Dá para reivindicar direitos autorais de obras criadas com IA generativa?

Para o U.S. Copyright Office, um criador não tem controle criativo suficiente sobre uma ferramenta de IA generativa para reivindicar a criação como sua

Créditos: Muhammed Ensar/ Tara Winstead/ Pexels/ MicroStockHub/ iStock

Brandon Copple 4 minutos de leitura

De acordo com uma decisão tomada pelo U.S. Copyright Office (Escritório de Direitos Autorais dos EUA), ninguém tem o direito reivindicar ou de proteger a autoria de imagens, textos, vídeo ou qualquer outra coisa gerada por inteligência artificial. Portanto, qualquer pessoa pode reutilizar algo que alguém criou usando ChatGPT, DALL-E ou outra ferramenta de IA, se ela quiser.

A boa notícia é que este foi apenas um primeiro passo no desenvolvimento da regulamentação sobre quem tem direitos à propriedade intelectual do conteúdo criado por IA ou feito com auxílio dela no mercado norte-americano. Muito provavelmente, vão apelar dessa sentença e a questão seguirá seu caminho pelo sistema judicial do país.

A decisão veio em resposta a um pedido de direitos autorais de Kristina Kashtanova, autora de uma história em

O grau de envolvimento do artista é a chave para determinar se um criador pode reivindicar uma obra como sua.

quadrinhos. Ela usou o Midjourney para criar as ilustrações em um livro que escreveu. O U.S. Copyright Office decidiu que ela poderia proteger o livro em si (a história e a história somada às ilustrações), mas não as ilustrações, em separado.

Basicamente, o que eles estão dizendo é que um criador não tem controle criativo suficiente sobre uma ferramenta de IA generativa para reivindicar a criação como sua. Mais especificamente, que, como a pessoa não consegue prever exatamente o que uma ferramenta de IA generativa criará, ela não pode proteger esse resultado. 

Lisa Oratz, advogada veterana em propriedade intelectual, diz que esperava que o órgão regulador se concentrasse mais na natureza das entradas – as instruções escritas pela artista no aplicativo para obter as imagens.

Eles deveriam ter analisado o envolvimento humano que a artista descreveu em seu processo e investigado se era detalhado o suficiente para constituir autoria humana. Afinal, essa é a chave para determinar se um criador pode reivindicar uma obra como sua ou não.

TERRITÓRIO DESCONHECIDO

A questão que o Copyright Office está essencialmente tentando responder aqui é: quanto envolvimento humano um criador tem que exercer sobre uma máquina para reivindicar a propriedade de sua produção?

Não é a primeira vez que o sistema legal se desdobra para lidar com essa questão. A polêmica surgiu pela primeira vez quando as câmeras foram inventadas. Naquela época, o argumento era que um fotógrafo não poderia proteger uma fotografia como algo seu, já que era a máquina que capturava a imagem.

há alguma imprevisibilidade envolvida no gesto de tirar fotos ou fazer filmes. Mas essas obras podem, obviamente, ser protegidas por direitos autorais.

Mas a Suprema Corte dos EUA rejeitou essa ideia. Afinal de contas, a câmera não controlava o que estava no enquadramento, ou como o objeto era posicionado, iluminado, exposto e assim por diante. Os fotógrafos controlavam tudo isso, o que era suficiente para reivindicar a autoria e dar a eles o direito de registrar suas fotos. Isso foi há quase 150 anos.

A criadora desse processo envolvendo IA generativa, Kristina Kashtanova, tentou comparar a contribuição criativa que ela colocou em seus comandos para programas de design com os processos que a Suprema Corte considerou suficientes para atribuir autoria aos fotógrafos. Contrariando as expectativas, porém, o Copyright Office introduziu uma cláusula sobre a necessidade de haver um padrão de previsibilidade.

Lisa questiona se esse padrão resistirá a uma futura análise. Afinal, também há alguma imprevisibilidade envolvida no gesto de tirar fotos – o vento pode soprar o cabelo de uma pessoa, ou a câmera pode capturar algo que o fotógrafo não havia percebido – ou na hora de fazer um filme. Só que essas obras podem, obviamente, ser protegidas por direitos autorais.

CONSELHO PARA CRIADORES

Se você estiver usando ferramentas de IA generativas para criar qualquer parte do seu conteúdo – seja a arte da capa de um podcast, o plano de fundo de um vídeo, qualquer coisa – a melhor coisa a fazer é ter certeza de que, durante o processo, você está empregando o máximo de criatividade humana possível.

a linha entre o que é meramente uma ideia e a expressão específica dessa ideia é muito tênue e subjetiva.

Isso significa escrever prompts com o máximo de detalhes, o que vai muito além de apenas sugerir ideias. Será preciso mostrar que tinha uma expressão específica de suas ideias em mente e que optou por usar a IA como uma ferramenta para gerá-la.

É claro que a linha entre o que é meramente uma ideia e a expressão específica dessa ideia é muito tênue e subjetiva. Por isso, é muito difícil ter certeza de que a sua contribuição eleva a obra ao nível de uma criação que pode ser protegida por lei. Provavelmente, as coisas ainda vão permanecer bastante obscuras por um tempo.

Mas vale a pena fazer uma observação final. Como Lisa aponta, o Copyright Office indicou que, se alguém modificar suficientemente a saída gerada, o resultado disso tem mais chances de ser protegido.

Portanto, se estiver usando IA generativa como ponto de partida – por exemplo, usando o ChatGPT para criar um rascunho e depois reescrevê-lo com o seu próprio estilo –, certifique-se de documentar as alterações feitas por você antes de tentar reivindicar a proteção de direitos autorais e deixe isso bem claro no seu pedido. 

Este texto foi publicado originalmente no Descript e reproduzido com permissão. Leia o artigo original.


SOBRE O AUTOR

Brandon Copple é head de conteúdo da Descript, empresa de tecnologia de edição de vídeos. saiba mais