Esta máquina biológica vai transformar alimentos desperdiçados em fertilizante

Crédito: Harp Renewables/ Ermelinda Martin/ Unsplash

Nate Berg 4 minutos de leitura

Prédios residenciais produzem um volume enorme de lixo todos os dias, sendo grande parte dele comida. Estima-se que 30% do lixo de uma casa comum são restos de comida ou alimentos desperdiçados. No dia de coleta, todo ele é transportado em caminhões, causando grandes prejuízos ambientais.

Mas um novo prédio no Bronx encontrou uma maneira de manter esses resíduos no local e transformá-los em algo produtivo. Por meio do uso de um biodigestor – uma espécie de máquina biológica na qual micróbios devoram e processam rapidamente o lixo orgânico – os resíduos são transformados em fertilizante.

Este digestor faz parte do Peninsula, um projeto multifásico criado em parceria pela Gilbane Development Company e pela Hudson Companies e que, no futuro, contará com 740 unidades de moradias populares e aproximadamente 1.400 metros quadrados de espaço comercial. Os dois primeiros edifícios a serem concluídos serão uma torre residencial e um espaço industrial com cerca de 4.700 metros quadrados que abrigará várias empresas de alimentos. O digestor ficará no porão do prédio industrial e os restos de comida do edifício residencial (e também de outros no futuro) serão transportados diariamente para processamento. Contêineres especiais para resíduos de alimentos serão fornecidos a todos seus residentes.

Desenvolvido pela Harp Renewables, o digestor é uma espécie de junção entre uma lixeira e uma máquina de lavar louça e, em um único dia, é capaz de transformar meia tonelada de restos de comida descartados em cerca de 100 quilos de fertilizante.

E chega em um momento mais do que oportuno, já que fertilizantes se tornaram um produto surpreendentemente lucrativo. Suas matérias-primas, como potássio extraído e amônia fabricada industrialmente, atingiram preços recordes, em parte devido à guerra na Ucrânia, onde muitos de seus ingredientes são produzidos. Além disso, o uso de combustíveis fósseis no processo de transformação desses ingredientes em fertilizantes comerciais agravam questões climáticas, aumentando as emissões e acelerando seus impactos.

Mas o biodigestor interno consegue trazer essa produção para o porão dos edifícios, praticamente eliminando a necessidade de combustíveis fósseis no processo.

Clare Miflin, fundadora do Center for Zero Waste Design, foi convidada para aconselhar o projeto. Ela acredita que esse tipo de tecnologia pode desempenhar um papel importante na redução do volume de lixo que os edifícios comerciais e residenciais produzem. “Esta é uma ótima solução”, diz ela. “Porque permite lidar com o desperdício de alimentos de forma quase que imediata, já que pode ser utilizado diariamente, assim, reduzindo o odor e a necessidade de transporte em caminhões para aterros ou locais de descarte.” 

Esse sistema produz fertilizantes naturais e potencialmente valiosos, explica Christina Grace, fundadora da Foodprint Group, que administrará o digestor da empresa responsável pelos edifícios, a MHANY. “Com o passar do tempo, será bastante econômico e eficiente para a MHANY lidar com os orgânicos em ambos os edifícios”, diz ela.

A instalação do digestor custou cerca de US$ 50 mil, sendo 40% desse valor doado pelo Estado de Nova York. Grace afirma que se trata de investimento capaz de pagar por si mesmo seu valor em cerca de três a cinco anos, já que dispensa as taxas municipais de coleta de lixo. 

No entanto, Grace conta que, pelo menos por enquanto, o fertilizante produzido será doado. “O objetivo é que seja levado a hortas comunitárias no Bronx”, diz ela. “E isso é algo facilmente replicável. Sabemos da importância e necessidade de fertilizantes.”

Embora este seja o primeiro projeto no estado de Nova York a usar um biodigestor, a tecnologia está chegando lentamente a outros edifícios residenciais, como uma alternativa de processamento de resíduos. Grace menciona que outro digestor está sendo instalado em um prédio residencial no Brooklyn. Digestores semelhantes já estão presentes também em outras construções, como em um hotel na Irlanda e em um zoológico em Cincinnati. Mas ainda há desafios quanto ao uso dessa tecnologia. Miflin observa que os códigos de obras para a construção civil não contemplam formas de lidar com ela, tampouco com a ventilação que o sistema exige. Miflin aponta que a questão da ventilação poderia ser solucionada através de aberturas no encanamento que os edifícios já possuem; mas, enquanto esta solução não é implementada, seu custo pode se manter desnecessariamente elevado. 

Miflin e Grace garantem que essa tecnologia pode eventualmente gerar retorno econômico, o que pode compensar seu custo e facilitar todo o processo de construção.

Outro grande benefício dessa tecnologia de gestão de resíduos é a redução de pragas. Na cidade de Nova York, onde a maior parte do lixo ainda é ensacada e deixada nas calçadas para coleta, ele acaba se tornando um imã para os ratos e baratas da cidade. Acabar com o desperdício de alimentos também pode eliminar as pragas urbanas que esses alimentos atraem. “Acredito que isso possa fazer com que os prédios se livrem delas”, diz Miflin.


SOBRE O AUTOR

Nate Berg é jornalista e cobre cidades, planejamento urbano e arquitetura. saiba mais