Como definir quem tem paixão pelo que faz quando se trabalha com criação

Embora a paixão de alguém pela profissão não possa ser medida objetivamente, ela continua sendo tida como parâmetro para julgar a competência dos funcionários

Créditos: Marina Demeshko/ master1305/ Marina113/ iStock

Heather Vough e Angela Ianniello 4 minutos de leitura

Se você tivesse que enumerar as qualidades mais indispensáveis para ser bem-sucedido em uma carreira criativa, é bem provável que a "paixão" aparecesse no topo da lista.

É esperado que profissionais da área de criação – como arquitetos, designers gráficos, publicitários, artistas, músicos – sejam motivados pela satisfação e pelo significado inerentes ao seu trabalho, e não pelo salário ou por outras recompensas materiais.   

E é verdade: muitos criativos adoram o que fazem. Entretanto, nossa pesquisa sugere que a grande ênfase dada à paixão nas chamadas profissões "criativas" contribui para disseminar culturas de trabalho questionáveis e até mesmo abusivas.

As pessoas podem diferir na forma como expressam sua paixão. Alguns são propensos a demonstrações explícitas, outros são mais contidos.

Embora os profissionais de criação se sintam pressionados a provar sua "autenticidade" por meio de demonstrações de amor ao que fazem, o mercado de trabalho geralmente tem ideias muito restritas e estereotipadas sobre o que é uma paixão.

Ironicamente, isso pode dificultar a identificação de indivíduos realmente apaixonados pelo que fazem, ao mesmo tempo em que acaba recompensando outras qualidades facilmente confundidas com paixão, como autoconfiança, arrogância ou uma situação de privilégio, que permite que algumas pessoas coloquem o trabalho à frente de outras responsabilidades. 

Para obter informações sobre esse tema, realizamos 116 entrevistas com 55 profissionais de dois grandes escritórios de arquitetura sediados nos EUA. Também analisamos publicações acadêmicas, livros, artigos em revistas do setor etc.

Os arquitetos que entrevistamos confirmaram que a paixão era de fato uma das principais prioridades do setor. Os entrevistados também acreditavam pessoalmente na importância da paixão. Eles viam os arquitetos apaixonados pela profissão como colegas importantes, que melhoravam a cooperação no local de trabalho.

Também acreditavam que a paixão era um sentimento contagiante, que se espalhava de um para outro por meio de uma espécie de osmose. Por outro lado, os colegas que não eram vistos como apaixonados eram "um problema", "não traziam boas energias para o ambiente" e tinham menos probabilidade de serem ouvidos.

a ênfase dada à paixão nas chamadas profissões "criativas" contribui para disseminar culturas de trabalho questionáveis.

Apesar de a paixão ser um estado psicológico que não pode ser medido objetivamente, os entrevistados acreditam que poderiam identificar a paixão, ou a falta dela, com base em vários indícios mencionados por eles. Uma dessas pistas era a linguagem corporal. Um deles disse ser capaz de discernir "a paixão no olhar quando as pessoas estão falando sobre seu trabalho". 

Outra evidência seria a disposição de ir além das responsabilidades básicas do emprego, seja trabalhando por horas a fio ou se envolvendo profundamente com questões não relacionadas a um projeto específico.

Os participantes também disseram que conseguiam avaliar a paixão de alguém com base na qualidade do trabalho. Em geral, eles acreditavam que somente pessoas apaixonadas poderiam produzir trabalhos de alta qualidade.

Créditos: Joshua Sortino/ Roozbeh Badizadegan/ Unsplash

Indicando ainda mais a natureza complexa e facilmente mal interpretada da paixão no universo do trabalho criativo, pesquisas acadêmicas recentes descobriram que a paixão não é tão estática como se pensava antes. Ela vai e vem dentro de uma mesma pessoa, dependendo do tempo e das circunstâncias.

As pessoas podem diferir na forma como expressam sua paixão. Alguns são propensos a demonstrações explícitas e intensas, enquanto outros são mais contidos.

Como essas diferenças não são bem compreendidas, a expectativa é sempre que os profissionais criativos demonstrem paixão em sua forma mais comum e reconhecível, independentemente de isso acontecer naturalmente ou não. Isso torna a paixão genuína ainda mais difícil de ser identificada.

a paixão não é tão estática como se pensava. Ela vai e vem dentro de uma mesma pessoa, dependendo do tempo e das circunstâncias.

A ênfase na paixão também dificulta a conversa sobre o equilíbrio entre vida pessoal e profissional. Qualquer reclamação sobre longas horas de trabalho seria vista como um indício de falta de paixão e, portanto, de inaptidão para exercer a profissão. Isso afetaria mais gravemente os funcionários menos privilegiados, que têm outras responsabilidades prioritárias fora do escritório.

O estudo se concentra no setor da arquitetura, mas é legítimo presumir que essas expectativas e crenças fazem parte da cultura de trabalho em todas as áreas criativas, ou em qualquer área que valorize a paixão. 

Mas os sinais específicos de paixão identificados pelos arquitetos que entrevistamos – o olhar apaixonado, as obsessões criativas, o comportamento entusiasmado etc. – podem não ser universais. Portanto, os criativos ambiciosos em início de carreira devem observar e imitar os comportamentos associados à paixão em seu próprio contexto.

Entretanto, talvez seja hora de os líderes iniciarem uma conversa séria sobre se a ênfase cultural dada à paixão realmente atende às necessidades de seus funcionários, clientes e empresas.


SOBRE A AUTORA

Heather Vough é professora associada de administração na Escola de Negócios da Mason University. Angela Ianniello é doutoranda na Esco... saiba mais