Como “ler” a arquitetura de um lugar com todos os seus sentidos

Costumamos pensar que percebemos os ambientes através dos cinco sentidos. Mas, e se houver mais deles envolvidos em nossa percepção?

Crédito: Istock

Farzam Sepanta 5 minutos de leitura

Você já se perguntou por que alguns lugares te fazem sentir tão à vontade, enquanto outros te deixam atordoado? Pense, por exemplo, na última vez em que você desembarcou em uma rodoviária e compare com a sensação de se sentar na sua cafeteria predileta.  

A forma como percebemos os lugares é multifacetada. Dizem que percebemos os ambientes através dos cinco sentidos: visão, olfato, tato, audição e paladar. Mas, e se houver mais sentidos envolvidos em nossa percepção?

Preocupados com “as formas como experimentamos as coisas e, portanto, com os significados que os espaços ganham de acordo com a nossa experiência”, alguns arquitetos estão tentando chegar a uma ideia mais completa de como percebemos nossos ambientes.

Banheiro do spa de um complexo criado pelo arquiteto Peter Zumthor na estância termal de Vals Valley, na Suíça (Crédito: Kazunori Fujimoto/ Wiki Commons)

Além dos cinco sentidos tradicionais, a pesquisa neurocientífica também leva em conta a nossa propriocepção (sentindo seus músculos, sua localização e seus movimentos) e o nosso aparelho vestibular, que regula o senso de orientação e de equilíbrio no espaço.

Os cientistas também estão examinando um sentido chamado “interocepção”, que se refere à percepção das sensações de dentro do corpo. A mais comum é o famoso “frio na barriga”. 

A FENOMENOLOGIA NA ARQUITETURA

Arquitetos de todas as culturas e de várias épocas sempre consideram os sentidos e o design. As preocupações da fenomenologia articuladas pelo filósofo Martin Heidegger foram introduzidas na arquitetura através do arquiteto Christian Norberg-Schulz, a partir do início dos anos 1970.

Os arquitetos preocupados com a fenomenologia estão interessados em como integrar uma compreensão fundamental renovada da percepção para projetar edifícios melhores. Portanto, a fenomenologia na arquitetura refere-se a uma mudança de foco, que prioriza proporcionar uma experiência aos usuários.

SE APROXIMANDO DE UM LUGAR NOVO

Nossa percepção a respeito de um edifício, de uma cidade ou de um objeto dentro de um ambiente sempre vai depender de muitos fatores. A sensação de se aproximar a pé de uma cidade no meio de um deserto é totalmente diferente de sensação de se aproximar de uma perto de uma floresta. 

Uma cidade no meio do deserto está à vista de todos, mas parece nunca chegar enquanto estamos caminhando em sua direção. Mas quando andamos até uma cidade perto de uma floresta, ficamos tão distraídos olhando ao redor, observando animais ou árvores, que temos a impressão de que levamos menos tempo para chegar lá.

Museu Allmannajuvet Zinc Mine em Sauda, na Noruega, desenhado por Peter Zumthor. (Crédito: Knut Rage/ Wiki Commons)

Quando se trata de prédios, é parecido. Você primeiro os enxerga de fora, depois passa pela porta e, finalmente, começa a explorá-los. Conforme vai se aproximando, começa a percebê-lo com todos os seus diferentes sentidos.

Eis alguns exemplos mais palpáveis:

Tato: Imagine o momento em que você encosta na maçaneta da porta da frente. O toque de uma maçaneta de madeira é muito diferente de uma de aço.

Olfato: Às vezes, um cheiro específico pode trazer de volta boas lembranças. A mesma coisa acontece quando entramos em um ambiente novo. Todo mundo consegue diferenciar entre o cheiro de um espaço vazio e limpo e o cheiro de uma cabana na floresta, por exemplo.

Audição: Você pode obter diferentes sensações de espaço ao percebê-lo com seus ouvidos. Compare uma sala com ladrilhos de cerâmica, onde você ouve os passos dos sapatos, e uma sala com piso de madeira.

Visão: Todo mundo já deve ter visto aquelas imagens em que uma casa ao longe brilha em meio a uma paisagem de neve. Aquele pontinho de luz deve vir de uma lareira, e nós conseguimos sentir seu aconchego apenas de imaginá-la à distância. 

Paladar: Pode parecer estranho vincular o paladar à arquitetura, mas ele também pode ser um estímulo. Cores e detalhes específicos estimulam o paladar. As texturas e cores do mármore, por exemplo, podem nos remeter a diferentes sabores.  

Vestibular (movimento) e propriocepção (posição do corpo): Esses dois sentidos são a base para se orientar em um espaço e estar autoconsciente dentro de um ambiente.

Parte do complexo Linked Hybrid, em Pequim, projetado pelo escritório Steven Holl Architects (Crédito: View Pictures/Universal Images Group/Getty Images)

ESTÍMULOS EM NOSSOS AMBIENTES

É importante considerar também o que o arquiteto Steven Holl acredita serem os 11 estímulos que afetam nossa percepção dos ambientes.

1) Um objeto é percebido de acordo com o seu entorno. Se uma flor estiver na frente da janela, o fundo também desempenhará um papel importante na sua impressão dessa flor.

2) A percepção é uma série de quadros do ambiente, que muda a cada movimento.

3) As cores têm um papel importante na nossa percepção.

4) A luz e as sombras podem nos provocar diferentes sentimentos.

5) Noite e dia podem render experiências completamente diferentes.

6) A percepção do tempo não é linear e depende de muitos fatores diferentes.

7) A água é um reflexo do ambiente que a cerca.

8) O som ajuda a percebermos um ambiente, pois medimos a profundidade de uma sala por seu eco.

9) Os detalhes de um projeto são um fator essencial, que pode ter diferentes impactos. Uma pessoa pode facilmente diferenciar a sensação e o sabor de uma madeira natural e de uma artificial.

10) Proporções e escalas são outros fatores fundamentais. Se um ambiente for muito grande, pode provocar a sensação de atordoamento, enquanto um cômodo com o pé-direito um pouco mais baixo pode fazer com que as pessoas se sintam seguras e confortáveis.

11) As ideias-base são vitais na concepção de edifícios, pois podem proporcionar experiências diferentes.

Museu de Arte Nelson-Atkins, em Kansas City (EUA), projetado pelo escritório Steven Holl Architects. (Crédito: Dean Hochman/ Flickr)

Assim, se você deseja criar uma cafeteria aconchegante, projete-a com luzes baixas e indiretas, cores quentes, um som ambiente agradável. Uma ideia bem clara que guie a composição influencia detalhes com móveis e interiores, altura do teto e tudo mais.

A fenomenologia na arquitetura ajuda a criar ambientes mais agradáveis com base em como os seres humanos percebem seu entorno. Esteja você planejando ir a um restaurante local ou a uma exposição, agora pode pensar em como suas experiências em um espaço estão relacionadas à sua percepção sensorial.


SOBRE O AUTOR

Farzam Sepanta é doutorando em engenharia de construção na Carleton University. saiba mais