Como melhorar as cidades adotando o ponto de vista de uma criança

Realidade virtual ajuda planejadores a ver as cidades do ponto de vista de uma criança de três anos. Niterói já conta com um espaço construído nesse estilo

Crédito: Nadezhda1906/ iStock

Nate Berg 4 minutos de leitura

VR95 é o nome de uma nova experiência de realidade virtual que transporta os usuários para um mundo que as pessoas costumam ignorar.

Não é nenhum mundo da fantasia nem um metaverso extraordinário. O VR95 (como o próprio nome sugere) “encolhe” os usuários para que eles consigam enxergar a cidade do ponto de vista de quem tem apenas 95 centímetros. Essa é a altura média de uma criança de três anos de idade. Mas, visto através de seus olhos, o mundo está muito longe do ideal.

“Basicamente, quando você é criança, só enxerga carros e tráfego, ruído e poluição em todos os lugares”, descreve Sara Candiracci, da empresa global de design, engenharia e planejamento Arup. Ela é a líder na Europa das iniciativas de valor social e cidades inclusivas da Arup e participou do desenvolvimento da ferramenta.

Crédito: Arup

A ferramenta não é apenas um lembrete visual de como é o mundo do ponto de vista de uma criança. Também mostra como seria a mesma cena da cidade congestionada se fosse projetada tendo essa criança de três anos em mente.

As calçadas podem ser alargadas, pequenos parques podem ser adicionados, mais espaços verdes podem ser plantados e a velocidade dos carros pode ser reduzida.

“Fica fácil perceber que, se adicionássemos alguns elementos, se observássemos as necessidades das crianças, criaríamos um ambiente urbano ótimo para todos”, diz Candiracci.

Crédito: Arup

O VR95 faz parte de um esforço para fazer com que os líderes, designers e desenvolvedores de ambientes urbanos pensem com mais cuidado sobre como o mundo que construímos é usado e vivenciado pelas crianças.

Em consulta com grupos comunitários em diversas cidades pelo mundo, a Arup e a Bernard van Leer Foundation desenvolveram o Proximity of Care Design Guide, que descreve maneiras eficazes e baratas de projetar e construir espaços urbanos para melhor atender gestantes, crianças e seus cuidadores.

O guia se concentra, principalmente, na segurança e no desenvolvimento de crianças menores de cinco anos.

“É quando cerca de 80% da arquitetura do cérebro humano se desenvolve”, explica Candiracci. “Um ambiente construído que favorece um convívio saudável entre cuidadores, famílias e vizinhos tem um enorme impacto no seu bem-estar.”

Crédito: Arup

Projetar cidades para crianças significa muito mais do que apenas construir parquinhos. O guia de design apresenta maneiras pelas quais os bairros podem ser projetados para incentivar estilos de vida mais seguros e ativos entre as crianças e as pessoas que cuidam delas.

Aumentar o acesso à natureza, adicionar elementos educativos e lúdicos à infraestrutura pública e envolver segmentos mais amplos da população nas decisões de planejamento são as principais maneiras através das quais as cidades podem melhorar a vida dos jovens.

Candiracci diz que o guia se concentra em mostrar que o design com foco na criança não precisa ficar isolado, como se fosse um aspecto separado da construção da cidade. “Ele precisa ser e deve ser incorporado no trabalho diário de planejadores, profissionais urbanos e autoridades municipais.”

Crédito: Arup

O guia de design foi desenvolvido ao longo do último ano e meio pela Arup, que trabalhou junto a 10 organizações de planejamento, design e desenvolvimento urbano em todo o mundo.

Os grupos participaram de um programa de treinamento e identificaram maneiras pelas quais uma arquitetura mais adequada para crianças poderia resolver desafios ou problemas em suas próprias cidades. Três dessas organizações receberam subsídios para implementar suas ideias.

Em Valdivia, no Chile, uma avenida com várias escolas e tráfego muito intenso tornou-se  mais segura para as crianças graças à ampliação das calçadas, elevação das faixas de pedestres e redirecionamento de caminhões.

Em uma favela de Jurujuba, em Niterói (no Rio de Janeiro),  uma praça pública  foi redesenhada para se tornar um espaço onde as mães do bairro pudessem amamentar com segurança e conforto. E em Montevidéu, no Uruguai, foram instalados equipamentos lúdicos multissensoriais e sinalizadores de orientação para garantir a acessibilidade de crianças surdas.

Crédito: Arup

Candiracci diz que o guia pode ser usado por comunidades, estúdios de design, agências públicas e entidades privadas. Os empreendedores imobiliários, que geralmente decidem muito do que é construído em uma cidade, são o público-alvo ideal do guia.

“Eles têm um impacto enorme na forma como as cidades são moldadas e, geralmente, as necessidades das crianças pequenas não são levadas em consideração”, ela lamenta.

“A partir do momento em que as construtoras embarcarem na nossa ideia e começarem a usar o guia para melhorar a experiência das comunidades, isso vai trazer benefícios sociais, mas também para elas próprias, que vão conseguir cumprir seus compromissos ESG.” 

A executiva da Arup observa, ainda, que sua própria empresa poderia desempenhar um papel importante ao trazer essas ideias para a forma como constrói o mundo.

“Temos 17 mil funcionários e trabalhamos no mundo todo. No momento em que a Arup começar a aplicar o guia, teremos um grande impacto na maneira como projetamos nossas intervenções. Esse é o meu maior objetivo agora.”


SOBRE O AUTOR

Nate Berg é jornalista e cobre cidades, planejamento urbano e arquitetura. saiba mais