Artistas ensaiam protestos contra arte criada por inteligência artificial

As hashtags se tornaram uma forma de protesto silencioso e o grito de guerra de artistas conceituais e ilustradores de todo o mundo

Crédito: Fast Company Brasil

Elissaveta M. Brandon 5 minutos de leitura

Não muito tempo atrás, a maioria dos posts no Instagram vinha acompanhada da hashtag #nofilter (sem filtro). Esse movimento foi um ato de rebelião contra o uso indiscriminado de filtros – o verniz de perfeição perpetuado pelas redes sociais – no qual influenciadores postavam fotos não editadas e celebridades posavam para selfies sem maquiagem.

A popularidade das imagens geradas por inteligência artificial levou a discussão para outro patamar. A questão não é mais se a pessoa aumentou o brilho ou ajustou o contraste da imagem. Agora, a pergunta é se alguém realmente tirou aquela foto ou criou a obra de arte.

A qualidade das imagens geradas por IA está cada vez melhor. Isso é, ao mesmo tempo, incrível e alarmante.

A ascensão meteórica dos sistemas generativos de IA, como o DALL-E ou o Midjourney, provocou outro tipo de revolta na comunidade criativa. E que melhor maneira de protestar contra essa nova onda do que com outra hashtag?

A hashtag #Artbyhumans (#ArteCriadaPorHumanos) ainda não atingiu as proporções gigantescas da anterior #nofilter. Mas resume a indignação atual tão bem quanto sua precursora quando surgiu. Além dela, outras também estão sendo usadas, como #notoaigeneratedimages (#NãoAArteGeradaPorIA), #humanart (#ArteFeitaPorHumano) e #noAI (#SemIA).

Essas hashtags se tornaram uma forma de protesto silencioso e o grito de guerra de artistas conceituais e ilustradores que se sentem afetados e, em alguns casos, ameaçados pela popularidade esmagadora da IA.

Um artista conceitual de Amsterdã, que pediu para ser chamado por seu nome artístico, Diepfris, começou a usar a hashtag em setembro. No início, ele escrevia #noAI em algumas de suas postagens, mas não gostava muito da mensagem negativa que a hashtag transmitia; #artbyhumans era “muito mais elegante”, diz ele.

Diepfris trabalhou como designer industrial por mais de 10 anos antes de produzir artes para jogos. Seu Instagram é repleto de veículos e máquinas de ficção científica meticulosamente desenhados à mão, que parecem uma mistura de “Blade Runner” com “Star Wars”.

Um ano atrás, pouca gente que visse seus trabalhos teria questionado se foram desenhados por uma pessoa de verdade. Hoje, não dá para culpar quem acredita se tratar de inteligência artificial. “A qualidade das imagens geradas por IA está cada vez melhor, e isso é ao mesmo tempo incrível e alarmante”, afirma o artista.

a IA ainda não é capaz de processar conceitos complexos nem tem a habilidade de refinar conceitos técnicos.

Como muitos outros em sua área, ele teme que a IA um dia seja capaz de produzir imagens a partir de briefings complexos e tornar obsoleto o trabalho de artistas conceituais. “A arte conceitual como profissão acabaria e muitas pessoas ficariam sem trabalho.”

No entanto, nem todo mundo compartilha desse ponto de vista. De acordo com Grant Regan, um artista conceitual e ilustrador que mora em Melbourne, na Austrália, a IA não é capaz de processar um conceito complexo como um ser humano, tampouco tem a habilidade de refinar conceitos técnicos.

Quando Regan trabalha com clientes, ele diz que precisa encontrar formas de conciliar opiniões divergentes, o que resulta em um vai e vem de ideias e propostas que requer mediação, empatia e muita paciência.

“Tentar conciliar a orientação e feedback do cliente usando um aplicativo como o Midjourney ou o Stable Diffusion não seria viável”, diz ele.

Sua maior preocupação não é a ameaça que a IA pode representar para sua carreira, mas sim o fato de o algoritmo usar o trabalho de outros artistas para criar uma obra sem permissão. “Há uma mesmice superficialmente atraente, mas, como arte, frequentemente fica aquém”, diz ele.

Na verdade, ele usa a hashtag #artbyhumans para celebrar a qualidade e a intencionalidade de seu trabalho, e também para deixar claro para clientes em potencial que, se o contratarem, terão “alguém com as habilidades artísticas e de design necessárias para atender aos seus requisitos”.

Para muitos artistas, a hashtag reflete o desejo de diferenciar suas obras das imagens geradas por IA que inundam as redes sociais. Mas, de certa forma, também sugere um certo nível de rendição – um reconhecimento velado de que a tecnologia se tornou tão boa que, sem o aviso de que se trata de uma criação humana, o público pode perfeitamente achar que não é.

Para muitos artistas, a hashtag reflete o desejo de diferenciar suas obras das imagens geradas por IA que inundam as redes sociais.

Em um mundo onde as máquinas podem produzir obras tão convincentes, como os humanos podem se destacar?

Jim Rowden, um artista digital de Fox Island, no estado de Washington (EUA), começou a usar a hashtag #artbyhumans depois de notá-la em publicações de um colega. Ele disse que estava preocupado e com raiva, mas também com ciúmes da IA.

“Passei quatro anos estudando arte na faculdade e, por vários motivos, desisti de seguir a carreira de ilustrador”, conta. “Agora, quando tenho a oportunidade de focar novamente em projetos criativos, as máquinas podem fazer o meu trabalho sem muito esforço e as pessoas estão empolgadas com isso.”

O artista diz se sentir forçado a competir com a enxurrada de imagens geradas por IA. “Como produzir algo que uma máquina não consegue? No passado, eu tinha muita dificuldade de criar artes que contassem uma história, com sentimento e emoção. Agora sinto que preciso quadruplicar meus esforços.”

Como tantos outros, Rowden encontra conforto no fato de que sempre haverá um público para “arte criada por humanos”. Adicionar a hashtag em seus trabalhos é apenas uma maneira sutil de dizer “Ei! Estou aqui! E agradeço por você também estar.”


SOBRE A AUTORA

Elissaveta Brandon é colaboradora da Fast Company. saiba mais