Com algodão in vitro, startup propõe pensar ética antes da estética

Crédito: Fast Company Brasil

Isabella Lessa 3 minutos de leitura

Neste momento, em Boston, Massachusetts, uma startup fundada por dois brasileiros está estudando como dar escalabilidade a células de algodão criadas in vitro. A missão da Galy – ou o sonho, como eles preferem dizer – é produzir 10 mil toneladas de algodão em laboratórios espalhados pelo mundo, impactando, numa só tacada, a indústria têxtil, a agricultura e a próxima geração de cientistas.

Em operação desde o final de abril de 2019, a Galy utiliza um método que utiliza 80% menos água e terra para confeccionar o algodão. A empresa basicamente pega a célula de algodão que vem da fazenda, ajusta condições de temperatura, equilibra a alimentação com os nutrientes certos, coloca a substância em uma cultura e faz com que se forme uma fibra do material. Assim, essa matéria-prima eventualmente poderá ser cultivada em qualquer lugar do mundo, independentemente das condições do solo e do clima – será possível fazer algodão em países frios como a Dinamarca, por exemplo.

Fundada por Luciano Bueno e Paula Elbl, Galy produz algodão in vitro (Crédito: Galy)

Hoje, a empresa já trabalha com grandes empresas da indústria da moda, como Kering, H&M, Ikea e Gucci, que compram o algodão da startup para fazer camisetas e outros produtos. A ideia da Galy é passar longe de acordos de exclusividade com empresas parceiras e investidores, para garantir que a amplificação do produto e, quando a startup estiver presente em outras regiões, que cada cultura local possa imprimir sua própria inteligência ancestral de agricultura.

GLOCALIDADE E A PRÓXIMA GERAÇÃO DE CIENTISTAS

Apesar de Boston ser um local estratégico, próximo a Nova York e um dos pólos da biologia sintética nos EUA, a dupla conta que a cidade os escolheu porque calhou de um dos investidores da Galy ser de lá. A empresa também tem um campo de estudo em Holambra, no estado de São Paulo.

A apresentação de Luciano e Paula como crianças expressa visão da empresa sobre restaurar o mundo (Crédito: Galy)

Os planos multiculturais da Galy remontam às origens dos próprios fundadores: apesar de ambos serem brasileiros, Luciano Bueno, CEO, é de São Paulo e construiu sua carreira na indústria têxtil e na área de negócios (trabalhou em empresas como Deloitte), enquanto Paula Elbl, CSO (chief scientific officer) cresceu no Acre e é mestre em estudos de modificações genéticas em plantas pela USP (Universidade de São Paulo). Ambos compartilhavam da mesma vontade de colocar conhecimentos acadêmicos para trabalhar a favor do meio ambiente de maneira efetiva.

“O que você faz na academia muitas vezes fica restrito às pesquisas, aos congressos. Não consegue transpor isso para a população. Muitos ativos não são aproveitados e essa foi uma das maiores frustrações do meu pós-doc, não poder aplicar o que aprendi”, conta Paula.

No intuito de colocar a ciência como oportunidade de negócio e encurtar cada vez mais a distância entre academia e mercado, a Galy trabalha em projetos de ciência com escolas públicas. “A Geração Z já está cobrando e disseminando propósito. E apostamos que a Geração Alpha, nascida em 2010, é a que mais vai formar cientistas. Um dos nossos claims é que cientistas podem ser artistas”, explica Flávia Nogueira, CMO da operação. Segundo ela, o posicionamento da Galy é We2B2C, pois existe um esforço interno de engajar os colaboradores no propósito da empresa de descobrir práticas mais éticas para o meio-ambiente e os negócios.

“Acreditamos que cientistas são os artistas da nova era” (Crédito: Galy)

Para expressar essa missão, o site da empresa apresenta uma interface lúdica. Logo na home, o visitante dá de cara com duas crianças, Luciano e Paula (foram escolhidas crianças parecidas com cada um deles para as fotos). “Temos um pensamento regenerativo de negócio. Tudo começa na célula, então também propomos essa restauração do coração, por isso eles são retratados como crianças”, comenta Flávia.

No ano passado, a Galy foi vencedora do Global Change Award, prêmio da H&M Foundation que é considerado o Nobel da indústria da moda.


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