Este novo absorvente higiênico pode ajudar a diagnosticar doenças graves

O Q-pad passou por mais de mil iterações com a ajuda de um robô “que menstrua”

Crédito: Qvin

Elissaveta M. Brandon 4 minutos de leitura

Há mais ou menos 20 anos, um magnata da tecnologia e fã de suco verde convenceu o mundo de que uma única gota de sangue processada em uma caixa preta misteriosa seria a revolução dos diagnósticos.

Mas enquanto a Theranos estava se queimando e falindo, outra empresa de biotecnologia desenvolvia algo um pouco diferente e muito mais sensato. A novidade tem a ver com a menstruação.

O Q-pad é um absorvente higiênico inovador, que permite que as pessoas que menstruam coletem seu sangue menstrual no conforto de suas casas e façam o teste para várias doenças, como pré-diabetes e diabetes, saúde da tireoide, anemia, fertilidade, perimenopausa e câncer cervical – que atualmente só pode ser detectado por meio de um exame de Papanicolau bastante invasivo. 

O produto foi aprovado pela FDA (a agência norte-americana que regula alimentos e remédios), mas não antes de passar por mais de mil alterações de design com a ajuda de um robô que menstruava chamado Betty. Agora, o Q-pad está à venda nos EUA por um preço semelhante ao de um exame de sangue comum (US$ 49 por uma embalagem com dois).

O Q-pad é uma criação de Sara Naseri e sua empresa de pesquisa em biotecnologia Qvin. Ele funciona exatamente como um absorvente comum, exceto pelo fato de que também vem com uma cavidade oval translúcida que permite saber se você coletou sangue suficiente para fins de diagnóstico, além de uma pequena aba que a pessoa puxa para remover uma tira de papel.

Crédito: Qvin

Em seguida, a pessoa coloca essa tira em um dispositivo de coleta antes de enviá-la para a clínica, que pode testá-la e compartilhar os resultados em um aplicativo ou por e-mail. "Queríamos garantir que fosse uma experiência simples e não bagunçada", conta Naseri.

Ela ainda estava na faculdade de medicina quando se deu conta: as mulheres sangram todos os meses, por que ninguém utiliza esse sangue para fins de diagnóstico? " Estamos sangrando de qualquer maneira...", observa. 

O grande número de variáveis inspirou a criação de Betty, um robô “que menstrua”.

Naseri suspeitava que o sangue menstrual tinha utilidade clínica e decidiu provar isso. Ela se matriculou na Faculdade de Medicina da Universidade de Stanford, fundou a Qvin em 2014, publicou seu primeiro artigo em 2016 e começou a realizar mais de 15 testes clínicos.

O que ela descobriu foi surpreendente: o sangue menstrual tem cerca de 400 biomarcadores exclusivos. Isso corresponde a menos da metade do número de biomarcadores encontrados no sangue venoso. Mas, como ela ressalta, são 400 marcadores que até então não sabíamos que existiam no sangue menstrual.

Crédito: Qvin

Alguns desses biomarcadores também podem ser encontrados no sangue venoso, mas outros são exclusivos do sangue menstrual. Esse é o caso do câncer cervical, que se instala no útero, por onde o sangue flui quando a pessoa está menstruada.

Em 2020, o câncer do colo do útero matou mais de 340 mil mulheres em todo o mundo e Naseri explica que ele só pode ser evitado se for feito o rastreamento.

"O novo exame elimina uma barreira de acesso à saúde, porque não é necessário ir até o consultório médico e ser picada com uma agulha", diz ela. "Posso, em casa mesmo, coletar uma amostra de sangue que pode me dar informações sobre minha saúde."

A CRIAÇÃO DE UM NOVO PROCESSO DE DIAGNÓSTICO

O Q-pad é o resultado de 10 anos de pesquisa e de cerca de sete anos de iteração de design. Por que tanto tempo? Por um lado, porque as mulheres não menstruam o tempo todo, e pode ser difícil prever quando isso ocorrerá.

O grande número de variáveis dificultou a iteração do produto pela equipe e a inspirou a criar Betty, um robô “que menstrua”, ao qual Naseri se refere, em tom de brincadeira, como "um grande membro da nossa equipe".

A curiosa figura de Betty consiste em uma calcinha com um absorvente higiênico amarrada em um assento de bicicleta. Um braço motorizado empurra o assento para baixo, enquanto outro o inclina para frente e para trás para simular vários tipos de pressão e níveis de fluxo. 

Crédito: Qvin

Tudo isso acontece enquanto um longo tubo distribui sangue de uma bolsa de sangue para o absorvente. Betty ajudou a equipe a fazer ajustes até chegarem a um design confiável de absorvente, que conseguisse coletar sangue independentemente do fluxo. Depois que isso foi resolvido, eles começaram a fazer testes em seres humanos.

Naseri diz que experimentou "todas as modalidades" de coleta de sangue, inclusive copos menstruais, mas acabou optando pelo absorvente externo porque quem menstrua já está familiarizada com a experiência.

O Q-pad é o resultado de 10 anos de pesquisa e de cerca de sete anos de iteração de design.

Esse tipo de absorvente também mantém a integridade do sangue de uma forma que um copo menstrual talvez não mantenha, em parte porque ele tem uma superfície grande o suficiente a ponto de acomodar uma tira de papel integrada.

Isso não quer dizer que a Qvin vai se limitar aos absorventes externos. "Acho que a tecnologia que criamos pode ser usada em outros produtos de higiene feminina", diz Naseri, citando várias patentes para outras formas de coleta de sangue: "O Q-pad é o primeiro, mas talvez lancemos uma versão no formato de absorvente interno".


SOBRE A AUTORA

Elissaveta Brandon é colaboradora da Fast Company. saiba mais