George Monbiot: “é mais barato falar de mudanças do que mudar”

Para o renomado jornalista e ambientalista inglês, as empresas não mudarão suas práticas prejudiciais ao meio ambiente até que os governos as obriguem

Crédito: Guy Reece/ Istock

Claudia Penteado 6 minutos de leitura

O inglês George Monbiot é jornalista, escritor, acadêmico, ambientalista e colunista de um dos jornais mais relevantes do planeta, o The Guardian. Escreveu diversos livros, como "A era do consenso", "Heat: how we can't stop the planet from burning" (Calor: como não podemos frear o aquecimento do planeta), "How did we get into this mess?" (Como nos metemos nessa enrascada?) e o mais recente, "Regenesis: feeding the world without devouring the planet" (Regênesis: alimentando o mundo sem devorar o planeta).

Seu jornalismo investiga as mazelas ambientais do nosso planeta, a ponto de receber ameaças de morte que, segundo comenta, não costuma levar a sério. Nesta conversa com a Fast Company Brasil, Monbiot fala sobre essa atividade que inevitavelmente passa pelas suas crenças pessoais e aponta problemas, mas também algumas soluções. Porque sim, apesar de tudo, ele ainda confia na humanidade. 

FC Brasil – Você é considerado um dos "mais corajosos" jornalistas ambientais da atualidade. O que é que lhe dá este título, na sua opinião?

George Monbiot – Na verdade, acho que os jornalistas e ativistas ambientais mais corajosos são aqueles cujas vidas estão em risco. Um grande número de pessoas que procuram expor quem destrói o mundo natural são mortas todos os anos: no Brasil, no México, nas Filipinas e em outras nações. Por vários anos, o jornalismo investigativo colocou minha vida em risco. Mas, apesar das ameaças de morte que recebo – que não levo a sério – raramente me sinto ameaçado hoje.

FC Brasil – Ser um bom jornalista é, também, ser ativista? Essa combinação é a que funciona melhor se você realmente quer ser crítico sobre o que está escrevendo e contribuir de alguma forma para a mudança?

Monbiot – Acredito que, à medida que nos envolvemos com a situação mais grave que a humanidade já enfrentou – o colapso crescente dos sistemas da Terra –, temos dois deveres. O primeiro é garantir, como jornalistas, que nossas reportagens sejam precisas e bem embasadas.

O jornalismo ambiental tornou-se tecnologicamente mais fácil e politicamente mais difícil.

O segundo é garantir, como seres humanos, que expliquemos o que é preciso fazer para evitar desastres ambientais. Com isso, me refiro não apenas às medidas técnicas, mas também às medidas econômicas e políticas, incluindo a ação direta não violenta.

Não vejo contradição entre relatar objetivamente e participar pessoalmente dessa ação para tentar evitar as catástrofes sobre as quais temos alertado.

FC Brasil – O que mais mudou na forma como você faz seu trabalho, nos últimos 30 anos? Como ele se tornou mais frustrante ou estimulante?

Monbiot – O jornalismo ambiental tornou-se tecnologicamente mais fácil e politicamente mais difícil. Os equipamentos de gravação melhoraram imensamente, a transmissão é instantânea, mas enfrentamos um ambiente de mídia muito mais hostil do que no início da minha carreira.

Por exemplo, hoje seria impossível fazer os programas que fiz para a BBC nos anos 1980. As barreiras que os gerentes e advogados da BBC levantariam seriam insuperáveis. Eles ficaram extremamente receosos de perturbar interesses poderosos.

Mais positivamente, as mídias sociais permitem que uma gama muito maior de vozes seja ouvida e que canais alternativos sejam estabelecidos. Trabalho, por exemplo, com a Double Down News, fazendo vídeos políticos, alguns dos quais são vistos milhões de vezes.

FC Brasil – Como lida com os haters?

