Amazon processada por dificultar cancelamento de assinatura. Não é a única

O processo da FTC contra a Amazon é um passo importante para acabar com o inferno dos clientes que só querem cancelar suas assinaturas

Crédito: Thibault Penin/ Unsplash/ Trifonenko/ iStock

Jesus Diaz 4 minutos de leitura

A Comissão Federal de Comércio dos EUA (FTC, na sigla em inglês) decidiu processar a Amazon pela utilização de “padrões obscuros”. Os chamados dark patterns são truques mal-intencionados de interface digital, que fazem uso dos princípios da ciência comportamental para criar experiências de usuário que manipulam os consumidores.

Se você já se sentiu em um labirinto de telas, abas, menus e mensagens coercitivas aparentemente projetadas pelo próprio demônio, sabe do que estou falando. Se não está entendendo, então tente cancelar sua assinatura do Amazon Prime e você vai sentir na pele o que quero dizer.

A melhor palavra para descrever o processo de cancelamento de assinatura do Prime é “labiríntico”.

A FTC está acusando a Amazon de usar estratégias de design enganosas em seu serviço Prime, para atrair e manter os consumidores. A alegação é de que há dois tipos de padrão obscuro: primeiro, a Amazon manipularia as pessoas para se inscreverem em uma assinatura Prime, dificultando a conclusão de compras sem realização da assinatura. Em segundo lugar, é extremamente difícil para os usuários fazer o cancelamento.

Esse processo judicial não é apenas uma investida contra a gigante do varejo na web, mas a primeira batalha de uma guerra que se aproxima contra as práticas enganosas e ardilosas que atormentam os mercados e negócios online há muito tempo.

“A FTC já tinha anunciado, no final de 2021, que assumiria uma posição mais forte contra o uso de padrões obscuros no comércio eletrônico, então não estou surpreso com essa ação de fiscalização”, declarou Jeffrey Roberts, sócio da empresa de mercados futuros Dive Without Fear.

ESTRATÉGIA DE VENCER PELO CANSAÇO

As assinaturas de serviços online cresceram nos últimos 10 a 15 anos. Hoje, a maioria das pessoas está inscrita em pelo menos um bem ou serviço. A Apple e a Microsoft dependem de assinaturas para grande parte de sua receita. O software profissional da Adobe e toda uma infinidade de aplicativos de celular também funcionam por meio de assinaturas.

Para não perder esses contratos lucrativos, muitas empresas fazem tudo ao seu alcance para evitar o cancelamento. Basicamente, eles usam táticas de design enganosas que fazem de tudo para cansar o cliente.

O processo serve para estabelecer um precedente, alertando a indústria de que práticas enganosas não serão toleradas.

“Estão apenas desgastando o consumidor. Em vez de possibilitar o cancelamento em apenas um passo, eles acrescentam 10 passos e tornam esses 10 passos difíceis de encontrar”, descreve Harry Brignull, fundador da iniciativa Deceptive Patterns.

A melhor palavra para descrever o processo de cancelamento de assinatura do Prime é “labiríntico”. E isso é tão óbvio que a própria Amazon deu um nome ao seu fluxo do usuário: o fluxo da Ilíada.

O Wall Street Journal relatou em matéria recente que a FTC descobriu que a Amazon criou um “processo de cancelamento de quatro páginas, seis cliques e 15 opções” e o batizou em referência ao enorme poema de Homero.

Eles acrescentam que a empresa mudou a experiência para alguns assinantes em abril, “pouco antes de a FTC abrir o processo.” A FTC alega no processo que a Amazon tinha consciência de que suas políticas eram “legalmente indefensáveis”.

SINAL DE ALERTA

De acordo com Roberts, esse processo demorou muito para acontecer e foi uma jogada ousada, dada a proeminência da Amazon. Ele acredita que a agência reguladora deve ter se envolvido em considerações e análises significativas antes de prosseguir. Ainda assim, não está claro se o processo chegará ao tribunal.

Roberts acredita que a questão será resolvida logo porque, caso contrário, a Amazon se encontrará em uma posição vulnerável: “Se a ação chegar a um tribunal, os padrões obscuros poderão ser facilmente explicados a um juiz ou júri. Qualquer pessoa que já comprou algo online já experimentou lidar com designs semelhantes, mas menos nefastos”, diz ele.

Os chamados dark patterns são truques mal-intencionados de interface digital usados para criar experiências de usuário que manipulam os consumidores.

O ônus da prova da FTC é bastante alto para mostrar que o design da Amazon foi intencionalmente enganoso. “A questão aqui é que, em um tribunal, quando alguém vê a interface apresentada passo a passo, pode não achar tão horrível assim”, diz ele.

“Mas, na vida real, quando você está navegando para comprar algo – especialmente em uma pequena tela de celular – o texto propositadamente pequeno dos termos e condições parece desaparecer no fundo. Isso se você rolar a página até lá.”

O caso não precisa ir a litígio para gerar impacto cultural. Este processo não é apenas sobre a Amazon, mas serve para estabelecer um precedente, alertando a indústria de que práticas enganosas não serão toleradas.

O mercado online está repleto de padrões obscuros, e a Amazon não é a única culpada. Basicamente, todas as grandes empresas os usam, da Apple ao Facebook e à Microsoft. Até plataformas menos suspeitas, como a do jornal The New York Times, adotam essa prática condenável.

“Isso vai estimular outras empresas a auditar suas plataformas para detectar problemas semelhantes. O design da experiência do cliente, particularmente no comercio digital, se baseia, em grande parte, no esforço para aumentar as vendas. Mas, quando esses esforços se tornam deliberadamente ambíguos ou intencionalmente confusos, temos um problema”, diz Roberts.


SOBRE O AUTOR

Jesus Diaz fundou o novo Sploid para a Gawker Media depois de sete anos trabalhando no Gizmodo. É diretor criativo, roteirista e produ... saiba mais