Mais que moda, a volta dos eletrônicos transparentes é um tipo de rebeldia
O retorno não é apenas uma questão de nostalgia, é também uma forma de protesto contra o mar de dispositivos idênticos
Eletrônicos transparentes não são novidade. Com raízes na necessidade pragmática de vigilância, seu surgimento e o atual retorno liderado por uma nova empresa de smartphones contam a intrigante e reveladora história por trás dessa tendência.
O uso de plásticos transparentes na tecnologia teve início em um lugar improvável: em presídios. Nas décadas de 1970 e 1980, produtos de plástico transparente, como televisores e rádios, foram introduzidos no sistema prisional dos EUA.
Essa escolha se deu, em grande parte, devido a preocupações com segurança; as carcaças transparentes impediam que os detentos escondessem itens proibidos nos dispositivos, tornando-as uma solução prática em ambientes de alta vigilância.
Naquela época, a estética transparente também refletia mudanças sociais mais amplas, à medida que as preocupações com segurança e vigilância se tornavam cada vez mais centrais no final do século 20.
A ONDA TRANSPARENTE DOS ANOS 1990 E 2000
Os eletrônicos transparentes rapidamente transcenderam suas origens e chegaram ao mercado no final dos anos 1990 e início dos anos 2000. Este movimento foi impulsionado por uma combinação de mudanças culturais e tecnológicas.
Culturalmente, a ideia de ver as “engrenagens internas” das coisas estava alinhada com o zeitgeist da época. Em uma sociedade imersa na empolgação do rápido avanço tecnológico, a estética transparente oferecia uma representação visual do progresso.
Do ponto de vista tecnológico, os avanços em plásticos e tecnologias de fabricação foram cruciais. Plásticos de policarbonato, duráveis, acessíveis e que podiam ser opacos ou tingidos, tornaram-se amplamente disponíveis. Empresas começaram a capitalizar esses materiais e a tendência cultural voltada para a transparência, utilizando-os para criar produtos visualmente marcantes.
Exemplos icônicos dessa tendência incluem o iMac G3, da Apple, com suas carcaças translúcidas e coloridas, e o Gameboy Color, da Nintendo, que tinha uma versão transparente. Esses produtos não eram apenas dispositivos funcionais. Eles se destacavam, eram lúdicos e únicos, e se transformaram em símbolos da estética do dos anos 2000 – ousada, futurista, colorida e, bem, “rebelde”.
O DECLÍNIO E O RETORNO
Mas, como todas as tendências, o fascínio por eletrônicos transparentes começou a diminuir. Com o tempo, ver o funcionamento interno dos aparelhos deixou de ser novidade. Na metade dos anos 2000, a tendência de designs minimalistas e elegantes ganhou força, marcando uma mudança em relação à estética lúdica, colorida e anti-institucional da era anterior.
As pessoas queriam que seus dispositivos se integrassem ao ambiente. Apple, Logitech, LG, Samsung e Sony passaram a produzir produtos contidos, minimalistas e maduros. Na década de 2010, até mesmo os carros aderiram à uma estética mais simples e limpa.
Mas agora os eletrônicos transparentes estão voltando com força. Esse ressurgimento não é apenas pela nostalgia, é também uma forma de protesto contra o mar de dispositivos idênticos no mercado. Um grande exemplo disso é o fone de ouvido sem fio Nothing Ear.
Em uma entrevista, o fundador da Nothing, Carl Pei, explicou que a escolha do design transparente era para expressar a missão da empresa de remover as barreiras entre as pessoas e a tecnologia. Eles lançaram diversos modelos de fones auriculares e, no mês passado, apresentaram um smartphone com parte traseira transparente.
A Beats, de propriedade da Apple, lançou o fone Studio Buds+ em um material plástico transparente e turvo há algumas semanas.
A Korg também anunciou o novo modelo comemorativo de 20 anos do MicroKorg Synth com acabamento “em cristal” há alguns meses. A empresa afirma que isso ajuda a “desfazer os limites entre você e seu instrumento”, o que é bastante significativo, já que é o sintetizador mais vendido de todos os tempos.
UM ESPELHO CULTURAL EM NOSSOS DISPOSITIVOS
A Nothing já vendeu mais de um milhão de unidades até agora. E meu palpite é que o Beats Studio Buds + também causará um grande impacto. Ele captura essa vibe nostálgica que é um enorme sucesso.
Ao mesmo tempo, as tecnologias transparentes representam a individualidade em um mar de dispositivos idênticos, permitindo que os consumidores expressem suas identidades únicas.
A volta dessa tendência não é apenas um retorno ao passado. A transparência é, na verdade, um símbolo de abertura e honestidade, algo que todos estamos desejando um pouco mais nos dias de hoje, especialmente com todas as discussões sobre privacidade, comportamentos corporativos obscuros, etc.
Este tweet de Carl Pei resume o que é necessário para fabricar dispositivos transparentes (spoiler: não é fácil).
Just visited our manufacturing facility in Chennai and here are my reflections
— Carl Pei (@getpeid) July 5, 2023
1. Big improvement from last year. Completely redone facilities with major improvements in cleanliness, security, and processes.
2. Making transparent tech is super hard. Let me just mention a few…
Acabei de visitar nossa fábrica em Chennai e aqui estão minhas reflexões:
1. Houve uma grande melhoria em relação ao ano passado. As instalações foram completamente reformadas, com melhorias significativas em termos de limpeza, segurança e processos.
2. Fabricar tecnologias transparentes é extremamente desafiador. Deixe-me compartilhar algumas coisas que precisamos fazer para evitar partículas:
- Uniformes que cobrem o corpo inteiro para a equipe da linha de produção.
- Dois estágios de chuveiros de ar anti-poeira e antiestática.
- Jato de ar descendente acima da linha de produção.
- Piso feito de malha de metal elevada, com água por baixo.
- Umidificadores de ar instalados em seções estratégicas.
- Utilização de fios de pesca para transportar o painel traseiro de vidro.
3. As exportações de eletrônicos da Índia crescerão rapidamente. Existe um enorme mercado interno e os custos hoje são bastante competitivos. Conforme a cadeia de suprimentos amadurece, os custos continuarão a baixar. Acredito que a Índia tem uma janela de oportunidade de cinco anos para aproveitar esta oportunidade, antes que a automação se torne mainstream.
Claramente, este é um sinal de como estamos mudando como cultura – revisitando o passado, celebrando nossa individualidade, promovendo a confiança e pirando na tecnologia. São tempos bastante empolgantes.
Este artigo foi republicado do Medium com permissão da autora.