Sem medo de ousar: Madonna usa vídeos criados por IA em sua turnê

A rainha do pop está usando elementos visuais gerados por IA na Celebration Tour

Crédito: Fast Company Brasil

Matt O'Brien 4 minutos de leitura

Em sua nova turnê, Celebration Tour, Madonna traz de volta um de seus maiores sucessos dos anos 1980, “La Isla Bonita”, com imagens em movimento de nuvens em um pôr do sol projetadas nas telas gigantes das arenas que recebem o show.

Para criar esse visual etéreo, a rainha do pop adentrou um território ainda inexplorado da inteligência artificial generativa – as ferramentas de conversão de texto para vídeo. Com elas, basta digitar algumas palavras, como “um pôr do sol surreal com nuvens” ou “uma cachoeira na floresta ao amanhecer”, e um vídeo é gerado na hora.

Para a artista, conhecida por desafiar os limites da arte, este foi mais um experimento. Ela descartou uma versão anterior das imagens para “La Isla Bonita” que usava computação gráfica convencional para evocar um clima tropical.

“Tentamos CGI, mas o resultado ficou bastante sem graça e cafona, e ela não gostou”, revela Sasha Kasiuha, diretor de conteúdo da turnê, que se estende até o final de abril. “Então decidimos experimentar IA.” A equipe de Madonna testou a ferramenta de uma startup chamada Runway.

O CEO da empresa, Cristóbal Valenzuela, ressalta que, embora alguns vejam essas ferramentas como um “dispositivo mágico em que basta digitar uma palavra e, de repente, ele dá vida a exatamente o que você tinha em mente”, os melhores resultados são alcançados por profissionais criativos que buscam uma atualização para o software de edição de décadas atrás que eles já usam.

Crédito: Reprodução/ YouYube

Valenzuela esclarece que a Runway ainda não é capaz de gerar um documentário completo. Mas pode ajudar na criação de vídeos de fundo, ou B-rolls – tomadas e cenas de apoio que ajudam a contar a história. “Isso pode economizar uma semana de trabalho”, afirma o executivo. “Muitos o utilizam como um complemento ou para acelerar o processo.”

Os clientes-alvo da startup são “produtoras, grandes empresas de streaming, estúdios de pós-produção e de efeitos visuais, equipes de marketing, agências de publicidade – basicamente, quem ganha a vida criando conteúdo”.

PEDRAS NO CAMINHO

No entanto, existem riscos envolvidos. Sem regulamentação e salvaguardas, as ferramentas de geração de vídeo podem representar uma ameaça às democracias com deepfakes convincentes de eventos que nunca aconteceram. Sob pressão dos reguladores, grandes empresas de tecnologia prometeram sinalizar conteúdos gerados por IA para ajudar a identificar o que é real.

Também existem disputas de direitos autorais sobre os vídeos e imagens usados para treinar sistemas de inteligência artificial e até que ponto estão replicando injustamente obras protegidas. Além disso, há temores de que, em algum momento, essa tecnologia possa acabar com empregos e substituir a arte humana.

os melhores resultados do uso de IA são alcançados por profissionais criativos que buscam uma atualização para o software de edição que já usam.

Por enquanto, os vídeos gerados por IA não passam de alguns segundos de duração e podem apresentar movimentos irregulares e defeitos evidentes, como mãos e dedos distorcidos.

Corrigir esses problemas é “apenas uma questão de mais dados e mais treinamento”, além do poder computacional do qual esse treinamento depende, segundo Alexander Waibel, professor de ciência da computação da Universidade Carnegie Mellon que pesquisa IA desde a década de 1970.

Antes de lançar seu modelo de primeira geração no ano passado, a Runway ficou famosa por ser codesenvolvedora do gerador de imagens Stable Diffusion. Outra empresa, a britânica Stability AI, assumiu posteriormente o desenvolvimento da ferramenta.

ARTE OU TECNOLOGIA?

Gerar vídeos é mais complicado do que imagens estáticas porque é preciso levar em consideração dinâmicas temporais, ou seja, como os elementos presentes mudam ao longo do tempo e das sequências de quadros, conforme explica Daniela Rus, professora do Instituto de Tecnologia de Massachusetts e chefe do Laboratório de Ciência da Computação e Inteligência Artificial.

O poder computacional necessário é “significativamente maior” porque “envolve processamento e geração de vários quadros para cada segundo de vídeo”.

Crédito: Divulgação

Quando Madonna falou pela primeira vez com sua equipe sobre inteligência artificial, a “principal intenção não era simplesmente dizer: ‘olha, um vídeo de IA’”, conta Kasiuha.

“Ela me perguntou: ‘é possível usar uma dessas ferramentas para tornar a imagem mais nítida, para garantir que pareça atual e de alta resolução?’”, afirma o diretor. “Ela adora trazer novas tecnologias e novos tipos de elementos visuais.” 

Vídeos mais longos gerados por inteligência artificial já estão sendo feitos. A Runway realiza um festival anual de filmes de IA para apresentar essas obras. Mas ainda não sabemos se é isso que o público humano escolherá assistir.

Joseph B. Frederick, da Associated Press, contribuiu para esta matéria.


SOBRE O AUTOR

Matt O'Brien é repórter de tecnologia da AP. saiba mais