Complexidade x simplicidade: o paradoxo de estar conectado
Os desafios do processo criativo e da curadoria diante da avalanche de informações
Em tantos anos nesta indústria vital (a da criatividade), nunca estivemos tão subsidiados de informação. O problema é, justamente, selecionar o que é mais relevante em meio a um oceano de possibilidades digitais – uma tarefa cada vez mais dantesca, não somente para mapear as tendências, mas também para filtrar e escolher dentre tantas ideias, dados ou elementos.
Se antes o processo criativo era especulado como uma fagulha de mentes artísticas peculiares, hoje sabemos que a criatividade já transborda de círculos que se julgavam privilegiados para onde ela sempre esteve realmente: nos desafios do dia a dia de praticamente todas as profissões.
Não é à toa, uma vez que as evoluções tecnológicas e comportamentais pedem renovação instantânea e atualização constante para todos os mortais.
Se já é um grande desafio para quem tem que incorporar a criatividade ao longo de processos e a utiliza como meio, imagina para quem a tem como resultado final da sua entrega – com tanta informação disponível, dados infinitos, ferramentas novas que pipocam todos os dias e a cobrança de performance que escala na mesma proporção.
Hoje, a curadoria é também um grande trabalho criativo e que gera valor. Um exemplo são as newsletters especializadas, como o Oh my Gad!, que destaca, gratuitamente, o que aconteceu de mais relevante em termos de estratégia, design e experiência a cada semana para os assinantes.
CRIATIVIDADE EM UM MUNDO SOTERRADO DE INFORMAÇÃO
Como uma vez ouvi o escritor e jornalista investigativo Leandro Demori dizer em uma palestra numa universidade em Porto Alegre, "é importante fragmentar quando se tem excesso de informação, mas preservando o contexto e a estrutura na narrativa."
Em um contexto de muita informação ou complexidade, o primeiro passo é fragmentar o desafio: dividir, classificar, criar uma narrativa e depois sintetizar. Só então conseguimos navegar em um mar de tanta informação com algum direcionamento.
Nesse sentido, venho falando há muito tempo da importância de entender o design como processo, e não como uma entrega final. E esse processo começa com o entendimento que essa trajetória tem momentos de convergência e divergência.
a criatividade transborda de círculos que se julgavam privilegiados para os desafios do dia a dia de todas as profissões.
Tim Brown, CEO e sócio da IDEO (maior consultoria de design do mundo), já disse que "o pensamento divergente é a rota e não o obstáculo para a inovação." Quando abrimos o processo de investigação e colaboração, a divergência é combustível para refinar ideias.
A cada exploração que se abre, precisamos fechar essa etapa com aprendizados. A cada insight que geramos, precisamos fechar em rotas e ideias consistentes que transpõem a arrebentação das divergências que possam fluir através de conceitos e narrativas que conectam e fazem sentido com toda informação que recebemos e buscamos e que gerem valor ao final, pois não navegamos mais às cegas, no feeling, no repertório pessoal.
Um segundo desafio que encontramos é justamente este: como não virarmos robôs criando robôs. Com tanta informação, tanta inteligência artificial, como não alucinarmos junto, como não perdemos o sentimento, o significado que toca a alma humana, para não virarmos ávidos investigadores stalkers que entregam a playlist de recomendação da semana no Spotify (que, aliás, é fantástica) mas que entregam significado e diferenciação?
Só mais uma vez vou roubar no jogo e recorrer a uma citação valiosa, desta vez de uma dos grandes designers que tanto admiro, Saul Bass: "o design é o pensamento tornado visível."
Portanto a materialização em épocas de tanto subsídio pode tornar as entregas muito parecidas se não nos detivermos com cada vez mais afinco no processo do pensar ao final de cada busca, se não nos concentrarmos em realmente construir aprendizados. Se não, viramos grandes colchas de retalhos de dados.
De nada adianta tanto repertório sem o fortalecimento de uma cultura analítica daquilo que a inteligência humana nos proporciona: a capacidade de encontrar relações inusitadas entre dados, eventos e sentimentos.
Quando abrimos o processo de investigação e colaboração, a divergência é combustível para refinar ideias.
Keijiro Ueno, um grande diretor de criação, tem uma palestra divertidíssima na qual pede para o ChatGPT criar trocadilhos. A ferramenta falha miseravelmente na tarefa pois não "entende" o que torna um trocadilho divertido, não consegue – ainda – burlar as regras.
As inteligências artificiais incorporadas às nossas vidas são como assistentes que, se não tiverem um prompt correto, bem pensado, nos entregam pouco, ou mais do mesmo, ainda que possam nos economizar inúmeras tarefas corriqueiras.
Cada vez mais precisamos saber o que buscamos para encontrar algo valioso. Esse direcionamento é o que discutimos toda semana na curadoria do Oh my Gad! Mais do que entregar uma lista de tendências, já é um instrumento de discussão interna da equipe e isso não tem preço.
Em um universo de complexidades, as soluções mais simples, que emocionam ou resolvem problemas de fato, são aquelas que tiveram um processo do pensar consciente, investigativo e curioso, em que houve feedback, que não para na primeira ideia que colabora e testa, que é mais flexível e repensa todo seu processo. Menos preocupado com aplausos e mais apaixonado por descoberta, como diria Paul Arden, que foi diretor criativo da Saatchi & Saatchi e autor de vários livros sobre publicidade e motivação: "é melhor um tapa na cara do que um tapinha nas costas."
Esta citação é tão simples e provocativa, que não poderia terminar este texto sem compartilhá-la com vocês, mas foi a última e para não tornar o texto completo, para fragmentar e ler cada parágrafo de forma independente também.