Monbiot – Quando jovem, trabalhando na Papua Ocidental, Maranhão e Amazônia brasileira, eu estava em constante perigo de ser morto por aqueles a quem expus. Trolls na internet não me incomodam muito.

FC Brasil – Por que a maioria das empresas não está levando as mudanças climáticas a sério?

Monbiot – Porque é mais barato falar em mudar suas

Estive em constante perigo de ser morto por aqueles a quem expus. Trolls na internet não me incomodam muito.

políticas do que mudá-las. Relações públicas custa menos do que aposentar investimentos antigos, substituindo maquinário, equipe ou práticas de negócios.

A maioria das empresas não mudará até que os governos as obriguem, tornando as regulamentações mais rígidas. Até esse ponto, se melhorarem suas práticas, correm o risco de serem superadas em preço por concorrentes que não o fizeram.

FC Brasil – Que categorias de negócios são hoje as mais prejudiciais ao meio ambiente e seguem muito atrasadas?

Monbiot – Sabemos, é claro, sobre combustíveis fósseis, produtos químicos e empresas madeireiras. Mas a difícil verdade é que o mais prejudicial de todos os setores é o agropecuário, especialmente a pecuária.

A agricultura é a principal causa de destruição do meio ambiente, responsável pela perda de vida selvagem, extinção de espécies, degradação do solo, uso de água doce e, acima de tudo, uso da terra.

É por causa da alta demanda por terra que a pecuária é tão prejudicial: grandes áreas são necessárias para produzir pouco alimento. Cada hectare de terra que usamos para nossos próprios propósitos é um que não pode suportar ecossistemas selvagens, como floresta tropical e cerrado.

FC Brasil – Qual é a sua visão sobre o Brasil hoje?  

Monbiot – Acho que Bolsonaro concorre com Putin pelo título de homem mais perigoso da Terra. Enquanto Putin ameaça uma guerra nuclear, Bolsonaro fez mais do que qualquer outra pessoa para acelerar um tipo diferente de aniquilação – o colapso do planeta habitável.

a difícil verdade é que o mais prejudicial de todos os setores é o agropecuário.

Muitos de nós no Reino Unido estão muito conscientes da importância da escolha que o Brasil enfrenta no segundo turno [da eleição presidencial] e das enormes consequências que isso tem para a vida na Terra.

FC Brasil – O que você considera inovação hoje, pensando no que as empresas estão fazendo para ajudar a combater as mudanças climáticas?

Monbiot – Acho que a mais importante de todas as tecnologias ambientais é aquela que a maioria das pessoas ainda não ouviu falar – fermentação de precisão. Isso envolve a criação de farinhas com alto teor de proteína sem insumos agrícolas, reduzindo as pegadas de terra, água e nutrientes da produção de alimentos a uma pequena fração. Ela nos permite substituir os produtos de origem animal que, acima de tudo, estão causando o colapso ambiental.

FC Brasil – Conte mais sobre seu novo livro.

Monbiot – Ele explora o que acho que é a questão mais importante de todas: como alimentar o mundo sem devorar o planeta. Observo como podemos manter altos rendimentos das colheitas enquanto reduzimos bastante os impactos e como podemos transferir a produção de alimentos ricos em proteínas (de origem animal e vegetal) para fora da terra e para a fábrica.

Por mais contraintuitivo que pareça, isso criaria o maior de todos os benefícios ambientais, pois poderíamos restaurar ecossistemas em grandes áreas, interrompendo simultaneamente a extinção em massa e consumindo grandes quantidades de carbono.

FC Brasil – George, o que lhe dá esperança?

Monbiot – As pessoas me dão esperança. Nós fizemos esses sistemas. Podemos fazê-los de forma diferente. E quando nos reunimos em grande número e exigimos mudanças democráticas, podemos criar o mundo que queremos ver.


SOBRE A AUTORA

Claudia Penteado é editora chefe da Fast Company Brasil. saiba mais