Fotógrafo brasileiro recria universo pop com crianças negras

Releituras de ícones da infância viralizam com imagens cheias de imaginação, representatividade (e fofura)

Crédito: Ruan Walker/ @ rwfotografiaa

Camila de Lira 3 minutos de leitura

E se as crianças negras fossem as protagonistas dos desenhos e quadrinhos que tanto amam? E se a representatividade também fosse papo para os pequenos? O brasileiro Ruan Walker transformou as respostas para essas perguntas em uma série de fotos nas quais crianças negras fazem a releitura de personagens como as princesas da Disney e a Turma da Mônica.

Feitas em um bairro periférico da cidade de Rio das Ostras (RJ), as fotografias viralizaram e chegaram até ao ator Lázaro Ramos e ao próprio criador da Turma da Mônica, Maurício de Sousa.

“A ideia surgiu de uma necessidade de trazer mais representatividade para as redes. Sentia falta de ver pessoas como eu na TV, na internet e até no meu trabalho”, diz Walker.

A percepção do fotógrafo não é exceção quando se trata do que o Brasil mostra para suas crianças. De acordo com pesquisa feita pela ONG Avante, apenas 6% das bonecas vendidas no Brasil em 2020 eram negras.

Análise da agência Heads, em parceria com a ONU Mulheres, mostra o quanto a publicidade infantil brasileira ainda é pouco diversa. Levantamento feito em inserções publicitárias veiculadas entre abril e dezembro de 2021 na TV brasileira revela que não houve mulheres e meninas negras protagonizando comerciais infantis. Meninos e homens negros foram apenas 7% do total dos protagonistas masculinos das propagandas voltadas para crianças.

Neste cenário, colocar as crianças negras como as artistas principais dos ensaios tem função inspiracional e educacional. “É preciso tratar as questões de representatividade desde pequeno. Para que a criança negra já cresça sabendo da sua beleza, do seu valor. Para que ela consiga se ver como prioridade”, afirma Walker.

Fã de quadrinhos e de desenhos animados desde que era do tamanho dos modelos que retrata hoje, o fotógrafo não se via nas obras de que mais gostava. Ele conta que demorou para entender o sentimento de inadequação e de não pertencimento.

Foi só em 2017, quando começou a atuar profissionalmente, que passou a compreender a sua identidade. ”O Ruan criança amaria os ensaios.”

REDES SOCIAIS PARA O BEM

Em 2023, a Disney lançou o live-action “A Pequena Sereia” com a atriz Hallie Bailey como Ariel. Quando o primeiro teaser do filme foi anunciado, campanhas de boicote foram anunciadas nas redes, o que levou o vídeo a ter mais de um milhão de “descurtidas” no YouTube em menos de um dia.

Os ensaios feitos por Ruan passaram pelo efeito reverso: só as fotos oficiais da Turma da Mônica negra tiveram mais de um milhão de curtidas no Instagram. Isso sem contar nas republicações. “As fotos chegaram em lugares que nunca imaginei. Pessoas que admiro estão compartilhando. A internet tem disso”, comenta o fotógrafo.

Desde o primeiro ensaio, feito no começo do ano passado, a escolha de Walker foi por retratar crianças de regiões próximas, com preferência para os conhecidos e vizinhos. Ruan conversa com as mães antes, pergunta se a criança se sente confortável em estar na frente das câmeras. O questionário também conta com uma pergunta fundamental: você ama o personagem que vai retratar?

Logo que sabem que irão participar do ensaio, os pequenos fazem uma verdadeira imersão nos personagens. Assistem aos filmes e desenhos repetidamente, a ponto de conseguirem repetir trejeitos e falas. Tudo faz parte do faz-de-conta, que ganha vida no momento da caracterização. “A partir da hora que elas estão com o figurino, não querem nem ser chamadas pelo próprio nome, só pelo nome do personagem”, conta Ruan.


SOBRE A AUTORA

Camila de Lira é jornalista formada pela ECA-USP, early adopter de tecnologias (e curiosa nata) e especializada em storytelling para n... saiba mais