Mais que moda, a volta dos eletrônicos transparentes é um tipo de rebeldia

O retorno não é apenas uma questão de nostalgia, é também uma forma de protesto contra o mar de dispositivos idênticos

Créditos: Anh Tuan To/ Unsplash/ Apple

Sushant Vhora 5 minutos de leitura

Eletrônicos transparentes não são novidade. Com raízes na necessidade pragmática de vigilância, seu surgimento e o atual retorno liderado por uma nova empresa de smartphones contam a intrigante e reveladora história por trás dessa tendência.

O uso de plásticos transparentes na tecnologia teve início em um lugar improvável: em presídios. Nas décadas de 1970 e 1980, produtos de plástico transparente, como televisores e rádios, foram introduzidos no sistema prisional dos EUA.

Essa escolha se deu, em grande parte, devido a preocupações com segurança; as carcaças transparentes impediam que os detentos escondessem itens proibidos nos dispositivos, tornando-as uma solução prática em ambientes de alta vigilância.

Naquela época, a estética transparente também refletia mudanças sociais mais amplas, à medida que as preocupações com segurança e vigilância se tornavam cada vez mais centrais no final do século 20.

A ONDA TRANSPARENTE DOS ANOS 1990 E 2000

Os eletrônicos transparentes rapidamente transcenderam suas origens e chegaram ao mercado no final dos anos 1990 e início dos anos 2000. Este movimento foi impulsionado por uma combinação de mudanças culturais e tecnológicas.

Culturalmente, a ideia de ver as “engrenagens internas” das coisas estava alinhada com o zeitgeist da época. Em uma sociedade imersa na empolgação do rápido avanço tecnológico, a estética transparente oferecia uma representação visual do progresso.

Crédito: Sushant Vhora

Do ponto de vista tecnológico, os avanços em plásticos e tecnologias de fabricação foram cruciais. Plásticos de policarbonato, duráveis, acessíveis e que podiam ser opacos ou tingidos, tornaram-se amplamente disponíveis. Empresas começaram a capitalizar esses materiais e a tendência cultural voltada para a transparência, utilizando-os para criar produtos visualmente marcantes.

Exemplos icônicos dessa tendência incluem o iMac G3, da Apple, com suas carcaças translúcidas e coloridas, e o Gameboy Color, da Nintendo, que tinha uma versão transparente. Esses produtos não eram apenas dispositivos funcionais. Eles se destacavam, eram lúdicos e únicos, e se transformaram em símbolos da estética do dos anos 2000 – ousada, futurista, colorida e, bem, “rebelde”.

O DECLÍNIO E O RETORNO

Mas, como todas as tendências, o fascínio por eletrônicos transparentes começou a diminuir. Com o tempo, ver o funcionamento interno dos aparelhos deixou de ser novidade. Na metade dos anos 2000, a tendência de designs minimalistas e elegantes ganhou força, marcando uma mudança em relação à estética lúdica, colorida e anti-institucional da era anterior.

As pessoas queriam que seus dispositivos se integrassem ao ambiente. Apple, Logitech, LG, Samsung e Sony passaram a produzir produtos contidos, minimalistas e maduros. Na década de 2010, até mesmo os carros aderiram à uma estética mais simples e limpa.

Crédito: RCA

Mas agora os eletrônicos transparentes estão voltando com força. Esse ressurgimento não é apenas pela nostalgia, é também uma forma de protesto contra o mar de dispositivos idênticos no mercado. Um grande exemplo disso é o fone de ouvido sem fio Nothing Ear.

Em uma entrevista, o fundador da Nothing, Carl Pei, explicou que a escolha do design transparente era para expressar a missão da empresa de remover as barreiras entre as pessoas e a tecnologia. Eles lançaram diversos modelos de fones auriculares e, no mês passado, apresentaram um smartphone com parte traseira transparente.

Crédito: Evan-Amos/ Wiki Commons

A Beats, de propriedade da Apple, lançou o fone Studio Buds+ em um material plástico transparente e turvo há algumas semanas.

A Korg também anunciou o novo modelo comemorativo de 20 anos do MicroKorg Synth com acabamento “em cristal” há alguns meses. A empresa afirma que isso ajuda a “desfazer os limites entre você e seu instrumento”, o que é bastante significativo, já que é o sintetizador mais vendido de todos os tempos.

UM ESPELHO CULTURAL EM NOSSOS DISPOSITIVOS

A Nothing já vendeu mais de um milhão de unidades até agora. E meu palpite é que o Beats Studio Buds + também causará um grande impacto. Ele captura essa vibe nostálgica que é um enorme sucesso.

Ao mesmo tempo, as tecnologias transparentes representam a individualidade em um mar de dispositivos idênticos, permitindo que os consumidores expressem suas identidades únicas.

A volta dessa tendência não é apenas um retorno ao passado. A transparência é, na verdade, um símbolo de abertura e honestidade, algo que todos estamos desejando um pouco mais nos dias de hoje, especialmente com todas as discussões sobre privacidade, comportamentos corporativos obscuros, etc.

Este tweet de Carl Pei resume o que é necessário para fabricar dispositivos transparentes (spoiler: não é fácil).

Acabei de visitar nossa fábrica em Chennai e aqui estão minhas reflexões:

1. Houve uma grande melhoria em relação ao ano passado. As instalações foram completamente reformadas, com melhorias significativas em termos de limpeza, segurança e processos.

2. Fabricar tecnologias transparentes é extremamente desafiador. Deixe-me compartilhar algumas coisas que precisamos fazer para evitar partículas: 

- Uniformes que cobrem o corpo inteiro para a equipe da linha de produção. 

- Dois estágios de chuveiros de ar anti-poeira e antiestática

- Jato de ar descendente acima da linha de produção. 

- Piso feito de malha de metal elevada, com água por baixo. 

- Umidificadores de ar instalados em seções estratégicas. 

- Utilização de fios de pesca para transportar o painel traseiro de vidro.

3. As exportações de eletrônicos da Índia crescerão rapidamente. Existe um enorme mercado interno e os custos hoje são bastante competitivos. Conforme a cadeia de suprimentos amadurece, os custos continuarão a baixar. Acredito que a Índia tem uma janela de oportunidade de cinco anos para aproveitar esta oportunidade, antes que a automação se torne mainstream.

Claramente, este é um sinal de como estamos mudando como cultura – revisitando o passado, celebrando nossa individualidade, promovendo a confiança e pirando na tecnologia. São tempos bastante empolgantes.

Este artigo foi republicado do Medium com permissão da autora.


SOBRE A AUTORA

Sushant Vohra é designer e fundadora da Young Designers India. saiba mais