Marcas não podem mais deixar de tomar partido – quer queiram ou não

As assembleias de acionistas estão virando camposs de batalha cultural e as empresas se veem obrigadas a rever o posicionamento de suas marcas

Créditos: Kwangmoozaa, StudioM1/ Henvry/ iStock

Rob Walker 4 minutos de leitura

Por muitos anos, a maioria das empresas preferiu evitar associar suas marcas a questões polêmicas relacionadas à “guerra cultural”. Afinal, tomar uma posição sobre determinados assuntos poderia afastar uma parcela significativa de potenciais clientes. Mas isso vem mudando nos últimos tempos e, hoje, se tornou quase impossível evitá-las.

A pressão mais recente vem de acionistas ativistas – incluindo um número crescente deles que, ironicamente, acreditam que as empresas estão se tornando excessivamente ideológicas.

Ao não defenderem nada, as marcas passam a mensagem de que preferem ter uma relação exclusivamente comercial com seus consumidores.

O número de propostas que desafiam as práticas sociais ou ambientais das empresas apresentadas em assembleias anuais de acionistas nos EUA antes do final de maio atingiu um recorde de 74 este ano – mais de cinco vezes o número registrado em 2019 –, de acordo com a ISS Corporate Solutions, que assessora empresas em governança e programas de sustentabilidade.

O “The Wall Street Journal” cita como exemplo uma proposta que exige que a gigante farmacêutica Eli Lilly – que se manifestou contra a rígida lei sobre aborto no estado de Indiana – faça um relatório “sobre os riscos de apoiar o tema”. Outra proposta que se concentra nos planos (atualmente pausados) da Mastercard em relação à implementação de um código de vendas para comerciantes de armas.

Outras envolvem “desencorajar as empresas de implementar iniciativas climáticas ou sociais, como a redução de emissões [de gases de efeito estufa] ou aumentar” os esforços de diversidade, equidade e inclusão, segundo o relatório da ISS.

Esses dados refletem o crescimento de uma oposição barulhenta e politicamente motivada contra a tendência dos investidores de focar em questões ambientais, sociais e de governança (ESG, na sigla em inglês).

DISPUTAS POLÍTICAS

O movimento anti-ESG está ganhando força como uma cruzada bem financiada e bem organizada. Defender que o ESG é uma afronta e uma distração à função do capitalismo como mecanismo de entrega de valor aos acionistas se tornou uma postura comum da direita.

os dados refletem o crescimento de uma oposição barulhenta e politicamente motivada contra a tendência dos investidores de focar em ESG.

Mas isso é apenas uma parte do quadro. Apesar da forte oposição ao ESG por parte de alguns, a ISS observa que as propostas de acionistas com foco social atingiram um nível recorde (239). O número de propostas ambientais também subiu significativamente (128).

Exigir que empresas assumam posições pró ou contra uma variedade de questões, de diversidade e aborto a mudanças climáticas, apenas ressalta tendências mais amplas.

As marcas se tornaram alvos em uma série de disputas políticas. Isso tem consequências em relação aos temas sobre os quais uma marca irá se posicionar (contra ou a favor). “Eu diria que a neutralidade não é mais uma opção viável”, defende Marcus Collins, diretor de estratégia da Wieden+Kennedy.

“É uma questão de convicção. Pelo que você está disposto a lutar? Isso define quem somos no mundo. As marcas que agem com convicção, independentemente de você gostar delas ou não, pelo menos são respeitadas. Ao não defenderem nada, elas passam a mensagem de que preferem ter uma relação exclusivamente comercial com seus consumidores.”

NEUTRALIDADE IMPOSSÍVEL

O público espera que as marcas assumam posições culturais e acabará forçando-as a tomar partido – quer queiram, quer não. Mesmo que tentem evitar essas questões no nível dos acionistas, será necessário enfrentar o desafio que vai se manifestar no mercado real, possivelmente quando menos se espera. Dizer apenas que elas não querem se envolver com questões polêmicas claramente não será suficiente.

O movimento anti-ESG está ganhando força como uma cruzada bem financiada e bem organizada.

As marcas sempre foram poderosos elementos culturais, mesmo quando evitavam conflitos e controvérsias – de Ford à Apple, Walmart, McDonald’s e Hermès, cada uma possui significados distintos construídos ao longo do tempo, que ressoam com milhões de pessoas.

Não é surpresa que os ativistas culturais, neste cenário cada vez mais dividido, aproveitem o poder e a familiaridade das marcas para promover suas próprias agendas. Grupos anti-LGBTQIA+ descobriram que é mais eficaz associar sua mensagem a um ataque a uma marca conhecida por todos.

Portanto, empresas de todos os tipos terão que fazer escolhas. O time de baseball Los Angeles Dodgers acabou de fazer uma, pedindo desculpas e revertendo sua posição após cancelar o convite a uma importante organização LGBTQIA+ para participar de um evento do Mês do Orgulho.

Outras também terão que tomar partido, à medida que a guerra cultural impõe novas e variadas questões. As marcas precisam entender que não podem mais se manter neutras, por mais que queiram.


SOBRE O AUTOR

Rob Walker assina Brended, coluna semanal sobre marketing e branding. Também escreve sobre design, negócios e outros assuntos. saiba mais