Alimentada com 180 mil obras de arte, IA é nova estrela do MoMA

Unsupervisioned atinge novos patamares no que é possível com a IA criando um “ser” que sintetiza milhares de obras de arte

Crédito: Refik Anadol

Jesus Diaz 4 minutos de leitura

Da mesma forma como um pintor usa pigmentos, Refik Anadol usa dados para criar sua arte. Depois de conhecer suas obras – que foram pioneiras em usar inteligência artificial por anos – podemos dizer que as redes neurais são seus pincéis. Sua mais recente exposição no Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMA), Unsupervisioned, é o ápice dessa filosofia.

A grandiosa instalação – uma impressionante tela digital de 7,3 por 7,3 metros que preenche todo o saguão do museu – exibe um fluxo infinito de imagens animadas, cada uma delas criadas por um modelo de inteligência artificial alimentado por toda a coleção de obras de arte do MoMA. Esse fluxo é controlado pelo que acontece ao redor, fazendo com que a peça pareça ter vida.

É difícil descrever o fascínio que o Unsupervisioned provoca, a menos que você o veja em ação. Ele impressiona com seu tamanho, mas seu conteúdo também é incrivelmente atraente: um fluxo de imagens fantásticas se materializando e se transformando umas nas outras, como se estivéssemos assistindo a um ser interdimensional em constante evolução.

Crédito: Refik Anadol

Unsupervisioned, para Refik Anadol, é um portal para um novo universo alternativo criado por algum deus da IA que age por vontade própria (daí o nome da exposição, “não supervisionado”, em português).

Para compreender como ele funciona, é preciso entender os dois métodos principais com os quais as inteligências artificiais aprendem a fazer sua mágica. Na aprendizagem supervisionada – como é o caso do Dall-E –, as IAs são treinadas usando dados sinalizados com palavras-chave. Em linhas gerais, essas palavras-chave (como “homens carecas de óculos” ou “cachorros brancos fofos”, por exemplo) permitem que ela organize conjuntos de imagens semelhantes.

Quando se insere um prompt, ou comando, em um gerador de imagem (como “cachorro fofo usando óculos”), a IA cria uma imagem nítida, com base no que aprendeu com todos aqueles dados que recebeu sobre cachorros fofos.

Crédito: Refik Anadol

Mas a IA não supervisionada de Anadol funciona de maneira diferente. Ela precisava dar sentido a todo o acervo do MoMA por conta própria, sem ter acesso a palavras-chave.

Ao longo de seis meses, o software criado pelo artista e sua equipe, com a ajuda de engenheiros da Nvidia, foi alimentado com 380 mil imagens de altíssima resolução de mais de 180 mil obras de arte do MoMA, incluindo obras de Pablo Picasso, Umberto Buccioni e Gertrudes Altschul.

Os resultados impressionaram a todos. “Essa parte foi tão inspiradora para os curadores”, conta Anadol. “Quando eles viram que a IA poderia criar novos mundos a partir deste acervo de 200 anos... deu para ver o espanto em seus rostos.”

Crédito: Refik Anadol

UNSUPERVISIONED ESTÁ VIVO?

Construir a rede neural e desenvolver o modelo de treinamento para o Unsupervisioned é apenas uma parte da história. Outra parte importante é como ele cria imagens em tempo real – uma conquista tecnológica por si só.

Para começar, ele tem uma resolução bastante impressionante para os padrões de hoje. Com 3.840 por 3.960 pixels, é provavelmente a rede neural de síntese de imagem de maior resolução já criada.

Para efeito de comparação, uma resolução típica de imagem do Stable Diffusion é de 512 por 512 pixels. O StyleGAN da Nvidia – a IA que serve de base para o trabalho de Anadol e sua equipe – normalmente roda em 1.024 por 1.024.

Mas o mais impressionante é que o Unsupervisioned produz imagens em tempo real, em um movimento constante. Quando você digita um prompt no Stable Diffusion, ele leva alguns segundos, ou até minutos, para produzir uma imagem. Mas esta IA faz isso na hora e com a fluidez que se espera de efeitos especiais produzidos por um grande estúdio de animação.

Outra camada de complexidade do Unsupervisioned é a maneira como a IA decide mudar as imagens em tempo real. Para gerar cada uma, o computador considera constantemente duas informações do ambiente. Primeiro, ele analisa os movimentos do público, capturados por uma câmera instalada no teto do saguão. Depois, se conecta aos dados meteorológicos de Manhattan, obtidos por uma estação meteorológica em um prédio próximo.

Esses dados são interpretados pelo software e afetam a maneira como as imagens são criadas. O autoajuste constante torna o Unsupervisioned ainda mais parecido com um ser real, uma entidade incrível que reage ao seu ambiente e altera constantemente sua forma, produzindo uma nova obra de arte.

Quem sabe, talvez este ser de arte artificial viva para sempre. Anadol diz que o Unsupervisioned pode se tornar uma obra permanente do acervo do MoMA. Afinal, é uma síntese de toda a coleção do museu, a personificação do próprio MoMA com vida própria.

O Unsupervisioned cria uma nova arte a partir de dados, mas estes dados sempre foram arte em si. Em outras palavras, as obras alimentam esse artista artificial, adicionando algo novo ao acervo do museu a cada momento.

O processo é um ciclo tão alucinante que é capaz de, realmente, abrir um portal para um novo universo.


SOBRE O AUTOR

Jesus Diaz fundou o novo Sploid para a Gawker Media depois de sete anos trabalhando no Gizmodo. É diretor criativo, roteirista e produ... saiba mais