Cabelo cacheado tipo exportação: tecnologia brasileira vira fenômeno nos EUA

Vídeo com mais de 20 milhões de visualizações no TikTok abre espaço para cosméticos nacionais entrarem no concorrido mercado norte-americano

Crédito: Freepik

Camila de Lira 5 minutos de leitura

Uma marca de produtos para cabelos cacheados do Brasil viralizou no TikTok e, organicamente, virou fenômeno de vendas nos Estados Unidos. Com mais de 20 milhões de visualizações, a postagem de uma usuária norte-americana sobre um produto da Skala Cosmetics fez as exportações da empresa explodirem.

A história toda começou com um vídeo publicado em março. No melhor estilo “review gravado na sala de casa”, Joanna Castrejon indicava o uso do creme de tratamento 2 em 1 da marca. As reações vieram logo – não de brasileiras, mas de outras norte-americanas com cabelos cacheados e crespos, que passaram a testar e aprovar o produto.

Resultado: entre março e maio, a Skala enviou 10 containers para os Estados Unidos. Para efeito de comparação, a média da exportação para o país de 2020 a 2022 era de um container por ano.

@joannacastrejona Not sponsored by Skala… yet ;) But fr I love this product and this specific pot is designed to strengthen and grow your hair on top of just being a great multi purpose curly hair product! #brazil #brasil #skala #curlyhair #cachos #curls #curlyhairproducts #curlyhairproblems #latina #indigenous #potão ♬ original sound - Joanna Salvador

De acordo com a diretora de marketing da Skala, Bruna Veneziano, a companhia passou de um para 10 distribuidores nos EUA e negocia a venda de seus produtos para redes de varejo e de farmácias.

“Logo depois dos vídeos, o distribuidor de lá nos mandou áudio no WhatsApp sem entender o que estava acontecendo. Começaram a pedir Skala. Teve pote de creme vendido por US$ 50”, conta Bruna. Vale destacar que, no Brasil, a marca é conhecida por seus produtos a preços populares.

A companhia trabalha com a expectativa de aumentar as exportações em 45% apenas em 2023. “Quando a sorte te encontrar, ela tem que te encontrar trabalhando”, brinca a diretora de marketing.

PRODUTOS CLASSE MUNDIAL

“Se eu aprendi uma coisa no Brasil, foi que os Estados Unidos estão muito atrás quando se trata de cabelo cacheado”, disse Joanna Castejon logo no início do vídeo de mais de 20 milhões de visualizações.

Afinal, o que tem no cacho brasileiro? A resposta é tecnologia, inovação, preço e formatos, indica Leila Velez, uma das fundadoras do Beleza Natural – maior rede de institutos de beleza especializados em cabelos crespos e ondulados do Brasil, que conta também com uma fábrica de cosméticos e foi pioneira em produtos para cabelos cacheados.

Leila Velez (Crédito: Divulgação)

Recentemente, a empreendedora se mudou para os Estados Unidos para fundar a marca de cosméticos Curl Lab. Nas pesquisas de mercado, se deparou com este “gap” que existe entre os dois países.

“O Brasil é uma potência mundial no setor de cosméticos. No segmento de hair care, é o segundo maior no mundo, ficando atrás dos Estados Unidos só em tamanho de mercado. Mas temos capacidade de produção, qualidade de processos e entrega final para competir de igual para igual”, garante Leila.

No segmento de cabelos cacheados e crespos, a diversidade da população brasileira é um fator que pesa a favor. Segundo o Instituto Beleza Natural, 70% dos brasileiros têm cabelo cacheado, ondulado ou crespo. A variedade de tipos de ondulação inspira a indústria, que também precisa adaptar seus produtos aos climas distintos (e às vezes díspares) das várias regiões.

Por aqui, a indústria de cosméticos já entendeu que o cabelo cacheado varia em estrutura, em ondulação e em volume. “As marcas brasileiras conseguem desenvolver soluções para as nuances, para os diferentes tipos de cacho e para ambientes com características diferentes entre si”, afirma Leila.

INOVAÇÃO EM UM POTE DE 1 QUILO

A indústria nacional de cosméticos para cacheados está atenta ao que o público precisa e pede, num ciclo rápido de lançamentos, substituições de fórmulas e até descontinuação de produtos. O próprio creme da Skala que viralizou foi resultado de mudança de fórmula, que só aconteceu porque a companhia percebeu que as usuárias utilizavam a máscara de tratamento como creme de pentear.

No segmento de cabelos cacheados e crespos, a diversidade da população brasileira é um fator que pesa a favor.

Ações como retirar os parabenos da fórmula e usar matéria-prima vegana foram exigências do público brasileiro. A onda tomou conta das marcas locais, que agora procuram mostrar o que existe na formulação de cada cosmético. “A consumidora brasileira é muito antenada. Ela pede alterações na fórmula, questiona sobre a procedência”, confirma Bruna.

Na terra do “super-size”, as embalagens de um quilo surpreenderam. Comum nos lares brasileiros dos anos 1990, o creme no “potão” é fruto da necessidade dos consumidores. Eram famílias inteiras que procuravam tratar dos fios em casa, num ritual de beleza que exigia produtos vendidos em porções generosas.

Outra abundância explica o sucesso dos cosméticos nacionais: a de matéria-prima. “A biodiversidade brasileira é uma vantagem. Temos manteiga de karité, óleo de chebe, murumuru… Muitos ingredientes que têm uma resposta acima da média em termos de hidratação para cabelos cacheados", diz Leila.

Feito de maracujá e óleo de patauá – o chamado “azeite da Amazônia", usado pelos povos ancestrais para tratar os cabelos –, o creme da Skala que viralizou é um reflexo desse fator.

Crédito: Layla Bird/ iStock

UM MERCADO ABERTO

Existem menos de 50 marcas específicas para cabelos cacheados nos Estados Unidos. Os produtos, em sua maioria, são voltados para uso profissional. Segundo Leila, faltam itens baratos para esse tipo de cabelo – aqueles como o da Skala ou da Salon Line, que podem ser encontrados em farmácias.

Lá, a conversa sobre cabelos cacheados e crespos naturais se conecta às discussões sobre equidade racial que tomam conta do país. Boa parte das reações ao vídeo de Joanna veio de mulheres negras que passaram por transição capilar, ou seja, deixaram o alisamento e buscam manter os cachos.

Cabelo é coisa séria. No ano passado, até o Congresso norte-americano entrou no tema, com a aprovação do CROWN Act, lei que proíbe a discriminação racial baseada em estilos ou textura do cabelo.

“Usar o cabelo cacheado, o cabelo crespo, é uma bandeira de liberdade. Cabelo é identidade. Nele você mostra sua raiz, mostra sua origem”, diz Leila. Nesse ponto, brasileiras e norte-americanas concordam.


SOBRE A AUTORA

Camila de Lira é jornalista formada pela ECA-USP, early adopter de tecnologias (e curiosa nata) e especializada em storytelling para n... saiba mais