Marketing de influência tem um viés de misoginia que é preciso eliminar

Por que em um setor tão importante do marketing as mulheres não têm o respeito que merecem?

Crédito: agrobacter/ iStock

Aliza Freud 5 minutos de leitura

De acordo com um estudo recente, 84% de todos os influenciadores digitais são mulheres. Esse número não é exatamente uma surpresa, já que o compartilhamento de dicas, recomendações e experiências na internet tem criado fortes conexões e enormes comunidades entre o público feminino. 

Nos últimos 15 anos, o ramo dos influenciadores digitais deslanchou e, para alguns, se tornou uma carreira bastante lucrativa. Apesar disso, muitos ainda consideram esse setor fútil, superficial, permeado por golpistas e sempre à beira do colapso.

Influencers homens ganham, em média, 30% a mais por publicação do que mulheres com número de seguidores e taxas de engajamento semelhantes.

No entanto, os orçamentos destinados ao marketing de influência explodiram e devem atingir US$ 21,1 bilhões em 2023 – um aumento de 29% de um ano para o outro. Nos Estados Unidos, os gastos com marketing aumentaram 8,5% em 2022, impulsionados por alguns poucos canais de mídia importantes, incluindo o marketing de influenciadores – que comprovou ter um forte ROI, com um retorno de US$ 6,50 para cada dólar investido.

As mulheres com profundo conhecimento dos temas de que tratam em seus perfis e canais e que reúnem grandes audiências têm se esforçado para ganhar voz e respeito, especialmente em setores dominados por homens. Michelle Schroeder-Gardner é uma influenciadora que dirige o bem-sucedido blog Making Sense of Cents e as mídias sociais relacionadas a ele.

Ela criou o blog em 2011, narrando sua jornada para se livrar das dívidas com financiamentos estudantis em apenas sete meses. A partir daí, aprendeu a fazer parcerias de marketing e agora compartilha maneiras inteligentes de ganhar dinheiro, tendo hoje mais de 650 mil seguidores.

Crédito: Making Sense of Cents

Gardner já foi nomeada a blogueira de finanças do ano pela FinCon e foi destaque em diversas reportagens. Mesmo assim, quando aparece na mídia, recebe comentários de pessoas questionando suas qualificações.

“Acho muito estranho que um ‘influenciador financeiro’ do sexo masculino com menos anos de experiência e sem qualificações seja automaticamente reconhecido porque ‘parece saber do que está falando’. Já eu venho fazendo isso há anos e tenho seguidores fiéis que se beneficiaram de meus conselhos, mas minha credibilidade acaba sempre sendo questionada”, relata.

Embora o espaço dos influenciadores seja dominado por mulheres, os influencers do sexo masculino ganham, em média, 30% a mais por publicação em comparação com as do sexo feminino com número de seguidores e taxas de engajamento semelhantes.

As influenciadoras costumam receber muito mais comentários sexualizados ou palavras de ódio relacionadas ao seu peso e aparência física.

A principal hipótese dos profissionais do setor é que as mulheres não negociam tanto quanto os homens o valor de seus serviços e que eles estão mais dispostos a desistir das propostas dos anunciantes.

Outra crítica muito ouvida é que ser um influenciador ou criador é fácil demais e que não é realmente um trabalho em tempo integral. Mas a realidade é que é mais do isso, pois muitas vezes acaba ocupando todo o tempo do produtor de conteúdo.

“Adoro o lado criativo da criação de conteúdo, mas há um longo processo por trás dele – idealizar, filmar, editar e responder aos comentários e perguntas dos seguidores. Tudo isso faz com que cada conceito leve de seis horas a dois ou três dias para ser finalizado. Ser um criador de sucesso significa trabalhar em tempo integral, inclusive nos fins de semana, tarde da noite e/ ou de manhã cedo”, afirma Giustina Miller, da @domesticallyblissful, que tem mais de 500 mil seguidores no Instagram e no TikTok.

Giustina Miller (Crédito: Domestically Blissful)

Os influenciadores de sucesso, tanto homens quanto mulheres, geralmente criam seu conteúdo com base em seu estilo de vida, suas famílias e suas experiências pessoais. Mas quando essa também é a sua marca, os limites entre trabalho e vida pessoal podem se confundir, e o machismo pode ser amplificado pelas redes sociais. As influenciadoras costumam receber com muito mais frequência comentários sexualizados ou palavras de ódio relacionadas ao seu peso e aparência física.

Nos últimos 15 anos, o ramo dos influenciadores digitais deslanchou e, para alguns, se tornou uma carreira bastante lucrativa.

Por exemplo, uma publicação da influenciadora latina e da geração Z Mollie Daniela, que foi visitar a Casa da Barbie em Santa Monica com amigos, viralizou há algumas semanas, acumulando quase oito milhões de visualizações. Um dos comentários foi: “espero que vocês tenham inteligência, porque beleza não têm”.

“Sei que sempre que um dos meus vídeos viraliza, comentários negativos e maldosos vão aparecer”, diz Daniela. “Esses comentários podem ser muito ofensivos. As pessoas se sentem no direito de comentar sobre meu corpo, minha aparência, tudo, independentemente do assunto da postagem. Os influenciadores homens não sofrem com esse tipo de crítica na mesma proporção que as influenciadoras mulheres.”

Mollie Daniela e amigas na Casa da Barbie (Crédito: Reprodução/ TikTok)

Será que esses problemas são apenas questões inerentes ao crescimento de um setor ainda emergente, ou será que o marketing de influenciadores reproduz os padrões machistas existentes? Veja como podemos tomar medidas para evitar a segunda hipótese:

  • O respeito ao setor virá de diretrizes e regras mais formais e padronizadas. Esses tipos de limites podem garantir parâmetros consistentes para o funcionamento do setor e legitimar ainda mais esse formato que vem crescendo rapidamente.
  • A diferença salarial pode ser resolvida com orientação jurídica e melhoria das habilidades de negociação das influenciadoras. É animador o fato de que temos observado um aumento na média das quantias pagas nos últimos dois anos, e espero que essa trajetória avance conforme o investimento nesse segmento continue crescendo.
  • Os discursos machistas e as ofensas tendem a diminuir diante do entendimento de que, embora possamos estar atrás de uma tela, ainda estamos falando com outro ser humano. Temos sempre a opção de reagir com palavras de incentivo ou simplesmente continuar rolando a tela.

À medida que o marketing de influência amadurece e se torna parte da estratégia de comunicação das empresas, as mulheres que o fundaram e o desenvolveram podem usar seu poder para articular seu valor com mais confiança, negociar a remuneração que merecem e fazer com que suas vozes sejam ouvidas com respeito.

Quando essas mulheres exercerem de fato o seu poder, elas podem muito bem erradicar a diferença salarial e superar seus colegas homens.


SOBRE A AUTORA

Aliza Freud é fundadora e CEO da SheSpeaks. saiba mais