Brechós criam vitrine para moda do futuro

Mercado de roupas de segunda mão cresce no Brasil, ganha novos modelos de negócio e preconiza a mudança para o consumo sustentável do setor

Créditos: welcomeinside/ D. Lentz/ iStock

Camila de Lira 5 minutos de leitura

As araras do brechó encantam consumidores que buscam sustentabilidade, individualidade e aquele preço que cabe no orçamento. O espaço passou a atrair os grandes varejistas de moda que já perceberam que, ali, no meio dos achados, há inovação e novos modelos de negócio.

Dados da thredUP, em parceria com a GlobalData, indicam que o mercado de vestuário de segunda mão vai dobrar até 2027, chegando a US$ 350 bilhões. No Brasil, a expectativa é de um crescimento da ordem de 15% ao ano até 2030, quando pode ultrapassar o valor de mercado das marcas de fast fashion, aponta o estudo da BCG Economics.

Se é pre-owned, second hand ou seminovo, não importa. Por aqui, o movimento é liderado por uma série de players, desde os mais de 120 mil brechós espalhados pelo país até plataformas de e-commerce que se tornaram gigantes, embasadas na venda daquela peça de roupa que não usamos mais.

Uma delas é o enjoei. Criada em 2009, a empresa é um marketplace de revendedores de produtos seminovos. No final do ano passado, a companhia comprou a rede de brechós infantis Cresci e Perdi, em um claro movimento de força deste segmento. Em paralelo, companhias como Arezzo, Renner e Dafiti investem em empresas de revenda de roupas.

De acordo com Ana Luiza McLaren, cofundadora e presidente do conselho de administração do enjoei, 56% dos brasileiros já fizeram pelo menos uma transação (compra ou venda) de artigos usados. “A cultura de passar adiante peças de roupa, calçados, brinquedos sempre existiu no Brasil, mas dentro de círculos mais próximos, entre famílias e amigos”, diz a executiva.

Ana Luiza McLaren, do enjoei (Crédito: Germano Lüders)

Quem costuma comprar de segunda mão tem 12% do guarda-roupa ocupado por peças que já tiveram outro dono. “E o mais promissor é que há intenção de aumentar esse percentual, alcançando 20% já em 2025, o que representa um mercado potencial de R$ 24 bilhões”, comenta Ana Luiza.

A busca pela palavra “brechó”, por exemplo, mais do que duplicou no Brasil no último ano, de acordo com a plataforma SemRush. Segundo Danilo Martinho, COO do Repassa, plataforma de revenda de roupas de segunda mão da Renner, o sistema recebeu mais de 13 milhões de visitas no ano passado. “O Brasil nunca esteve tão conectado à cultura de brechó”, afirma.

Para a fundadora e CEO da plataforma de moda circular TROC, Luana Toniolo Domankoski, a moda second hand cresce no Brasil também porque, nos últimos anos, houve um reposicionamento. “Antes, ir ao brechó era algo pejorativo. Hoje em dia é cool”, argumenta.

INOVAÇÃO NAS PRATELEIRAS

Não é fácil crescer de maneira exponencial com um negócio de revenda de produtos usados. Embora não tenha que confeccionar as roupas, um brechó de qualidade precisa garantir a usabilidade, a higienização e a curadoria das peças. Sistemas que, até pouco tempo atrás, eram quase artesanais.

O Repassa, que foi comprada pela Renner em 2021, por exemplo, realiza busca por imagens para localizar em poucos segundos os itens pesquisados pelos consumidores no estoque de peças de vestuário e acessórios mantido pela varejista.

Crédito: Divulgação

A conexão com a rede varejista permite que a plataforma tenha também pontos de coleta de roupas no mesmo lugar em que o usuário consome, quase num jogo de equilíbrio.

Já na Emigê, plataforma de moda circular que recentemente fechou parceria com a Dafiti, o foco é apoiar o consumidor a não só trocar seu guarda-roupa, mas a manter os produtos em bom estado. Dentro do shopping Center 3, na capital paulista, a loja da Emigê tem consultores que ensinam a lavar e a conservar as roupas por mais tempo.

Com a Dafiti, por exemplo, a Emigê faz as fotografias, a higienização, a venda e a revenda das peças. Apenas em uma das lojas da rede, 40 mil peças são analisadas. “A proposta é participar do início até o fim da economia circular. Quem desapega das roupas por lá ganha créditos na nossa loja e pode usar outras mercadorias sem custo nenhum”, explica o CEO Diego Mazon.

MODA CIRCULAR

O segmento de produtos de segunda mão faz parte de um ciclo econômico diferente, que privilegia a reutilização em vez da produção. Segundo a Ellen MacArthur Foundation, 87% das fibras usadas para produzir roupas acabam incineradas ou indo para o lixo. Já o processo de tingir e tratar é responsável por 20% do desperdício de água do planeta.

“Existe uma mudança de comportamento na qual a gente acredita: 36% dos consumidores querem minimizar seu impacto ambiental ao comprar uma peça de roupa e 29% consideram a sustentabilidade um fator importante ao vender roupas seminovas”, diz Ana Luiza, do enjoei. 

Além de combater esses desperdícios, a moda circular é a resistência contra o ataque das ultrafast fashions, como a Shein, que promovem a compra de roupas em grandes quantidades, para serem usadas por pouquíssimo tempo.

Diego Mazon e Maria Gedeon, da Emigê (Crédito: Julio Rua)

A produção rápida tem custos que não são necessariamente financeiros. “A peça com energia ruim é a que vem de uma mão de obra análoga à escravidão”, diz Mazon.

A economia circular também beneficia o consumo consciente contra o desperdício. No mundo, 60 milhões de peças de roupa usadas são descartadas por minuto. “Recebemos muitas roupas ainda com a etiqueta”, conta o CEO da Emigê.

Pesquisas apontam que o comprador de fast fashion usa a roupa entre cinco e sete vezes. Em alguns casos, looks completos são adquiridos para serem vestidos em um evento específico, como em festivais de música.

Achar peças com ainda com a etiqueta, que nunca foram usadas, não é incomum também no DazRoupaz. Segundo Julia Wolff, cofundadora da plataforma de brechós, as peças “circulam rápido”. Mais de 90% das que chegam no DazRoupas são vendidas em um período de 27 dias, em média.

Gabriella (esq.) e Julia Wolff, da DazRoupas (Crédito: Divulgação)

O ecossistema de brechós, com lojas físicas e online, permite que usuários recebam dinheiro na hora quando desapegam das roupas. Para dar suporte às transações, a companhia criou uma plataforma própria de carteira online, na qual o usuário pode receber o dinheiro via Pix ou em crédito para ser usado nos mais variados serviços. “O negócio é girar a economia”, diz Julia.

O sistema aberto da DazRoupas abre caminho para modelos de negócio de parceria com grandes empresas. Já a curadoria, que privilegia o vestuário atual e de marcas “jovens”, garante que a demanda siga em alta.

Na TROC, a escolha é por peças de marcas descoladas e de luxo, o que garantiu a conexão com a Arezzo. Em 2020, a empresa comprou 75% da plataforma de moda circular.

O mercado de moda brasileiro está aprendendo a garimpar nos brechós. O planeta agradece.


SOBRE A AUTORA

Camila de Lira é jornalista formada pela ECA-USP, early adopter de tecnologias (e curiosa nata) e especializada em storytelling para n... saiba mais