Edifícios modulares podem ser a solução para a crise global de moradia

A arquitetura modular tem uma reputação de não ter personalidade nem vida. A arquiteta Eva Talbot está aqui para acabar com este mito

Crédito: The Construction Broadsheet/ Bernard Hermant/ Unsplash

Doreen Lorenzo 4 minutos de leitura

Eva Talbot é arquiteta e diretora de produtos da Modulous, a primeira empresa de tecnologia de construção a criar um modelo replicável globalmente para casas acessíveis e sustentáveis. Ela foi convidada por Doreen Lorenzo para participar do Designing Women, uma série de entrevistas com mulheres brilhantes na indústria do design.

O que te levou a trabalhar com arquitetura?

Usar sistemas e aplicá-los ao design de forma criativa me levou a fazer o que faço hoje. Estudei na Universidade de Detroit em Mercy, que tem um pequeno programa de arquitetura, mas incrível. Aprendi novas abordagens para solucionar problemas no mundo real com criatividade.

Quando comecei a trabalhar como arquiteta, detalhava e projetava arranha-céus, desses que vemos em capas de revistas. No começo, achava aquilo muito legal. Mas percebi que nem tudo era tão incrível assim – não via muito propósito nesses projetos.

Esse foi o início da minha transição de uma carreira tradicional em design para onde estou hoje, que é usar meu amor por sistemas e complexidade e aplicá-los para criar um melhor design de construção.

No que você está trabalhando hoje? Em casas modulares?

Na Modulous, estamos construindo uma plataforma de tecnologia que permite a construção de residências multifamiliares sustentáveis e de alta qualidade, em larga escala e com rapidez, globalmente. Estamos projetando e construindo módulos de habitação padronizados – como peças de Lego que se conectam, tanto pelos lados quanto por cima e por baixo. Mas esse sistema é muito mais complexo!

Crédito: Eva Talbot

Quando você se dedica a construir casas, tem que lidar com muitas pessoas diferentes: futuros moradores; os profissionais que vão construí-las; aqueles que vão pagar pelo trabalho. E, já que é um processo de pré-fabricação, há questões como montagem, fabricantes e as condições da fábrica. Também temos um foco grande em sustentabilidade e digitalização.

Mesmo com tudo isso, ainda queremos criar algo bonito e que atenda às necessidades do futuro morador. Eu realmente acho que projetar casas é um dos atos mais nobres que se pode fazer para uma pessoa que você nunca conheceu ou conhecerá.

É muito complexo construir algo que, em teoria, é simples. Aí é que está a beleza da complexidade. Aplicamos a tecnologia como parte de um sistema maior para permitir o rápido desenvolvimento de moradias, e é um desafio incrível.

Como você descreveria a missão da Modulous?

A Modulous é uma empresa de tecnologia de construção que foi criada para enfrentar a crise global da habitação, reduzindo o impacto climático do desenvolvimento imobiliário. Acreditamos que todos devem ter acesso a lares sustentáveis, acessíveis e seguros. E sabemos que a melhor maneira de fazer isso é digitalizar o processo e adotar uma abordagem com ativos leves, o que nos permite entrar em mercados muito menores e segmentar os lugares que mais precisam de moradia.

Como você acha que isso afetará as construções e o futuro da arquitetura?

No meu emprego anterior, havia muito medo de que a

projetar casas é um dos atos mais nobres que se pode fazer para uma pessoa que você nunca conheceu ou conhecerá.

tecnologia digital acabasse com os trabalhos de arquitetura. Hoje, acredito que esses medos são completamente infundados. O que a tecnologia fará é nos permitir construir de forma mais rápida os componentes dos projetos. Esses componentes serão bem projetados, bem coordenados e poderão ser montados no local.

Além disso, há todo um escopo de trabalho com o qual você não precisa mais se preocupar. Em vez disso, pode se concentrar em outras coisas, como a fachada, ou em “transformar lugares” e fazer o melhor trabalho possível. Há uma crítica frequente à tecnologia modular de que ela resultará na mesma construção replicada em todos os lugares, e isso não é verdade.

Como seu processo ajuda a acelerar a construção e colocar as casas rapidamente no mercado?

Hoje, conseguimos fazer isso com tanta agilidade porque controlamos a construção e a montagem em um ambiente limpo, seco, seguro, no qual se consegue trabalhar com mais rapidez e precisão. Temos um kit de peças projetado para a montagem no local, que não exige mão de obra altamente técnica. Uma vez que os módulos ficam prontos e são entregues, eles são totalmente à prova de intempéries. Nossa rapidez vem da abordagem com ativos leves, da construção em instalações próprias e da montagem no local.

Tudo fica mais interessante conforme integramos o kit de peças ao software digital. Nos EUA, são exigidos tantos documentos e há tantos obstáculos jurídicos para construir coisas que muitos projetos são abandonados antes mesmo de saírem do papel, já que leva um ano e meio para obter uma licença.

Com nosso software, tornamos o produto replicável e agora temos como pré-certificar nossas soluções – desde os painéis de parede até o modo como um projeto é financiado – para que tudo já esteja aprovado.

Qual você acha que será o futuro do design a partir de dados na arquitetura?

As possibilidades são infinitas, mas acho que todos estávamos esperando a ferramenta certa para a indústria de AEC [arquitetura, engenharia e construção]. O software não suporta bem a replicabilidade, e é por isso que a solução digital em que estamos trabalhando é tão importante para nós. O desejo existe em todo o setor. Quando as ferramentas estiverem disponíveis, ele decolará.


SOBRE A AUTORA

Doreen Lorenzo é reitora assistente da Escola de Design e Tecnologias Criativas e diretora fundadora do Centro de Design Integrado, am... saiba mais