A IA chegou a Hollywood, mas ainda não é tudo aquilo que se esperava

Estamos longe de conseguir gerar um filme com um único prompt

Créditos: Rafal Maciejski/ Pexels/ IFC Films

Ryan Broderick 4 minutos de leitura

O novo filme de terror “Tarde da Noite com o Diabo” (“Late Night With the Devil”, no original) estreou nos cinemas norte-americanos no dia 22 de março e atraiu um grande público logo no primeiro final de semana.

O longa parecia destinado a se tornar o grande sucesso do cinema independente de 2024. Mas essa expectativa foi frustrada quando surgiu a notícia de que IA generativa havia sido utilizada.

Não demorou muito para os espectadores perceberem o uso da inteligência artificial no filme e a rede social especializada Letterboxd acabou sendo inundada por críticas negativas. Mas a maneira como a IA foi usada é interessante porque destaca um aspecto muitas vezes ignorado dessa tecnologia: até agora, ela tem sido utilizada de forma bastante banal.

Quando se ouve falar do uso de IA em um filme de terror, é natural pensar que ela substituiu os efeitos práticos ou CGI tradicionais – mas, esse não é o caso. “Tarde da Noite com o Diabo” é repleto de sangue, gosma e objetos levitando. Mas as imagens geradas aparecem apenas brevemente em tela.

Crédito: IFC Films

A trama se passa na noite de Halloween de 1977 e acompanha um apresentador de um programa de entrevistas que acaba invocando um demônio ao vivo na televisão. A estrutura do filme é similar à de um episódio de um talk show e cortes para intervalos comerciais ocorrem em diferentes momentos.

Durante esses intervalos, as imagens geradas por inteligência artificial são usadas como transição. São apenas imagens com estética retrô de esqueletos com o nome fictício do talk show escrito nelas.

encontrar artistas de verdade que estejam dispostos a usar ferramentas de IA é difícil.

Doug Shapiro, consultor de mídia e analista, observa que a IA generativa está sendo mais comumente usada em instâncias de relativamente baixo risco durante a pré e pós-produção.

“Em vez de gastar rios de dinheiro em storyboard e animações e pagar artistas talentosos para passar 12 semanas criando um conceito, agora você pode simplesmente chegar na reunião de pitch com a arte conceitual pronta, feita da noite para o dia.”

Os estúdios também começaram a usar IA para retocar as marcas de expressão dos atores ou corrigir imperfeições no rosto que podem passar despercebidas durante as filmagens. Em ambos os casos, os espectadores podem nem perceber que estão vendo algo que foi alterado por uma inteligência artificial.

QUESTÃO DE TEMPO

Shapiro acredita que o uso de IA aumentará conforme os estúdios se acostumam mais com a tecnologia. Também acredita que a reação contrária a ela provavelmente é temporária. “Esse tipo de reação natural tende a diminuir com o tempo”, diz ele. “Vai ficar cada vez mais difícil distinguir onde acabam os efeitos criados por humanos e onde começa a IA.”

É claro, isso pressupõe que a inteligência artificial ficará cada vez melhor e que os sindicatos permitirão que os estúdios continuem a usá-la. Em 2023, as greves dos roteiristas e dos atores foram inspiradas por uma série de desafios enfrentados pela indústria do entretenimento, com a IA sendo citada como a principal preocupação.

Ambos os sindicatos conseguiram negociar proteções básicas contra a invasão da tecnologia em suas fontes de renda. Mas isso não impediu o avanço da tecnologia. Em 2021, a Marvel criou réplicas geradas por inteligência artificial de figurantes para usar no fundo de algumas cenas de “WandaVision”.

Crédito: Marvel Studios

No ano passado, em “Invasão Secreta”, o estúdio usou um modelo personalizado do Stable Diffusion treinado em obras de arte originais para produzir a abertura da série. E no início de 2024, em “True Detective: Night Country”, da HBO Max, foram usados pôsteres gerados por IA em uma cena.

Em fevereiro, R. Lance Hill, roteirista do “Matador de Aluguel” original, processou a Amazon Studios, acusando a empresa de violação de direitos autorais e alegando que o estúdio usou inteligência artificial para fazer a substituição automatizada de diálogos durante a greve dos atores. Nenhum desses exemplos é particularmente empolgante dessa tecnologia supostamente revolucionária.

os espectadores podem nem perceber que estão vendo algo que foi alterado por uma inteligência artificial.

“Acho que as pessoas que tomam essas decisões só se preocupam com ‘ok, precisamos contratar uma pessoa extra para fazer tal coisa? Não? Ótimo. Vamos com a opção mais barata”, diz Zach Silberberg, produtor e editor de TV.

No entanto, encontrar artistas de verdade que estejam dispostos a usar ferramentas de IA é difícil. As principais plataformas de compartilhamento de arte enfrentaram uma tremenda reação negativa dos usuários por permitir arte gerada por inteligência artificial.

Além disso, agora existe uma nova tecnologia, chamada Nightshade, que os artistas estão usando para impedir que suas obras sejam usadas para treinar IA generativa.

Crédito: HBO

A maioria das artes geradas que vemos online não vem de artistas de verdade, mas sim de pessoas que pagam pelo selo de verificação no X/ Twittrer e publicam newsletters sobre tecnologia no Substack.

No entanto, o designer gráfico e pioneiro da arte digital Rob Sheridan vem fazendo experimentos com ferramentas como o Midjourney desde o seu lançamento.

Na visão dele, uma grande parte da reação negativa contra a inteligência artificial em Hollywood é causada pelas próprias empresas de tecnologia e pelos estúdios, que afirmam que ela um dia será capaz de produzir um filme a partir de um único prompt.

Mas Sheridan diz que já é óbvio que a tecnologia de IA nunca funcionará sem pessoas que saibam como integrá-la às formas de arte existentes, seja um pôster ou um longa-metragem.


SOBRE O AUTOR

Ryan Broderick é jornalista e escreve sobre tecnologia e cultura cibernética. saiba mais