Esta árvore terá autonomia e lutará pela própria sobrevivência

Obra de arte da 58ª exposição Carnegie International, a árvore legalmente autônoma será proprietária da terra em que cresce

Crédito: Alex Sh/ Unsplash

Nate Berg 4 minutos de leitura

Em alguns metros quadrados de terra no campus do Community College, faculdade da cidade norte-americana de Pittsburgh, foi plantada uma árvore que pode mudar o mundo.

Em um arranjo complicado, um exemplar da árvore de goma preta (espécie nativa da América do Norte) se tornou uma entidade legalmente autônoma, que possui a terra em que está plantada.

Os cuidados serão fornecidos pelo Carnegie Museum of Art, museu de arte contemporânea também situado em Pittsburgh. A árvore, que ainda está fincando suas raízes, é uma tentativa de reescrever as regras de conservação da espécie, em benefício da totalidade do mundo natural não humano.

A árvore e a estrutura jurídica não convencional que a protege são um projeto do Terra0, grupo de artistas com sede na Alemanha que tem explorado o uso de novas tecnologias e de marcos legais para defender os ecossistemas por meio de leis humanas que possam abranger seres não humanos.

Encomendada e plantada como parte da 58ª exposição de arte Carnegie International, inaugurada no último dia 24 de setembro, esta árvore tentará se tornar um precedente legal, servindo de exemplo para como outras espécies podem ganhar autonomia e proteção sob o status de pessoa jurídica. 

“Estamos interessados ​​em como a noção de pessoa é construída em termos legais, mas também em termos econômicos”, diz Paul Seidler, um dos três artistas por trás do Terra0. “Até as empresas podem ganhar direitos pessoais, as chamadas 'pessoas jurídicas'. Por que não há nada assim para ecossistemas ou sistemas naturais?”

O Terra0 argumenta que espécies não humanas merecem seus próprios conjuntos de regras e direitos.

O coletivo Terra0 começou a explorar essa ideia em 2015. Os artistas inicialmente pensaram em usar a tecnologia blockchain para sustentar a soberania de um pedaço de terra na Floresta Negra da Alemanha. Mas esbarraram nos desafios computacionais do rastreamento digital de milhares de árvores, arbustos e plantas florestais.

Assim, decidiram reduzir o projeto a uma única árvore. A partir de 2018, começaram a trabalhar com Sohrab Mohebbi, curador da 58ª Carnegie International, para descobrir como seria possível realizar tal projeto. “A árvore tem sua própria assessoria jurídica, o museu tem sua assessoria jurídica e o parceiro que está nos oferecendo a terra também tem sua assessoria jurídica. É incrível”, diz Mohebbi.

Depois de trabalhar com vários advogados, o coletivo Terra0 se concentrou em uma entidade legal que parece ser uma precursora do ganho de personalidade jurídica de uma árvore: uma organização de bem-estar social descrita no Internal Revenue Code (IRC), isenta de impostos – e que, hoje em dia, é mais comumente usada para lobby político.

É desafiador atribuir personalidade, como um status legal, para espécies não humanas. O caso recente de Happy, um elefante asiático do Zoológico do Bronx para quem os advogados passaram anos tentando, sem sucesso, garantir direitos pessoais, é um exemplo da batalha árdua pelos direitos não humanos.

Até as empresas podem ganhar direitos pessoais. Por que não há nada assim para ecossistemas?

Embora Happy tenha demonstrado uma profunda inteligência emocional, mais comumente associada a pessoas do que a animais, os tribunais ainda hesitam em conceder a esse elefante os mesmos direitos inalienáveis ​​de um humano.

O Terra0 espera que, com uma árvore, seja mais simples argumentar que espécies não humanas merecem seus próprios conjuntos de regras e de direitos. A árvore plantada em Pittsburgh pretende usar seu status de organização de bem-estar social para ajudar a construir esse caso legal e, um dia, se tornar não apenas legalmente autônoma, mas também proprietária de si mesma.

“A certa altura, a árvore ganharia personalidade jurídica”, diz Paul Kolling, do Terra0. “Quando isso acontecer, poderemos usar um corpo legal tradicional, como uma LLC (empresa de responsabilidade limitada), no qual ela – que nesse momento já terá personalidade jurídica e, portanto, todos os direitos e deveres de uma pessoa – poderá ser a única acionista de uma empresa que a detenha.”

Em troca do cuidado que o Museu de Arte Carnegie vai fornecer inicialmente, a árvore cunhará todo ano tokens não fungíveis que a instituição poderá vender para compensar os custos e para manter seu status de organização de bem-estar social em operação.

“Para nós, trata-se de tentar ver para quais propósitos essas novas tecnologias podem ser usadas, mas também destacar para quais elas não podem ser usadas”, diz Kolling. “Sabemos que isso provavelmente causará alguma turbulência legal, mas é importante que essa turbulência seja interessante.”

A árvore foi plantada em julho. Para o Terra0, a esperança é que ela viva muito depois desta edição da exposição de arte Carnegie International, e que sua autonomia legal se torne um ponto de referência para que outras espécies não humanas, ou para ecossistemas inteiros, ganhem sua própria forma de personalidade e proteção legal.

Mohebbi explica que é exatamente por isso que ele queria que esse projeto fizesse parte da exibição. “Gosto de pensar nisso como um protótipo. Uma vez que isso for adiante, poderemos entender como pode ser aplicado em maior escala. Por que o Grand Canyon não pode ser dono de si mesmo?”, questiona.


SOBRE O AUTOR

Nate Berg é jornalista e cobre cidades, planejamento urbano e arquitetura. saiba mais