Ex-designer da Nike cria bota capaz de prevenir amputações decorrentes do diabetes

Crédito: Foot Defender/ Divulgação

Mark Wilson 5 minutos de leitura

Todos os anos, mais de 20 mil pessoas sofrem amputações nos EUA, sendo que 130 mil delas decorrem especificamente de complicações do diabetes. Úlceras costumam se formar na sola dos pés dos doentes e, com o peso de seus próprios corpos, essas feridas custam a cicatrizar. A amputação acaba sendo necessária em muitos casos. Após esse procedimento, uma pessoa com diabetes tem a mesma taxa de mortalidade em cinco anos um paciente com câncer.

Depois de décadas trabalhando área, o podólogo Jason Hanft se sentia frustrado com sua incapacidade de melhorar a qualidade de vida de seus pacientes. Depois de analisar o que estava acontecendo de errado em seu próprio consultório, ele se uniu ao ex-designer da Nike Michael DiTullo disposto a encontrar uma solução nova.

Jason Hanft (esq.) e Michael DiTulio se uniram para criar um calçado para diabéticos (Crédito: Foot Defender/ Divulgação)

Fecho de velcro facilita calçar a bota

Ao longo de quatro anos, eles desenvolveram um produto chamado Foot Defender. Trata-se de uma bota médica que parece, propositalmente, um tênis de basquete de cano alto. Toda a parte da frente tem velcros, que tornam mais fácil deslizar o pé para dentro.

Uma vez calçado, o produto redistribui o peso da planta do pé, onde ocorrem 83% das feridas diabéticas, para a panturrilha e a perna. Com isso, 80% dos pacientes se curaram em uma média de cinco semanas e meia, segundo estudo clínico. Em comparação, apenas 21% das feridas diabéticas cicatrizavam normalmente em 12 semanas. Como resultado, Hanft acredita que seu produto poderia evitar a amputação de até 80 mil membros por ano, apenas nos EUA.

“Sabíamos o que precisávamos fazer”, diz Hanft. “Tínhamos que criar um dispositivo que fosse fácil de usar e que os pacientes quisessem usar em suas atividades diárias, que é o que faltava no cuidado dessas feridas”.

Hanft entende tão bem o problema porque o estudou por anos. Ele começou sua própria pesquisa, entrevistando 5 mil pacientes e seus médicos. Sua equipe perguntou aos pacientes por que eles achavam que não estavam tendo mais sucesso no cuidado com os ferimentos. A a maioria afirmou que as botas médicas que tinham em casa eram difíceis de calçar, difíceis de andar e que os deixavam constrangidos, porque tinham aparência de acessório médico.

“Esse foi o momento em que tive um clique. Estávamos exigindo de pessoas com obesidade mórbida, na maioria das vezes, que elas se esticassem até seus pés para calçar os dispositivos médicos.”, diz Hanft. “Mas eles não conseguem fazer esse movimento com facilidade.”

Uma bota mais bonita e mais fácil de calçar resolveria muitos desses problemas. Mas Hanft sabia que teria um produto inovador se conseguisse criar uma bota que, além de bonita e fácil de calçar, removesse a pressão no pé.

Para ter um produto inovador seria preciso criar uma bota que, além de bonita e fácil de calçar, removesse a pressão no pé.

Depois de levantar um capital não revelado, Hanft recrutou DiTullo, ex-designer da Jordan, da Converse e da Nike, que o ajudou a concretizar seu sonho. A primeira preocupação de DiTullo foi como resolver a função principal da bota: aliviar a pressão dos pés. E ele encontrou grande parte da solução para isso mudando o design padrão de calçados.

Um tênis comum empurra o peso para as pontas dos pés, onde a pessoa se equilibra e fica pronta para correr. Em um calçado como o clássico Air Max 270, por exemplo, um deslocamento total de 10 milímetros é o que inclina o pé nessa direção. Entretanto, o que funciona tão bem para a prática do esporte é terrível para feridas diabéticas.

Por isso, DiTullo adicionou um salto, para inclinar a pessoa de volta sobre os calcanhares. É uma pequena inclinação, apenas 2 milímetros. "No total, a diferença é de 12 milímetros em relação a um tênis comum. Ainda não parece muito, mas faz toda a diferença”, diz DiTullo.

Embora muitas botas médicas, e até mesmo calçados da marca Timberland, já tenham um salto arredondado para melhorar a marcha, essa mesma abordagem não funcionaria para o Foot Defender. Por quê? Porque quando alguém anda sobre um sapato com um leve salto, ele transfere mais pressão para o pé oposto, fazendo com que desenvolva uma úlcera.

Para apoiar também a perna e o calcanhar, uma grande concha moldada por injeção foi adicionada dentro do Foot Defender, como uma bota de esqui. “Ele fica travado no tornozelo para que você não consiga de jeito nenhum se inclinar para frente”, diz DiTullo. “Na frente [na língua da bota] há fibra de carbono moldada, que impede a pessoa de projetar os joelhos para frente de modo a forçar os dedos dos pés.”

BOTA MÉDICA QUE PARECE UM TÊNIS ESPORTIVO

Originalmente, a DiTullo havia projetado o Foot Defender como um produto médico mais bonito, mas ainda dentro do padrão desse tipo de acessório: pensado para ser produzido por injeção em fábricas médicas. “Um ano depois, mudei de ideia. Percebi que estávamos fazendo tudo errado”, lembra DiTullo. “Precisei parar de tentar ensinar uma fábrica médica a fazer um bem de consumo e ensinar uma fábrica de calçados a construir uma bota com toda a precisão necessária.”

Com essa nova abordagem, as partes duras moldadas por injeção entraram na constituição interna do sapato, enquanto uma camada externa, mais macia, as esconde. Fica parecendo um tênis de cano alto normal, como tantos outros. Foi adicionada a sola plana de um sapato de skate, para manter o pé plano. Mas ela foi misturada com um padrão de “espinha de peixe” na parte inferior, para ajudar na tração - a mesma abordagem adotada em tênis de basquete.

Cada componente sugere um design funcional, sinalizando ao cérebro que se trata de um equipamento esportivo que qualquer um gostaria de usar, e não de um produto médico.

De acordo com a própria pesquisa da empresa, todos esses componentes resultaram em um sapato que reduz a força na sola do pé em até 80% a mais do que outros produtos do mercado.

Hanft vislumbra mais lançamentos para o Foot Defender, na esperança de não apenas tratar úlceras nos pés, mas também de prevenir a alta taxa de recorrência: “Temos pela frente o desafio de uma linha inteira de produtos para gerenciar feridas diabéticas”, planeja.


SOBRE O AUTOR

Mark Wilson é redator sênior da Fast Company. Escreve sobre design, tecnologia e cultura há quase 15 anos. saiba mais