Criativos adotam ferramentas de IA no dia a dia, mas não estão felizes com isso

Estudo revela que criativos estão cada vez mais utilizando inteligência artificial em seu trabalho, embora tenham sentimentos variados sobre a tecnologia

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Jesus Diaz 4 minutos de leitura

Joe Kessler acredita que a IA está vivendo um ponto de virada. Como chefe global da divisão de pesquisa, dados e estratégia da United Talent Agency, a UTA IQ, ele afirma que a tecnologia já passou do ponto de inevitabilidade – e tem pesquisas que comprovam isso.

No estudo “IA no centro do palco - o impacto em tempo real da IA na criação, mídia e marketing", Kessler e sua equipe descobriram que muitos profissionais de publicidade, marketing e entretenimento já estão usando inteligência artificial em seus trabalhos – e um número crescente deles está abraçando a tecnologia de forma definitiva.

“Ficamos surpresos com a quantidade de cobertura midiática e comentários nas redes sociais sobre os medos e preocupações em torno da IA generativa”, diz ele. “Mas havia poucos dados atuais que mostrassem os verdadeiros sentimentos e o uso da inteligência artificial.”

O estudo da UTA IQ, que entrevistou mais de 500 profissionais criativos, a maioria dos Estados Unidos, Canadá e Reino Unido, descobriu que a IA está sendo usada principalmente na fase de geração de ideias dos projetos. Três em cada cinco criativos usam a tecnologia para gerar ideias e se inspirar, enquanto mais de um terço a utilizam para criar mockups.

A pesquisa revelou que 71% dos criativos em marketing e entretenimento estão curiosos ou entusiasmados com a IA, enquanto 18% disseram ser céticos, 5% afirmaram estar intimidados pela tecnologia e 4% se declararam indiferentes.

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“Houve uma mudança significativa de ansiedade e resistência para curiosidade e entusiasmo, ou pelo menos, um otimismo cauteloso”, observa Kessler. Ele acredita que esse sentimento vem do potencial da IA de aprimorar – e não substituir – a criatividade humana.

Este tem sido o argumento dos defensores da inteligência artificial generativa: a IA não está aqui para substituir os trabalhadores humanos, mas para ajudá-los.

O estudo revela ainda que a integração da tecnologia nos fluxos de trabalho criativos traz benefícios tangíveis, com cerca de 88% dos profissionais da área relatando que ela facilita suas tarefas, 83% dizendo que os ajuda a trabalhar com novas ideias e 75% acreditando que melhora a qualidade de seu trabalho.

DEMOCRATIZANDO A CRIATIVIDADE

Kessler está otimista quanto à ideia de que a IA generativa possa democratizar a criatividade ao reduzir as barreiras de entrada.

Em uma entrevista qualitativa para a pesquisa, Carl Reed, diretor criativo e presidente da Lion Forge Animation, disse: “ao dar a todos acesso a ferramentas de inteligência artificial que permitirão às pessoas fazer filmes, música, animação e mais, vamos abrir esses meios para populações inteiras que, de outra forma, nunca teriam a possibilidade de contar suas histórias.”

Isso poderia levar a um renascimento criativo, onde vozes diversas emergem graças às tecnologias capacitadoras da IA, da mesma forma que a fabricação em massa de tinta a óleo no final do século 19 deu acesso à arte a um público maior. Isso permitiu que a pintura se expandisse para o mainstream, resultando no movimento impressionista e no nascimento da arte moderna.

Houve uma mudança significativa de ansiedade e resistência para curiosidade e entusiasmo em relação à IA.

Mas existem algumas grandes ressalvas em toda essa conversa. Apesar do crescente entusiasmo em torno da inteligência artificial nas indústrias criativas, ainda existe uma corrente significativa de medo e ceticismo – algo que Kessler reconhece.

O estudo descobriu que, embora muitos criativos estejam otimistas em relação à IA, uma parcela substancial permanece cautelosa quanto às suas implicações. Essa apreensão não é infundada, já que persistem preocupações sobre segurança no emprego, uso ético e a potencial desvalorização da criatividade humana.

Uma das principais preocupações é o potencial da inteligência artificial para substituir empregos. Mas a UTA IQ afirma que isso é um sintoma de desconhecimento da tecnologia.

A pesquisa de Kessler mostra que 85% das pessoas que atualmente não utilizam IA em seu trabalho expressam apreensão quanto ao seu impacto a longo prazo no emprego. Essa ansiedade encontra eco na indústria em geral – a recente greve dos roteiristas de Hollywood ressaltou a tensão entre os avanços da inteligência artificial e a segurança no emprego.

PREOCUPAÇÃO COM AS IAS "CRIATIVAS"

Apesar da visão otimista do estudo sobre IA, há uma dissonância palpável em muitos setores da indústria criativa, principalmente entre os escritores. “Acho que eles são contra o abuso da IA”, diz Kessler.

Segundo ele, a UTA apoia a defesa dos direitos dos escritores e de outros criadores, bem como a proteção contra o uso de material atualmente protegido por direitos autorais para o treinamento de modelos de linguagem.

Os escritores também estão preocupados com os direitos autorais, mas há mais em jogo do que apenas proteger seu trabalho passado. Para muitos criativos, conter a IA é uma questão de proteger seu trabalho futuro.

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O estudo, no entanto, não aborda as implicações futuras da IA no mundo criativo. Kessler diz que não acredita que a tecnologia será tão criativa quanto os humanos – pelo menos não em nossas vidas. E ele está certo ao afirmar que os modelos atuais não são capazes disso. 

Mas já existem novas IAs que podem entender o mundo apenas olhando para ele. O próximo estágio da inteligência artificial não serão os grandes modelos de linguagem, que basicamente são preditores estatísticos burros. O que preocupa os criativos são aquelas capazes de pensar e criar como os humanos.

O medo de que a IA possa, em algum momento, ofuscar a criatividade humana é um temor cada vez mais real, à medida que essas novas tecnologias se tornam exponencialmente mais sofisticadas.


SOBRE O AUTOR

Jesus Diaz fundou o novo Sploid para a Gawker Media depois de sete anos trabalhando no Gizmodo. É diretor criativo, roteirista e produ... saiba mais