Como um viral no TikTok se tornou uma dor de cabeça para a Kia?
Depois de vídeos ensinando como roubar seus carros, a marca está enfrentando sérios problemas
Muitas marcas querem desesperadamente se tornar virais no TikTok. Mas não do jeito que a Kia se tornou.
Vídeos ensinando como ligar certos modelos de carros da Kia e da Hyundai por meio de um cabo USB tomaram conta da plataforma no fim do ano passado e resultaram no chamado “Kia Challenge” (Desafio da Kia) – que consistia em roubar um veículo e compartilhar nas redes.
Por um breve período, o assunto apareceu em vários canais sensacionalistas, com reportagens sobre supostos casos de adolescentes que participavam do desafio se envolvendo em acidentes com os carros roubados.
A polícia norte-americana registrou aumento nos casos de roubo e furtos de veículos da Kia e da Hyundai em várias cidades.
O TikTok removeu os vídeos de instruções rapidamente. Mas, ao contrário de algumas “trends” virais que geram preocupação exagerada e descabida, principalmente da mídia, esta se tornou um problema real. A polícia norte-americana registrou aumento nos casos de roubo e furtos em várias cidades.
No Condado de St. Louis, no Missouri, a quantidade de veículos roubados das duas marcas era pequena no início de 2022. Porém, nos últimos seis meses, passaram a representar 64% do total registrado.
Em Nova Orleans, o número chegou a um quarto dos roubos na região – seis vezes mais do que em 2021 –, com a maioria ocorrendo após a popularização da tal tendência.
Em Washington, DC, as duas marcas representam cerca de um terço das ocorrências. Picos semelhantes foram relatados em Chicago, Filadélfia e em outras cidades dos EUA
FALHA DE DESIGN
Sem entrar em detalhes sobre como roubar carros, o processo envolve o uso de um cabo USB para contornar a ignição. Evidentemente, os modelos Kia de 2011 a 2021 e os modelos Hyundai de 2015 a 2021 carecem de um recurso bloqueador antifurto, comum a muitos sistemas de tecnologia de ignição atuais.
É uma falha de design bastante clara, mas, a princípio, o foco das críticas estava no papel da plataforma social na disseminação do conteúdo. Tanto a Kia quanto a Hyundai reconheceram o problema, mas emitiram apenas declarações padronizadas.
Proprietários de carros em pelo menos sete estados norte-americanos entraram com ações coletivas contra as duas montadoras.
“A partir do atual modelo 2022, todos os veículos Kia vêm com um bloqueador de motor instalado”, informou a Kia no ano passado. “Todos os veículos Kia à venda nos EUA atendem ou excedem os Padrões Federais de Segurança para Veículos Automotores.”
A Hyundai fez uma declaração semelhante na época. Aliás, vale destacar que a Hyundai tem uma participação acionária importante na Kia, mas as duas empresas operam separadamente.
No entanto, com o passar do tempo, o foco mudou do TikTok para as empresas automotivas. Proprietários de carros em pelo menos sete estados norte-americanos entraram com ações coletivas contra as duas montadoras. Como o problema persistiu, até os modelos mais novos da Kia passaram a ser visados por criminosos.
Acontece que os ladrões em potencial nem sempre sabem exatamente quais modelos são vulneráveis, então tentam roubar qualquer veículo da marca. Diversos relatos dão conta de tentativas fracassadas, mas que deixaram para trás janelas quebradas, colunas de direção danificadas e interiores geralmente destruídos.
“Não quero andar de carro com alguém que tem um Kia. Prefiro evitar porque eles se tornaram alvos”, revelou uma ex-proprietária de um Kia em uma reportagem para um canal de notícias local de St. Louis.
Em Nova Orleans, um homem que teve dois veículos roubados em apenas uma semana reclamou: “a Kia deveria instalar bloqueadores nos veículos mais antigos de graça ou fazer um recall”.
ATUALIZAÇÃO DE SOFTWARE
Nas últimas semanas, as montadoras parecem estar planejando algo nesse sentido. Talvez tenham finalmente percebido que as marcas podem sofrer danos a longo prazo.
na melhor das hipóteses, será muito mais difícil reconquistar a confiança do público do que poderia ter sido há seis meses.
Em declaração à Fast Company, a Kia afirmou que “continua preocupada” com “criminosos” que visam seus veículos e que, além de distribuir travas antifurto, está trabalhando no “desenvolvimento e teste de um software de segurança aprimorado, para modelos afetados, sem custo."
A empresa diz que já começou a notificar os proprietários e afirma que “disponibilizará atualizações de software para a maioria dos veículos afetados nos próximos meses”.
A Hyundai deu uma declaração semelhante: “uma atualização de software está em andamento, para evitar o método de roubo popularizado nas redes sociais”.
Para deixar claro: os verdadeiros vilões aqui, sem dúvida, são os ladrões. Kia e Hyundai foram vítimas do conteúdo compartilhado nas redes. Mas suas respostas vieram tarde demais, como se esperassem que o problema desaparecesse sozinho, perdesse força como se também fosse um viral.
Talvez, com respostas mais concretas e solidárias de ambas as montadoras, elas consigam reconquistar um pouco da confiança do consumidor. Embora, neste ponto, possa ser um pouco tarde. Ou, na melhor das hipóteses, muito mais difícil do que poderia ter sido há seis meses.
Como destacou a ex-proprietária de St. Louis, esses carros agora são alvos de ladrões: “simplesmente não confio mais na marca”, conclui.