem estar no barco ou no mar. Estar no mar é sentir na pele o quanto a natureza nos dá: a água, o vento, o sol. É livre, puro, silencioso.

Não importa o que esteja fazendo na água, se é mergulhando, surfando, nadando ou só relaxando. O sentimento é de encantamento pela força da natureza.

FC Brasil – Outra imagem que você fez circulou bastante durante as Olimpíadas: a da baleia pulando, durante a série da brasileira Tatiana Weston-Webb. 

Jerome Brouillet – É sempre muito especial ver animais como a baleia ao vivo. Ver as baleias nadando com você. Elas estão nadando com a gente e não o contrário. O mar é delas, estamos apenas pedindo licença para usar o espaço ali. Elas te aceitam na água. É algo fantástico de sentir, de olhar.

Crédito: Jerome Brouillet/ AFP

Quando a baleia pula, é como se tudo estivesse em câmera lenta. Tenho muito respeito por esse ambiente, por isso tenho como objetivo mantê-lo intacto. A Polinésia Francesa e as pessoas de lá me deram tanto. Tenho muita gratidão, inclusive pelos profissionais que me apoiaram para chegar lá. 

FC Brasil – Esse espírito de colaboração e de gratidão pelas pessoas é algo que vimos bastante durante as Olimpíadas. Foi um clima que se repetiu nos bastidores?

Jerome Brouillet – Com certeza. No surfe, os fotógrafos estão todos no mesmo barco. Literalmente (risos). Dividimos espaço nas embarcações, muitas vezes compartilhamos equipamentos, sinal de internet ou coletes. Mesmo para fotógrafos de "agências rivais". No surfe somos como pequenas famílias. 

Existe toda uma visão sobre o surfe como esporte de que não somos competitivos, mas existe competição e rivalidade também. É que o surfe parece muito mais cool do que os outros [esportes] porque a maioria dos atletas ama muito o que faz. Surfamos porque gostamos. 

Crédito: Jerome Brouillet/ AFP

FC Brasil – Voltando ao surfe, e às Olimpíadas, quando você soube que a foto do Gabriel Medina valia uma medalha de ouro?

Jerome Brouillet – Tudo aconteceu rápido. Sabia que o [Gabriel] Medina ia fazer algum tipo de comemoração depois daquela onda. Foi a melhor do dia. Todos os fotógrafos sabiam. Estávamos com a câmera focada no fundo da onda, esperando o pulo. Eu calhei de estar focando no lugar certo.

Tirei oito fotos daquele momento. Mandei duas para a agência diretamente do barco, não teve muito tempo entre uma série e outra. Optei por essa porque achei a celebração do Gabriel, com o dedo para cima, muito divertida. Imaginei que faria algum sucesso por ter esse elemento de entretenimento.

Tenho muito a agradecer ao olhar do meu editor. Essa foto não tem tanto o elemento do surfe ou do esporte. É uma foto de composição artística.

Mas não foi uma escolha óbvia para mandar. Tenho muito a agradecer ao olhar do meu editor. Foi arriscado para mim e para o editor, na verdade. Porque essa foto não tem tanto o elemento do surfe ou do esporte. Ela não conta como foi a competição, por exemplo, que é o que as agências de notícias procuram nas fotografias olímpicas. É uma foto de composição artística.

Mandei a foto e segui trabalhando. Duas horas depois, a competição foi interrompida e voltei junto com os outros colegas. Não tinha sinal de celular. Foi o barco chegar próximo da ilha que as notificações começaram a apitar sem parar. Eram avisos de mensagem, de e-mails e de seguidores no Instagram.

Já tinha cinco ou seis pedidos de entrevista no e-mail. O que, devo confessar, não é algo comum. Nunca tinha dado entrevistas. E inglês não é minha língua nativa. Muitos estavam me ligando e eu só conseguia me perguntar: como eles conseguiram o meu número?

Crédito: Jerome Brouillet/ AFP

FC Brasil – Em um momento no qual se fala sobre mais conteúdo em vídeo e mais imagens criadas por inteligência artificial, que mensagem essa foto passa?

Jerome Brouillet – Sendo sincero, nem olhei para a foto com todos os detalhes na hora que tirei. Só fui perceber os detalhes de textura e de luz depois, quando olhei para telas maiores.

Acho que ela é a prova de que a fotografia ainda vive. Porque não daria para captar essa cena com um vídeo, precisava ser em foto. Não daria para pegar, nem dando pause de frame por frame. Precisava do olhar da pessoa que estava ali – e de uma outra pessoa, na edição.

    FC Brasil – Daqui para frente, o que imagina para a sua carreira?

    Jerome Brouillet – Falei para minha namorada que, se tudo parasse agora e a vida voltasse ao normal, eu já teria passado por momentos inesquecíveis. O resto é extra. Vamos ver como será a resposta daqui a um ano, ou dois anos. Estou apreciando o momento.


    SOBRE A AUTORA

    Camila de Lira é jornalista formada pela ECA-USP, early adopter de tecnologias (e curiosa nata) e especializada em storytelling para n... saiba mais