Essas construções triangulares podem ser o futuro das cidades à beira-mar

Com o aumento do nível do mar, talvez mais cidades precisem ser construídas sobre a água

Crédito: Rubén Dario Kleimeer/ Nieuwe Instituut

Nate Berg 4 minutos de leitura

O lago decorativo que cerca o  Nieuwe Instituut foi ocupado por uma enorme estrutura flutuante. Parecendo uma barraca de camping de grandes dimensões, a construção de madeira em formato de A tem mais de seis metros de altura, mas flutua sem esforço sobre uma série de plataformas de plástico. 

É em parte uma instalação e em parte uma provocação: em um país e em um mundo nos quais as cidades baixas estão enfrentando riscos cada vez maiores de inundações com o aumento do nível do mar, as estruturas flutuantes apresentam uma possibilidade de como os edifícios poderão ser construídos no futuro próximo. 

As estruturas flutuantes são assinadas pela empresa de arquitetura NLÉ (sediada em Amsterdã), de Kunlé Adeyemi, responsável por uma nova exposição no museu que aborda o que ele chama de “Cidades da Água” (Water Cities). Arquiteto e designer nigeriano, Adeyemi ganhou fama por projetar uma estrutura flutuante para uma comunidade em Lagos, maior cidade da Nigéria.

Escola flutuante em Lagos, na Nigéria (Crédito: NLÉ)

Com as comunidades costeiras de todo o mundo enfrentando riscos cada vez maiores devido às mudanças climáticas, sua concepção de design urbano se transformou em uma espécie de manifesto sobre como os edifícios e as cidades precisam ser redesenhados para acomodar mais água sob nossos pés.

Esse conceito está agora em exibição no Nieuwe Instituut, o museu de arquitetura, design e cultura digital de Roterdã, na Holanda. Mas o projeto remonta a 2011, quando Adeyemi e sua empresa começaram a pesquisar soluções de moradia acessível no contexto africano.

A NLÉ encontrou inspiração em uma comunidade pesqueira de Makoko, em Lagos, que tem muitas moradias irregulares construídas sobre palafitas, diretamente acima da água.

Feitas à mão com materiais básicos, essas moradias são uma forma econômica de contornar os altos preços das propriedades e da construção, mas não têm a mesma segurança da arquitetura formal.

Crédito: NLÉ

Trabalhando junto à comunidade, os designers adaptaram esse estilo popular para criar uma estrutura triangular robusta que pudesse se sustentar sobre a água usando flutuadores como base. Em 2013, o edifício ficou conhecido como Makoko Floating School, com os dois níveis superiores usados como espaços de ensino para crianças e o nível inferior aberto como um espaço comunitário multifuncional.

A NLÉ encontrou inspiração em moradias construídas sobre palafitas, diretamente acima da água.

Em um dado momento durante a fase de concepção do projeto, uma forte tempestade passou por Lagos, inundando muitas casas. Adeyemi conta que isso trouxe à tona a realidade de que uma estrutura flutuante, por sua natureza, seria resistente conforme as condições climáticas extremas se tornassem mais comuns. 

"Percebi que não estamos apenas lidando com as questões de moradia acessível, mas também com as mudanças climáticas", afirma.

Uma segunda versão da Makoko Floating School foi exibida na prestigiada Bienal de Arquitetura de Veneza em 2016, ganhando o Leão de Prata. Cerca de uma semana depois, chuvas torrenciais atingiram Lagos e a escola flutuante original desmoronou. A experiência do colapso dessa primeira versão ressaltou a necessidade de continuar pesquisando e aperfeiçoando o conceito.

Makoko Floating School exibida na Bienal de Arquitetura de Veneza (Crédito: NLÉ)

Isso levou a mais de uma década de trabalho, explorando como as estruturas flutuantes podem ajudar áreas urbanas a se adaptarem ao aumento do nível do mar. O protótipo que desabou se tornou a base para o que Adeyemi chama de Makoko Floating System.

Trata-se de um projeto de kit de peças adaptável que permite criar edifícios flutuantes similares para vários contextos. Adeyemi o chama de "uma forma de criação de um ecossistema que permite a presença da água no tecido urbano. Faz parte de uma nova forma de urbanismo que não luta contra a água, mas que aprende a viver com ela e se adapta a ela".

Desde então, o Makoko Floating System foi instalado em um lago em Bruges, na Bélgica; em outro lago em Chengdu, na China; e como um estúdio permanente de gravação e apresentação musical com três estruturas na ilha de Cabo Verde, na África Ocidental. "Sempre há algum aprimoramento. Sempre aprendemos algo ou tentamos algo diferente", diz ele.

O sistema evoluiu para se tornar uma estrutura de madeira pré-fabricada, disponível em três tamanhos, que pode ser construída manualmente pelos usuários. Também foi projetado para desmontagem e remontagem. Adeyemi espera que as estruturas sejam movidas conforme necessário.

A instalação no Nieuwe Instituut prevê as estruturas flutuantes como base para um novo tipo de projeto urbano, com edifícios e infraestrutura flutuantes fornecendo os elementos essenciais de comunidades costeiras em rápido crescimento em lugares como África e Ásia. 

As comunidades ribeirinhas existem nessas regiões há centenas de anos. A formalização de sua arquitetura seria uma maneira de se adaptar a um clima em rápida mudança.

Mas, para chegar lá, Adeyemi reconhece, será necessária uma grande mudança na mentalidade de pessoas e instituições que planejam e constroem as cidades. "Isso vai levar muito tempo."


SOBRE O AUTOR

Nate Berg é jornalista e cobre cidades, planejamento urbano e arquitetura. saiba mais